6. Teatro do Oprimido e Empowerment: Apresentação dos resultados 59
6.2. Perceções dos dinamizadores/curingas/ativistas sociais do GTO Lx 72
Esta análise está ligada ao nosso objetivo específico, que pretendia analisar o modo como o Teatro do Oprimido é percecionado pelos dinamizadores/curingas/ativistas sociais do GTO Lx, bem como aos objetivos específicos que visavam identificar competências pessoais e sociais facilitadas pelo Teatro do Oprimido nos atores e “espect-‐atores”, identificar que tipos de empowerment o Teatro do Oprimido gera e identificar mudanças promovidas pelo Teatro do Oprimido nas comunidades onde é desenvolvido.
6.2.1. Dimensão de Análise Individual e Grupal: Empowerment e competências pessoais e sociais nos atores e grupos de jovens na perspetiva das dinamizadoras/curingas/ativistas sociais.
73
Tivemos a oportunidade de entrevistar e ter vários contactos informais com as dirigentes e colaboradoras do GTO Lx, ambas ativistas sociais, e dinamizadoras/curingas dos 4 grupos de jovens. Embora ambas as entrevistadas refiram que não é fácil medir o empowerment, até porque a questão da formação da personalidade, o desenvolvimento intelectual, social ou pessoal de alguém pode estar ligado a diversos fatores, referem algumas questões importantes.
“(…) mas eu sinto, (...) e olhando para o discurso e olhando para as possibilidades e para as tomadas de decisões que eles fizeram, que muito tem a ver com a discussão, a reflexão, o caminho e as oportunidades que nós fizemos enquanto grupo teatral com eles” (Entrev. A).
Referem que existiram diversos jovens que no âmbito do processo teatral que para conseguirem adquirir determinadas competências decidiram voltar a estudar ou que decidiram não ir para a faculdade por considerarem que lhes iriam formatar o pensamento de uma determinada maneira e decidiram fazer percursos alternativos. Referem que muitos jovens foram para a faculdade e/ou terminaram os cursos ou fizeram outros percursos que ao início, não se imaginaria que iriam fazer.
É referido que se ao início o processo funciona para os participantes, mais como entretenimento, em bairros com poucas atividades, depois, começam a abrir a mente.
“(...) o prémio ou o ganho que eu tenho é viajar, é poder sair daqui, é poder ir apresentar noutro sítio. E quando tu percebes que vais apresentar noutro sítio começas a abrir a tua mente e que afinal o mundo vai para além do circuito onde estás” (Entrev. B).
É dado um exemplo de uma rapariga que ao ir representar o grupo num evento fora a do país, teve de levar outra pessoa para traduzir o inglês, sendo que, após essa situação tomou a decisão de ir fazer um curso. Ou seja, é experiência prática, é sentir necessidade de aprender.
74 “São estas coisas que acabam por mexer com a cabeça deles (...) eu não tenho que levar com o inglês porque a escola diz que eu tenho que levar com o inglês (…) não, eu percebo que agora é importante” (Entrev A).
Referem que através do diálogo e experiências no grupo os jovens vão tendo uma maior perceção das suas capacidades e vocações e refere ainda outros indicadores de empowerment, ou competências pessoais e sociais, ligadas à capacidade de tomada de decisão, reflexão e perspectiva crítica.
“Essa coisa de tomar conta da sua própria vida, (...) quererem fazer parte de algo superior, perceberem que têm um papel na sociedade e que querem poder cumprir esse papel na sociedade. Antigamente provavelmente nunca pensariam nisso” (Entrev. A).
Com referência ao grupo DRK é mencionado que a chegada do mesmo à ação concreta que é o teatro legislativo com o espetáculo “Sonhos de papel” e a recolha de assinaturas, mostra a evolução, de não quererem fazer teatro só para fazer teatro, mas do quererem fazer teatro para mudar alguma coisa, mesmo que ela seja pequenina. Ou seja, é um indicador de empowerment ligado ao crescimento e mudança de mentalidade, bem como à capacidade de escolher o seu destino, pensar por si próprio e não repetir histórias de familiares ou de amigos (como referido por alguns jovens no ponto anterior). Comparam-‐se com amigos e começam a sentir-‐se diferentes.
O facto destes jovens estarem num espaço onde discutem questões que afectam diretamente as suas vida e a dos outros, faz com que comecem a questionar-‐se a si próprios, ao outro e à sociedade de uma forma que não fariam antes.
“De repente tu percebes que politicamente, de uma forma estrutural, tens outra vida. Eles próprios dizem: ‘ainda no outro dia falei com o outro que já não sai do bairro há não sei quanto tempo (…) como é que é possível?’ (...) perceberem a diferença entre eles e os outros, não só porque viajam, mas
75 também porque o viajar ajuda-‐te a conseguir abstrair do teu problema e a observar o teu problema pelos olhos dos outros. Às vezes é muito importante tu distanciares-‐te da tua vida para a poderes olhar de outra forma“ (Entrev. B).
Por outro lado percebem que coisas que eles criticavam, como o facto de uma mulher não reagir ou não ir embora quando é vítima de violência doméstica, são coisas que implicam muito para além disso. Percebem os porquês das coisas, o tipo de sociedade que temos, a desigualdade de género, etc. São incentivados a pensar nas coisas, a discuti-‐las, a pesquisar e dialogar através do teatro. Começam talvez a ter uma outra forma de interpretar a realidade e “ler nas entrelinhas”. Isto conduz a um crescimento, a uma mudança de mentalidade e a uma percepção de que têm peso enquanto cidadãos.
É uma maior consciencialização e maior capacidade de olhar, de fazer e de sentir. (...) Não é só viver mas é realmente transformar. Boal dizia: ‘cidadão é aquele que transforma e não aquele que apenas está!’”(Entrev. B)
Por outro lado a questão de serem eles a decidir os temas que querem trabalhar, os temas com que se identificam, e os problemas da própria comunidade, leva a outra motivação e dedicação e a um sentimento de perceção do porque é que se está ali, o que contribui para uma cidadania plena e ativa e uma capacidade de expressão e diálogo que nem sempre estes jovens e os jovens no geral têm.
“Num episódio fomos a Viana do Castelo (…) quando chegaram lá tinham 900 e tal alunos, e desses alunos havia um negro, e elas são 3 negras em palco (…) depois aparecem no jornal, depois quando elas falam à professora a professora acha fantástico o que elas estão a fazer” (Entrev.
76
Se inicialmente podem não se sentir valorizadas pelos mais diferentes motivos, o reforço positivo contribui para a mudança. É referido que ao início tinham até vergonha de representar na própria escola e quando as pessoas valorizam elas passam a valorizar-‐se também. O ter acesso a outras experiências, o facto de terem um papel ativo em todo o processo e a valorização pelo trabalho que desenvolvem pode conduzir a um aumento da autoestima, autoconfiança, menor timidez, maior sentimento de pertença e maior motivação para a continuação do trabalho.
“É muito interessante por exemplo a atriz X dizer-‐me que já percebe porque é que faz teatro Fórum, porque me disse: ‘Professora Y fartou-‐se de me fazer pressão na entrevista para ir para o 12º, mas eu já estou habituada porque estou no Teatro Fórum. Ela pressionou-‐me mas eu consegui.’”
(Entrev. B).
É aqui referido que os atores ganham competências que desenvolvem através dos ensaios, das práticas, das apresentações, como o saber falar em público, o conseguir aguentar a pressão e como referido por alguns jovens no ponto anterior, uma maior capacidade de argumentar.
É ainda referido que não são só os jovens que modificam, que o próprio curinga vai-‐se modificando e olhando para os problemas de uma outra forma.
6.2.2. Dimensão de Análise Comunitária: Mudanças na comunidade.
O GTO Lx tem como objetivo não se fixar em nenhum sítio especificamente, mas complementar o trabalho do que já existe. Segundo as entrevistadas, é uma estratégia de empowerment comunitário que funciona em complementaridade com outras organizações.
77 (…) Os grupos quando se formam têm este pensar mais político, ou seja, nós não estamos a pensar na solução da fome naquele momento imediato, estamos a pensar um pouco mais a longo prazo. Como é que um grupo se pode organizar para ultrapassar os problemas que eles sentem enquanto oprimido.” (Entrev. B).
Ou seja, existe um partir dos problemas do grupo, mas que se liga aos problemas da comunidade onde está inserido. A ideia depois é trabalhar esses problemas específicos ou opressões na comunidade e para a comunidade, mas também, apresentar os seus problemas fora da mesma. A ideia é que o curinga consiga, mesmo que o grupo (espect-‐atores) que tem no momento possa não perceber do assunto, estimular o debate e diálogo, promovendo a informação para que o público quando sai de lá leve algo. Obviamente refere que há sessões em que o público participa mais, ou tem mais a partilhar o que se torna mais rico do que outras vezes. Consideram que há pessoas que ficam muito marcadas.
“(…) Acho que (...) as pessoas não saem como entraram, podem até depois esquecer o tema, ou então vão relembrar aquele tema daqui a x tempo se acontecer alguma coisa, mas aquele assunto não é um "não assunto"
(Entrev. B).
É um estímulo à reflexão e questionamento, bem como uma questão de tentativa de consciencialização e conscientização.
Ambas as dirigentes, quando questionadas diretamente sobre se observam mudanças nas comunidades onde os grupos de Teatro do Oprimido são implementados, referem que não existem mudanças grandes ou revolucionárias, mas que se veem mudanças nas pessoas e no que elas afectam em termos de comunidade.
“Consegues fazer coisas na comunidade (…) e vais fazendo cada vez mais coisas dentro da comunidade, e aí é fácil perceber se tu estás a ter um
78 impacto ou não. Ou seja, imagina, envolves-‐te nas festas anuais, no próximo ano voltam-‐te a convidar. Vais a uma escola, depois começas a perceber que a outra escola também te convida, e a outra escola (...) ou és convidada para as reuniões do consórcio social, e vais continuando a ser convidada” (Entrev. A).
Isto acontece com o grupos e com os membros dos mesmos, que muitas vezes já assumem o papel de quase “líderes comunitários”, uma vez que estão muito envolvidos com a comunidade, cultura, organização de eventos e afins fazendo uma ponte com os organismos e a sua comunidade.
É referido que, como se estão a formar pessoas e o pensamento das pessoas a medição de resultados é mais difícil e é um processo mais longo que pode só dar frutos passados 5 ou 6 anos. Diferente de quando por exemplo se distribui alimentação (o que pode ser medido no imediato).
Para finalizar destaca-‐se ainda o trabalho das cerca de 1000 assinaturas recolhidas através do grupo DRK. Consideram significativo conseguir envolver cerca de 100 pessoas em sessões de “Teatro Legislativo” onde se juntaram propostas para a mudança da Lei da Nacionalidade, o que deu origem a uma petição assinada por cerca de 1000 pessoas. De facto, conseguir a organização de um pequeno grupo, bem como a participação de 100 pessoas e conseguir posteriormente 1000 assinaturas é significativo.
“(...) perceber que mesmo enquanto grupo pequeno, vindo de um bairro que supostamente é muito mal falado, há um grupo de pessoas que se uniram para mudar um problema que não é deles, é um problema nacional não é? E mais tarde percebem que é um problema europeu, então é muito interessante também observar este percurso” (Entrev. B).
79
No fundo é esta potencial capacidade de consciencializar, informar e conscientizar, unindo pessoas na procura de resolução para problemas comuns, dialogando e pensando em conjunto que o Teatro do Oprimido nos mostra ter.