O Teatro do Oprimido enquanto estratégia de
promoção do empowerment em populações
socialmente vulneráveis -‐ Estudo de Caso do
Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa.
Mestranda:
Mara Inês Ventura Neves
Orientador Científico:
Professora Doutora Carla
Cristina Graça Pinto
Dissertação para obtenção de grau de Mestre em Política Social
Lisboa
1
Agradecimentos
Este trabalho é fruto dos meus relacionamentos, experiências de trabalho, projetos e sonhos. Assim agradeço a todos os meus amigos, colegas de curso, de profissão, porque no fundo todos me ensinaram algo e me fizeram estar neste caminho hoje.
À Direção, Coordenação Técnica e equipa da Associação Meninos de Oiro pela compreensão nesta fase.
À minha orientadora, Professora Dr.ª Carla Pinto pelo entusiasmo com que aceitou as minhas ideias e pela paciência que respondeu às minhas dúvidas e e-‐mails.
Aos professores, Dr. Fernando Humberto Serra, Dr. Hermano Carmo e Dra. Stella António pelas críticas construtivas que ajudaram a construir o caminho inicial.
Aos atores do Grupos do GTO Lx, nomeadamente DRK, Valart, Muda Gosi Fasil, Mira Kapaz, Idosos dos Loios e Madalenas, em especial aos entrevistados que por motivos de confidencialidade não refiro. À Filipa Simões e Anabela Rodrigues do GTO Lx e a Gisela Mendoza.
Ao Hugo Cruz do NTO Porto pela disponibilidade e entrevista via skype. A Laure Dewitte do GTO Algarve e Cooperativa Mandacaru por toda a disponibilidade e envio de informação. Aos meus queridos amigos Nelson Ferreira, Inês Alves, Nuno Andrade, Raquel Botelho, Rita Fernandes e primo Manuel Rosado.
A Carolina Vilas Boas, técnica de Serviço Social na Câmara Municipal de Cascais.
Aos meus pais por me terem passado a curiosidade e desejo de aprender e por me apoiarem em todas as decisões.
Ao meu companheiro João Portela por me ter incentivado a fazer o mestrado e por apoiar todos os meus sonhos.
2
Índice Geral
Índice de Figuras....4
Índice de Quadros... 4
Resumo...5
Abstract...6
Introdução...7
Estrutura da Tese...13
1ª Parte – Enquadramento Teórico...14
1. Vulnerabilidade, Intervenção Social e Empowerment...15
1.1.Populações socialmente vulneráveis... 15
1.2.Intervenção Social...19
1.3.Do conceito de poder ao conceito de empowerment...22
1.3.1. Partindo da ideia de Poder...22
1.3.2. O conceito de empowerment...23
2. O Teatro do Oprimido como ferramenta de promoção do empowerment...28
2.1.Augusto Boal e a génese do Teatro (e da poética) do Oprimido...28
2.2.Boal e Freire – Teatro do Oprimido versus Pedagogia do Oprimido...29
2.3.Métodos, Metodologias e Técnicas do Teatro do Oprimido...34
2.3.1. Todos podemos fazer Teatro: Teatro Essencial e Teatro Subjuntivo...35
2.3.2. A metáfora da árvore...37
2ª Parte – Estudo do Teatro do Oprimido enquanto estratégia de promoção do empowerment – Estudo de Caso do GTO Lx (Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa) ...39
3. O GTO Lx... 40
3
3.2.A Rede Multiplica...42
3.2.1. Projetos/Grupos da Rede Multiplica...42
4. Breve Caracterização dos Bairros dos 4 grupos estudados...45
4.1.Bairros da Cova da Moura e Zambujal (Amadora) – DRK...45
4.2. Vale da Amoreira (Moita) – Valart...47
4.3.Casal da Mira (Amadora) – Mira Kapaz...48
4.4.Bairro da Adroana (Cascais) – Muda Gosi Fasil...48
5. Enquadramento epistemológico e metodológico...49
5.1. Recolha de dados...51
5.1.1.Observação...51
5.1.2.Amostra...54
5.1.3.Entrevistas... 54
5.1.3.1. Caracterização sumária dos jovens entrevistados... 56
6. Teatro do Oprimido e Empowerment: Apresentação dos resultados...59
6.1.Dando Voz aos Jovens – Percepções dos atores...59
6.1.1.Dimensão de Análise Individual e Grupal: Empowerment e competências pessoais e sociais em mim e no outro...62
6.1.2.Dimensão de Análise Comunitária: “Fazer pensar” e mudanças na comunidade...67
6.2. Perceções dos dinamizadores/curingas/ativistas sociais do GTO Lx...72
6.2.1. Dimensão de Análise Individual e Grupal: Empowerment e competências pessoais e sociais nos atores e grupos de jovens...72
6.2.2. Dimensão de Análise Comunitária: Mudanças na comunidade...76
7. Considerações finais e Propostas de Intervenção...79
Bibliografia...86
4 Índice de Figuras
Figura 1 -‐ Intervenção Social...9
Figura 2 -‐ Empowerment e Teatro do Oprimido...10
Figura 3 -‐ Modelo de Análise...12
Figura 4 -‐ Árvore do Teatro do Oprimido... 37
Índice de Quadros Quadro 1 – Informação Geral sobre entrevistados...56
Quadro 2 – Nacionalidade/ Nascimento/ Origem...57
Quadro 3 – Tempo de frequência no grupo...57
Quadro 4 – Indicadores de Empowerment referidos pelos atores (competências pessoais e sociais) ...61
5 Resumo
A presente dissertação é o resultado de um estudo exploratório e descritivo sobre o
Teatro do Oprimido e do seu papel enquanto estratégia de intervenção social que
promove o empowerment de populações socialmente vulneráveis. Cruzámos algumas
contribuições teóricas com o estudo de Caso do Grupo de Teatro do Oprimido de
Lisboa (GTO Lx), tendo sido efectuada uma pesquisa de base qualitativa.
Foi analisada a aplicação prática do Teatro do Oprimido, em contexto português, em
vários grupos do Teatro do Oprimido de Lisboa, no seu trabalho com populações
vulneráveis, nomeadamente grupos de jovens, tendo sido efectuada uma observação
no terreno, assistindo a ensaios e espetáculos e conduzidas entrevistas
semiestruturadas.
O teatro do Oprimido de Augusto Boal recria a realidade, identificando temas
prioritários para serem debatidos e resolvidos por cada grupo ou comunidade, dando-‐
lhes a possibilidade de procurar e (re)inventar soluções para os resolver. É neste
contexto, que fomenta o conhecimento e a consciência crítica e promove nos
intervenientes um aumento de competências pessoais/psicológicas, bem como sociais,
nomeadamente ao nível da cidadania. Falamos portanto num acréscimo de poder
psicológico, social e político. Esta mudança no indivíduo, conduz ao empowerment
individual, grupal e comunitário que é, ele mesmo, um objetivo da intervenção social.
PALAVRAS-‐CHAVE: Teatro do Oprimido; Intervenção Social, Empowerment, Populações Socialmente Vulneráveis, Competências Pessoais e Sociais.
6 Abstract
This work is the result of an exploratory and descriptive study on the Theatre of the
Oppressed and its role as a social intervention strategy that promotes the
empowerment of socially vulnerable populations. We have crossed some theoretical
contributions to the case study of “Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa” (GTO Lx -‐
Lisbon Theatre of the Oppressed Group) having carried out a qualitative baseline
survey.
The practical application of Theatre of the Oppressed was analyzed within the
Portuguese context in various groups run by the 'Teatro do Oprimido de Lisboa'
(Theatre of the Oppressed of Lisbon), through their work with vulnerable populations,
including the youth. We made observations on the ground, attending rehearsals and
performances and conducted semi-‐structured interviews.
The Theatre of the Oppressed of Augusto Boal recreates reality, identifying top issues
to be debated and resolved by each group or community, giving them the ability to
search and (re)invent solutions. It is in this context that the Theatre of the Oppressed
fosters in the participants knowledge and critical awareness, increasing personal/
psychological and social skills, namely regarding to citizen’s rights and duties. We are
talking about an increase of psychological, social and political power. This change in
the individual leads to individual, group and community empowerment, which is a goal
of social intervention.
KEYWORDS: Theatre of the Oppressed; Social Intervention; Empowerment; Socially Vulnerable Populations, personal and social skills.
7 Introdução
O Teatro do Oprimido tem como finalidade última o bem-‐estar social, através da
promoção do fortalecimento da cidadania e justiça social, sendo utilizado a nível
mundial, desde há cerca de 30 anos como meio democrático na transformação da
sociedade.
Vi neste contexto a oportunidade de ligar as duas áreas da minha preferência, sendo
elas os projetos de intervenção social e a arte (neste caso, a expressão dramática no
teatro do oprimido). Isto porque, através da minha prática profissional como Técnica
Superior de Política Social num CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento
Parental) de uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) e do meu
trabalho com populações vulneráveis e crianças e jovens em risco e suas famílias,
tenho sentido necessidade de investigar, perceber e sistematizar as potencialidades
das áreas artísticas, uma vez que me parece que poderão ser uma das melhores
formas de chegar aos indivíduos e consequentemente de promover o seu
empowerment, que é no fundo o fim ultimo da intervenção social.
Assim sendo, e tendo em conta a orientação estratégica da investigação/áreas
prioritárias da Política Social1, pretendemos enquadrar o meu trabalho nos seguintes
parâmetros:
• Enfoques estratégicos: Serviço Social e contextos institucionais e comunitários de intervenção.
• Tópicos específicos de investigação relativos a políticas sociais (setoriais, categoriais e globais, transnacionais) e contextos de promoção e garantia de
bem-‐estar social: Intervenções comunitárias positivas e mudança sistémica.
• Áreas prioritárias de investigação para a Unidade de Serviço Social e Política Social: Direitos humanos, cidadania e inclusão.
1
8 Com o agravamento da crise económica e financeira europeia, são geradas
vulnerabilidades sociais com francas repercussões em Portugal. As políticas de
austeridade, cortes nos salários e pensões, aumentos de impostos e desemprego
geram cada vez mais situações de injustiça social, criando novos desafios.
O Teatro do Oprimido, uma abordagem transformadora, pretende exatamente intervir
socialmente para lutar contra situações de injustiça, fomentando a existência de uma
luta pelos direitos colectivos e uma consciência e cidadania plenas, pelo que o tema é
atual.
Intervir socialmente, integrar ou diminuir vulnerabilidades visa minimizar os factores
micro (do indivíduo/família), meso (organizações/funcionamento local) e macro
(estrutural/funcionamento global das sociedades), maximizando as oportunidades
permitidas pela sociedade, promovendo as capacidades e competências individuais e
familiares, o que faz a ligação com o conceito de “empowerment”. 2
O objetivo geral do nosso trabalho prende-‐se com uma caracterização e análise do
Teatro do Oprimido e do seu papel enquanto estratégia de intervenção social que
promove o empowerment em populações socialmente vulneráveis. A dissertação visa
mostrar que a intervenção social é um processo social que pressupõe a existência de
um sistema interventor, que neste caso associamos ao GTO Lx, ou seja, um recurso
social que pretende potenciar estímulos e promover mudança no sistema cliente, ou
seja, nas populações socialmente vulneráveis, como ilustra a figura abaixo3.
2
http://www.triplov.com/ista/cadernos/cad_09/amaro.html
3
9 Fig. 1 -‐ Intervenção Social
Intervenção Social = Processo Social
Sistema Interventor = GTO = Recurso Social que pretende potenciar estímulos e
promover mudança
Sistema Cliente = Populações Socialmente Vulneráveis*
Assim sendo, os nossos objetivos específicos são, seguindo a lógica anterior:
• Analisar o modo como o Teatro do Oprimido é percecionado pelos dirigentes/formadores/curingas;
• Analisar o modo como o Teatro do Oprimido é percecionado pelos atores; • Identificar competências pessoais e sociais que o Teatro do Oprimido facilita
nos atores e “espect-‐atores”;
• Identificar que tipos de empowerment o Teatro do Oprimido gera nos participantes;
• Identificar mudanças promovidas pelo teatro do oprimido nas comunidades onde é desenvolvido.
O empowerment é um processo que visa um acréscimo de poder nas situações onde
existe um desequilíbrio de poder visto como opressor de determinados sujeitos. Visa o
aumento de competências pessoais e sociais, o acesso a recursos e bens, a capacidade
de tomar decisões e fazer escolhas, bem como a resistência ao poder dos outros. Esta Pressupõe:
10 visão é concordante com a ideia de fortalecimento do oprimido que é a base do Teatro
do Oprimido de Boal.
Fig. 2 -‐ Empowerment e Teatro do Oprimido
Empowerment = Acréscimo de poder4
Falta de poder
Aumento de competências pessoais e sociais;
Aumentar o poder de acesso a recursos e bens, a capacidade de tomar decisões e fazer escolhas e a resistência ao poder dos outros;
Fortalecimento do oprimido
= Teatro do Oprimido de Augusto Boal ?
O teatro do Oprimido de Augusto Boal pretende recriar a realidade, identificando
temas a serem pensados e debatidos por cada grupo ou comunidade, dando-‐lhe a
possibilidade de procurar e (re)inventar soluções para os resolver. É aqui que surge a
4 Na intervenção social prende-‐se não tanto com o “poder sobre”, poder autoritário ou capacidade de
dominar alguém, mas sim com o poder de acesso, capacidade de mudança, poder de ação e capacitação.
Pressupõe:
11 consciência crítica, o aumento de competências pessoais e sociais dos intervenientes, a
possibilidade de mudança e o acréscimo de poder, ou seja o empowerment nas suas
vertentes social, política e psicológica, que é ele mesmo um objetivo da intervenção
social. É o empowerment do indivíduo, nestas vertentes, que pode levar ao
desenvolvimento comunitário, conforme o seguinte modelo de análise:
12 Fig. 3 – Modelo de Análise
Welfare Mix
Teatro do Oprimido
In
te
rv
en
çã
o
S
o
ci
a
l
In
te
rv
en
çã
o
S
o
ci
a
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Processo de Recriação
Propõe: Gera:
Soluções Consciência Crítica
Aumento de Competências Pessoais e Sociais
Possibilidade de Mudança
Acréscimo de poder
Social
Político Psicológico
Empowerment da População
Socialmente Vulnerável
13 No presente estudo queremos perceber, portanto, a marca do empowerment no
Teatro do Oprimido, nomeadamente no GTO de Lisboa e nas populações com quem
trabalha.
Podemos desde já avançar que não encararemos o empowerment como um conceito
estanque dicotómico, que se atinge ou não se atinge, mas analisar se os indivíduos
alcançaram melhorias em determinadas áreas das suas vidas.
“Os processos de empowerment devem ser pensados a longo prazo, são demorados e
os seus sucessos não acontecem necessariamente de modo linear, mas sim com
avanços e recuos sucessivos, portanto, difíceis de avaliar” (Pinto, 2011:88).
Estrutura da Tese
A nossa tese encontra-‐se dividida em duas partes, sendo que a primeira corresponde
ao enquadramento teórico conceptual da nossa dissertação e a segunda, à
investigação ligada aos grupos do GTO Lisboa, respetivos resultados do nosso estudo e
propostas de intervenção.
Na primeira parte no primeiro ponto faremos o enquadramento dos conceitos e
conexões entre empowerment e intervenção social, fazendo também a ponte com as
populações socialmente vulneráveis. No segundo ponto abordaremos a temática do
Teatro do Oprimido, caracterizando-‐o e fazendo a ligação ao empowerment.
Na segunda parte no ponto 3 faremos a caracterização do GTO Lisboa e no ponto 4 a
caracterização geral dos bairros dos grupos estudados. No ponto 5 faremos o
enquadramento epistemológico e metodológico, no ponto 6 a apresentação dos
resultados e no ponto 7 as considerações finais e proposta de intervenção.
14
1ª Parte – Enquadramento Teórico-‐conceptual
15 1. Vulnerabilidade, Intervenção Social e Empowerment
1.1.Populações socialmente vulneráveis
O conceito de vulnerabilidade começou por ser utilizado na área dos direitos humanos
e saúde, sobretudo ligado ao conceito de grupos de risco (de indivíduos discriminados
por exemplo por serem homossexuais ou portadores de HIV) e tem sido utilizado em
diversos campos do saber (Guareschi et al, 2007).
“Yunes e Szymanski referem, que o conceito de vulnerabilidade foi formulado nos anos 1930 pelo grupo de pesquisa de L. B. Murphy, que acabou por definir o termo como “susceptibilidade à deterioração de funcionamento diante de stresse” (Yunes e Szymanski, 2001: 28,29 cit in Janczura, 2012:302).
A nível social, o conceito surgiu nas duas últimas décadas do século passado, da
necessidade, no evoluir das sociedades, de se encontrar um conceito que fosse além
da exclusão social e da inclusão social e que traduzisse as situações sociais
intermédias. Embora o conceito de exclusão social tenha variáveis temporais e
espaciais, variando ao longo dos anos e de país para país, a nível conceptual definia
muitas vezes uma não existência de recursos (como trabalho, habitação, crédito) ou
uma ausência de acesso a bens e serviços básicos.
“A partir das críticas aos limites dos conceitos de exclusão social, alguns estudos passam a apontar a existência de uma ‘zona de vulnerabilidade’, formada por setores pobres que buscam alternativas de inclusão ou por novos setores empobrecidos.” (Cronemberger e Teixeira, 2012:96). No fundo o conceito de vulnerabilidade social surge como uma tentativa de retratar uma sociedade em mudança em que a crise destruturou o mercado de trabalho e alastrou para populações que eram consideradas “incluídas” e “estáveis”.
Podemos dizer que o conceito contribuiu para uma análise mais profunda do conceito
16 está sempre associado a questões de pobreza. Ainda que a vulnerabilidade social
esteja muito ligada a situações de pobreza ou carência económica, questões de
orientação sexual, gênero, saúde, idade ou etnia podem propiciá-‐la e não permitir o
referido desempenho e/ou mobilidade de cada indivíduo.
“Os limites do conceito de exclusão social provocaram alguns estudos, como o de Castel em 1997, na obra A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à ‘desfiliação’, onde aponta a existência de uma ‘zona de vulnerabilidade’, formada por setores pobres que buscam alternativas para estar incluídos ou por setores médios empobrecidos que têm perdido canais de inclusão” (Castel, 1997 cit in Cronemberger e Teixeira, 2012:97).
No fundo, o conceito de vulnerabilidade social pretende analisar situações
intermédias, entre o totalmente excluído e o totalmente incluído. Podemos dizer que a
vulnerabilidade social está ligada ao conceito de risco, a uma exposição a fatores de
risco, a um deficit de (acesso a) recursos (sejam estes pessoais, sociais ou económicos)
por parte do indivíduo, o que não permite que este desenvolva o seu potencial,
conducente a uma completa inclusão na sociedade. Este deficit leva a que o indivíduo,
família ou grupo, fiquem numa situação de risco de exclusão social, que é no fundo a
situação de vulnerabilidade. Podemos então ligar o conceito de vulnerabilidade social
à questão da fragilidade e precariedade, tendo como consequência uma maior
exposição ao risco.
Podemos associar a vulnerabilidade aos indivíduos ou grupos que por condições micro,
mezzo ou macro (ou seja sociais, de classe, culturais, étnicas, políticas, econômicas,
educacionais ou de saúde) têm situações de vida caracterizadas pela precariedade.
Serão portanto mais suscetíveis à exploração, com menos acesso à liberdade, com a
sua autonomia diminuída, laços de convivência mais frágeis e várias outras situações
capazes de aumentar a probabilidade de um resultado negativo na presença de risco
17 Neste sentido, entendemos aqui vulnerabilidade como uma pré-‐disposição ou
susceptibilidade para uma situação de exclusão, ou seja, uma situação do indivíduo ou
família, “estar na corda bamba” ou no “limbo”. O risco, é portanto, algo menos
positivo que pode acontecer. Todos os indivíduos estão expostos a riscos, no entanto a
“distribuição” dos riscos é desigual. Por outro lado uma sociedade complexa oferece
cada vez mais desafios e estende a vulnerabilidade social.
Esta dissertação analisa o empowerment de populações socialmente vulneráveis,
sendo que vulnerabilidade social, consiste no “resultado negativo da relação entre a
disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores sejam eles indivíduos
ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que
provêm do Estado, do mercado e da sociedade” (Ambramovay et al, 2002:13). Ou seja,
este resultado negativo e falta de acesso irão influenciar o desempenho e mobilidade
social dos indivíduos.
“Ayres (1999) considera que a conformação da vulnerabilidade social acaba sendo constituída em torno de conjunturas básicas: a primeira diz respeito à posse ou controle de recursos materiais ou simbólicos que permitem aos indivíduos se desenvolverem, se aperfeiçoarem ou se locomoverem na tessitura social; a segunda remete à organização das Políticas de Estado e bem-‐estar social, que configuram os componentes de oportunidades que provêm do Estado, do mercado e da sociedade como um todo – ligeiramente associado à capacidade de inserção no mercado de trabalho e acesso às políticas; e, por fim, a forma como os indivíduos, grupos, segmentos ou famílias organizam seus repertórios simbólicos ou materiais para responder aos desafios e adversidades provenientes das modificações dinâmicas, políticas e estruturais que ocorrem na sociedade, de forma a realizarem adequações e ocupações de determinadas posições de enunciação nos jogos de poder da organização simbólica e política” (Ayres, 1999 cit in Guareschi et al, 2007:22-‐23).
No fundo, a vulnerabilidade social é uma forma de desigualdade social e podemos
dizer que está ligada à falta de resiliência ou de poder. Esta última ideia traduz-‐se no
18 1.3. do nosso trabalho. Ela pode, portanto, implicar uma dificuldade de acesso a
serviços básicos como habitação, transporte, educação e saúde, bem como ter
influência em questões ligadas a processos de ordem psicossocial que podem implicar
uma incapacidade de participação na sociedade, dificuldades de autonomia e de
autoestima, entre outros. A vulnerabilidade contribui para a desigualdade e pode
conduzir à exclusão social.
O Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa trabalha com populações vulneráveis,
sobretudo com grupos de bairros sociais (que se caracterizam por ter um grande
número de população africana/ luso-‐africana ou afrodescendentes, na sua grande
maioria, população jovem5) e grupos de idosos. O nosso trabalho irá apenas incidir
sobre o primeiro grupo, ou seja, os jovens.
Uma vez que o nosso trabalho se centra em jovens podemos terminar dizendo que
vários autores são unânimes em afirmar que os jovens de hoje vivem uma situação
histórica única, marcada por vulnerabilidades crescentes, cuja maior vulnerabilidade
está ligada às alterações vividas no mercado de trabalho e que é vivida de forma
especialmente sensível nesta população, até porque se repercute em todas, ou quase
todas, as áreas da vida (Barbosa, 2011).
“(...)os dados mais recentes do INE, apontam para 27,4% de jovens (até aos 25 anos)
5 Embora a definição de juventude definida pelas Assembleia Geral da ONU em 1985 no Ano
Internacional da Juventude, aponte para o grupo etário entre os 15 e os 24 anos, alguns dos grupos de teatro do GTO Lx, têm jovens/adultos até aos 29 anos, embora a faixa etária até aos 24 seja a maioria. De qualquer forma, recorrendo a José Pais: “A juventude, quando aparece referida a uma fase de vida, é uma categoria socialmente construída, formulada no contexto de particulares circunstâncias económicas, sociais ou políticas; uma categoria sujeita, pois, a modificar-‐se ao longo do tempo.” (Pais, 1990:146) ou a Bourdieu: “Sendo a juventude uma construção social, não faz sentido falar de juventude, mas sim de juventudes, reforçando que o facto de se falar dos jovens como de uma unidade social, de um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e de se referir esses interesses a uma idade definida biologicamente, constitui já uma evidente manipulação (Bourdieu 1984: 153).
19 desempregados, para mais, tendo em conta que o desemprego juvenil é ―um dos
mais rebeldes ao recenseamento estatístico” (Pais, 1990:42 cit in Barbosa, 2011:26).
Parece-‐nos que, ainda que nem todos sejam afectados de igual maneira pela crise e
desemprego, existe uma sensação de instabilidade e incerteza que é comum, bem
como uma cada vez maior dependência dos jovens em relação aos progenitores e face
à inexistência de um projeto consistente, os jovens tendem a relativizar tudo, vivendo
centrados no presente (Pais, 2003 e 2006 cit in Barbosa, 2011).
1.2. Intervenção Social
As ciências sociais e a intervenção social surgiram, na sua forma moderna, como forma
de compreender e agir em toda a complexidade e mudança dos três últimos séculos.
As novas e complexas sociedades com novos problemas e necessidades sociais como
que impuseram o aparecimento de novas áreas profissionais para dar resposta a
questões específicas. Expressões como intervenção institucional, animação
sociocultural, trabalho social, serviço social ou intervenção social são alguns exemplos
dos desenvolvimentos da intervenção nos problemas e necessidades sociais.
“Assim, enquanto expressões como intervenção institucional e animação sociocultural fazem referência a abordagens relativamente diferenciadas e herdeiras de tradições académicas bem identificadas, os conceitos de serviço social, trabalho social e intervenção social não têm sido entendidos de igual forma pelos diferentes autores, umas vezes sendo tomados como sinónimos adoptados por diferentes tradições académicas, outras vezes com significados claramente diferenciados” (Carmo, 2002:8).
Podemos no entanto, de uma forma geral, considerar que os termos Serviço Social e
Trabalho Social são conceitos mais fechados, que de alguma forma associam as suas
práticas a grupos de profissionais de formação base comum. Foi neste sentido que
20 encarado como mais abrangente, no sentido em que permite integrar mais áreas e
profissionais que intervêm com o fim comum do bem estar social e comunitário. O
conceito de intervenção social implica:
“(…) a intradisciplinaridade, que designa o processo que visa a integração de várias especialidades no interior duma mesma disciplina; pluridisciplinaridade, que visa um debate e uma informação recíproca entre diferentes disciplinas; interdisciplinaridade, que almeja construir uma abordagem teórica global, entre duas ou mais disciplinas através do seu convívio ocasional, de modo a propiciar pesquisas integradas; e transdisciplinaridade, que pretende a estabilização das experiências interdisciplinares em procedimentos estáveis e frequentes” (Almeida, 1994:31 cit in Carmo, 2000:9).
Partimos da definição de Intervenção Social dada por Carmo como o:
“(…) processo social em que uma dada pessoa, grupo, organização, comunidade ou rede social – sistema-‐interventor – se assume como recurso social de outra pessoa, grupo, organização, comunidade ou rede social – sistema-‐cliente – com ele interagindo através de um sistema de comunicações diversificadas, com o objectivo de o ajudar a suprir um conjunto de necessidades sociais, potenciando estímulos e combatendo obstáculos à mudança pretendida” (Carmo, 2000:61).
“As intervenções sociais são ações geradas através das relações com o meio social, e os
agentes que as realizam através: do Estado com as suas políticas sociais, das ações de instituições, ou da participação de grupos individuais. Com a finalidade de promover o fortalecimento da sociedade organizada e seus diferentes segmentos por meio dos processos da intervenção” (Teixeira, 2007:21).
Se numa fase inicial a “ajuda” ao outro se caracterizava por ser meramente
assistencialista, a evolução da sociedade e da intervenção social abriram caminho de
mãos dadas com a autonomia, emancipação, cidadania plena e direitos individuais e
sociais. Passou-‐se da ideia do trabalhar para o outro, alvo da intervenção, para uma
visão do trabalho em conjunto com os destinatários da intervenção. Passou a existir a
preocupação com a criação de condições sociais para o exercício dos direitos cívicos de
21 então, a necessária dimensão assistencial, que se traduz no fornecimento de recursos
mínimos à subsistência, uma dimensão socioeducativa, que pretende iniciar com o
indivíduo, um processo de ressocialização, aprendendo a identificar e utilizar recursos
dele próprio e do meio, para que se desenvolva como pessoa, bem como uma
dimensão sociopolítica, que visa a tomada de consciência de direitos cívicos,
económicos, sociais, culturais e de solidariedade e luta pelos mesmos (Carmo, 2002).
É no contexto das duas últimas dimensões que começaram a surgir projetos de
intervenção social pela arte ou inclusão social pela arte6, nomeadamente na área das
artes performativas e teatro. A intervenção social tem sido desafiada a trabalhar de
forma interdisciplinar e a construir formas alternativas de intervenção que possam dar
conta da complexidade dos fenômenos sociais. O teatro surge como uma dessas
hipóteses, nomeadamente o Teatro do Oprimido de Boal.
Tal como na definição de Intervenção Social que citámos anteriormente (Carmo,
2000), também no Teatro do Oprimido, nomeadamente no Grupo de Teatro do
Oprimido de Lisboa, se encontra um sistema interventor e um sistema cliente, no
sentido em que o primeiro é um grupo que intervém e se assume como recurso social
de outros grupos e comunidades, nomeadamente de indivíduos socialmente
vulneráveis, e que com eles pretende potenciar estímulos e promover o
empowerment e a mudança social, objetivos fulcrais da intervenção social. O Teatro
do Oprimido pode então ser uma resposta importante a nível de intervenção social no
âmbito das políticas sociais contemporâneas, com vista à mudança e bem-‐estar social.
6 Para um conhecimento de diversos projetos recentes sugerimos o livro “Arte e Comunidade”, Cruz,
22 1.3. Do conceito de poder ao conceito de empowerment
1.3.1. Partindo da ideia de Poder
O conceito base da ideia de “Empowerment” é o de “power”. Do mesmo modo, na
tradução portuguesa, também “empoderamento” tem por base o “poder”.
Existe um manancial imenso de literatura e análises de diversos autores sobre o poder
no âmbito das ciências sociais, sendo esta das áreas mais estudadas, o que expressa a
sua existência como característica da sociedade, do ser humano e suas relações.
“Norbert Elias (1980) fala-‐nos do poder como característica estrutural de todas as
relações humanas” (Elias, 1980 cit in Pinto, 2011:19).
Embora seja comummente aceite que o poder é uma característica das relações
humanas, é discutido enquanto conceito, e nada consensual na sua definição.
Iório, distingue o poder enquanto controle de algo ou alguém e o poder relacional. O
poder relacional está ligado às seguintes formas: “poder sobre” como os recursos,
ideias, crenças, atitudes e valores; “poder para” realizar algo, que cria possibilidades e
ações; o “poder com”, que enfatiza a ideia de que o todo é maior que as partes; e o
“poder de dentro” que é o poder que reside em cada um de nós, a força espiritual
(Iório, 2002).
Outros autores (Pinto, 2011) fazem a distinção entre o poder como capacidade (no
sentido em que pode ser exercido sobre outros indivíduos, sobre coisas ou ideias) e
também o poder enquanto capacidade de ação. Estas duas visões têm sido definidas
respetivamente como “poder sobre” e “poder de”.
Segundo Chazel, o poder pode ser visto enquanto atributo ou como relação. Na
primeira perspetiva, o poder é entendido fundamentalmente como algo que um
sujeito tem ou possui, enquanto que na segunda perspetiva se salienta a natureza
23 Segundo Pinto (2011), o poder enquanto atributo ou coisa dá-‐nos uma ideia de que
existe num lado os que têm poder e noutro os que não têm (mais uma vez o poder
sobre) o que segundo a autora é uma visão um pouco redutora. Por outro lado
defende que o poder enquanto relação, pressupõe interação social, onde todos têm
algum tipo de poder (poder de).7
1.3.2. O conceito de Empowerment
O conceito de empowerment, tal como o conceito de poder, não é consensual,
podendo ser visto de diversas formas. Por ter sido utilizado em diversas áreas, tem
causado alguma falta de consenso e inexistência de uma definição simples e direta,
sendo que na própria intervenção social, este conceito é também visto de diversas
formas.
Podemos contudo afirmar que o conceito de empowerment como é utilizado
atualmente, começa a ser utilizado nos anos 70 do século XX, com os movimentos
sociais e o trabalho social norte-‐americano e posteriormente é utilizado nas ONG’s e
Associações ligadas à Intervenção Social (Romano e Antunes, 2002).
Segundo Bárbara Simon, o conceito surge aliado ao Serviço Social, no sentido em que
pretende uma perspectiva emancipatória e anti-‐paternalista de trabalho com os
utentes/clientes ou populações alvo, indo contra as visões mais tradicionalistas que no
fundo caracterizam uma perspectiva assistencialista e do técnico estando como que
numa posição “superior”, “paternalista” ou ainda originando dependências (Simon,
1994).
Segundo Pinto (1998, 2011), existiram várias contribuições históricas para o
movimento do empowerment, como os desenvolvimentos teóricos e metodológicos
7
24 das ciências sociais e humanas, os desenvolvimentos sociopolíticos, movimentos e
tendências socioculturais, económicas e políticas (nomeadamente a expansão da
concepção de cidadania, o movimentos de emancipação de grupos oprimidos, Paulo
Freire e a “Pedagogia do Oprimido”, a definição do estado social a partir da dinâmica
de crise e reconstrução do estado providência a partir dos anos 70, o Movimento de
reconceptualização do Serviço Social/perspetiva anti-‐paternalista, a Democracia
participativa ou os Movimentos de autoajuda).
O conceito parte então da ideia de que os grupos marginalizados e discriminados na
sociedade sofrem de uma falta de poder que os impede de lutar pelos seus direitos e
usufruir de benefícios económicos, sociais, e simultaneamente de participar nas
decisões políticas que estão ligadas às suas vidas. Como já referido, não existe uma
total ausência de poder. Poderíamos então dizer que o conceito de empowerment
parte da ideia que existem grupos que sofrem não de uma ausência, mas de pouco
poder. Para alterar esta situação é necessário que esses grupos aumentem as suas
competências pessoais e sociais e o seu “poder”.
Na intervenção social o empowerment não pretende ser um “ganho de poder sobre”
mas um processo, um processo de acréscimo de poder, acréscimo de controlo, um
processo participativo (de transformação) e que visa o acesso a recursos valorizados e
um processo que visa a cidadania. Empowerment é portanto transformação,
manifestação de poder social aos níveis individual, organizacional e comunitário (Pinto,
2011:48-‐51).
Essencialmente, o conceito surge como uma forma de expressar e legitimar numa só
palavra a intervenção social que tem como base ajudar o indivíduo a sair da pobreza
ou de situações de exclusão ou vulnerabilidade, ajudando-‐o a desenvolver as suas
capacidades, que é fundamentalmente a função de muitas associações, ONG’s e do
25 O conceito surge com a ideia de contrariar as práticas consideradas mais
assistencialistas mas uma das críticas de que é alvo é de que acaba por ser uma buzz
word, uma vez que muitos organismos utilizam o conceito mas não mudaram a
prestação de serviços como fim em si mesmo, e no fundo mantêm práticas
assistencialistas.
“O conceito não só virou moda, mas também, o que é mais danoso, foi apropriado
como uma forma de legitimação de práticas muito diversas, e não necessariamente
empoderadoras como as propostas nos termos originais” (Romano, 2002:10).
O Empowerment pode ser definido como:
“Um processo de reconhecimento, criação e utilização de recursos e de instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos e no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder – psicológico, sociocultural, político e económico – que permite a estes sujeitos aumentar a eficácia do exercício da sua cidadania” (Pinto, 1998:247).
“O empoderamento não é algo que pode ser feito a alguém por uma outra pessoa. Os agentes de mudança externos podem ser necessários como catalisadores iniciais, mas o impulso do processo se explica pela extensão e a rapidez com que as pessoas e suas organizações se mudam a si mesmas” (Romano, 2002:12).
No fundo, de forma a que o ser humano não seja apenas alvo dos esforços da
comunidade e dos outros, mas possibilitado a trabalhar as suas próprias mudanças.
Segundo Pinto (1998), o processo de empowerment pretende desenvolver os
seguintes tipos de poder:
• Influenciar o pensamento dos outros – poder sobre
• Ter acesso a recursos e bens – poder para
26 • Resistir ao poder dos outros se necessário – poder de
Friedmann afirma que empoderamento “é todo acréscimo de poder que, induzido ou
conquistado, permite aos indivíduos ou unidades familiares aumentarem a eficácia do
seu exercício de cidadania” (Friedmann, 1996:8). Este autor refere três tipos de
empoderamento, importantes para as unidades domésticas: o social, o político e o
psicológico. O social refere-‐se a questões como o acesso a informação, conhecimento,
técnicas e recursos financeiros. O político diz respeito ao poder da voz e da ação
coletiva e a uma maior participação no âmbito político como por exemplo a ocupação
de cargos de representação e direção. O psicológico ou pessoal tem a ver com o
despertar da consciência em relação à sua autonomia e desenvolvimento pessoal
(Friedmann, 1996).
Todo este processo e transformação pode e deve ser uma tarefa da intervenção social
e do serviço social, que implicou mesmo alguma mudança na forma como o serviço
social é visto e colocado em prática nas últimas décadas. O fortalecimento do oprimido
é então uma proposta do empowerment e da intervenção e serviço social, mas
também de metodologias ligadas à pedagogia do Oprimido de Paulo Freire8 ou do
nosso objeto de estudo, o Teatro do Oprimido de Augusto Boal.
Finalizando esta análise e enquadramento do poder e empowerment, posso referir
ainda, que na minha prática profissional enquanto interventora social com populações
socialmente vulneráveis, sou constantemente confrontada com pessoas que devido à
sua situação de oprimidas/desempoderadas são levadas a acreditar de que não serão
capazes de reverter a sua situação em quaisquer áreas da sua vida, sendo que a
descrença numas áreas leva a mais descrença em outras áreas. É muito difícil fazê-‐las
acreditar de que são capazes de mudar e que elas mesmas são um recurso no seu
próprio processo de empowerment. Esta consciencialização e participação é difícil de
8
27 conseguir, pelos mais variados motivos, e só se consegue com pequenos passos e
experiências positivas de pequenas mudanças. Foi neste sentido que considerei a ideia
do Teatro do Oprimido como um aliado ao trabalho de empowerment de populações
socialmente vulneráveis e consequente empowerment e desenvolvimento
comunitário.
“Um só indivíduo não consegue mudar, por si só, situações e estruturas discriminatórias e opressivas, mas quantos mais indivíduos se unirem e agirem concertadamente, estando organizados, maiores serão as possibilidades de poderem em conjunto produzir algum efeito de mudança consistente” (Pinto, 2011:65).
O indivíduo é parte integrante e de extrema importância no seu processo, mas o
indivíduo é social, vive em sociedade. O contributo do interventor social, das
organizações e parcerias entre as mesmas, grupos e comunidade funcionam como
catalisadores de mudança.
O empowerment pretende, portanto, não só a mudança pessoal do indivíduo mas a
inserção do indivíduo a nível social, comunitário e político.
28 2. O Teatro do Oprimido como ferramenta de promoção do empowerment9
2.1.Augusto Boal10 e a génese do Teatro (e da Poética11) do Oprimido.
Apesar de sempre ter tido uma grande consciência social é com o Teatro Arena de São
Paulo, que Boal e o grupo se começam a direcionar para uma ideia de “instrumento de
luta para a transformação social”, ligando-‐se a outras entidades e Movimentos,
nomeadamente o Movimento de Cultura Popular, coordenado por Paulo Freire
(Teixeira, 2007: 78-‐79 cit in Barbosa, 2011:34).
O grupo de teatro começa a intervir a nível social, viajando pelas zonas mais pobres do
Brasil, fazendo um trabalho de consciencialização das populações e incitando à luta
contra as opressões. Numa dessas peças Boal é confrontado com uma situação que o
faz repensar a metodologia teatral e de interação e intervenção com o público. O autor
refere que escreviam e dramatizavam obras violentas, incitando à revolta, sendo que
no final de um desses espetáculos, foram confrontados por um agricultor, que lhes
pediu ajuda. Convidou os atores, no sentido de os ajudarem a expulsar uns capangas
de um Coronel, que se tinham apropriado das terras de um companheiro. Boal e os
restantes atores terão, em vão, tentado explicar que as armas que tinham eram falsas,
que eram artistas, que acreditavam nas palavras que transmitiam, mas que não sabiam
tão pouco usar armas. “Foi o camponês quem concluiu: ―Então aquele sangue que
9 De salientar que no final da primeira parte deste trabalho tínhamos elaborado 2 pontos, um sobre a
história/experiências de Teatro do Oprimido no mundo e outro em Portugal. Retiramos por questões de numero de caracteres. Estes pontos constam agora respectivamente nos apêndices 2 e 3.
10 Para melhor compreender a biografia e vida de Boal, ver tabela por nós elaborada no apêndice 4 do
presente trabalho.
11 No início deste trabalho tínhamos elaborado uma breve abordagem à história do teatro, bem como
um ponto baseado no livro de Boal “O teatro do oprimido e outras poéticas políticas” que abordava as convergências e divergências das mesmas com o Teatro do Oprimido e a chegada à Poética do Oprimido. Ver apêndices 5 e 6.