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Avaliação do programa de geração de emprego e renda para as mulheres cariocas

3.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

3.3.2 Dimensões de Análise

3.3.2.3 Dimensão de Empoderamento

Por empoderamento se entende a capacidade de se apoderar dos possíveis espaços de poder por estas mulheres, sejam eles privados ou públicos, de adquirirem autonomia, controle de suas vidas, possibilidades de realizar novas escolhas, de participar dos possíveis espaços, desenvolver planos ou projetos de vida pessoal ou coletivamente.

Auto-estima

No que diz respeito ao sentimento de valorização pessoal depois do projeto 50% demonstrou que se sente valorizada. Segundo Margarida, Girassol e Acácia:

“Às vezes eu passo: ‘alá, dona Margarida do Salgado!’Então, eu acho que, isso pra mim é um orgulho. Apesar de você viver... é uma mulher sozinha. As pessoas sabem, que ela não tem uma pessoa dentro de casa. Mas, eu sou respeitada.”- Margarida.

“Em tudo (se refere a mudança que teve em sua vida). Até na maneira deu me vesti... Ah, as pessoas me vê mais como gente, né.” – Girassol.

“Eu acho que eu melhorei um pouquinho... Ah mudança assim, parece que eu fiquei melhor. Cresci, mesmo não estando trabalhando, mas eu acho que eu cresci mais um pouquinho, entendeu? Eu senti isso comigo.” – Acácia.

Participar do projeto possibilitou um tipo diferente de reconhecimento, tanto por parte dos outros que as viam como as “mulheres do salgado”, como um olhar diferenciado de si própria: de que uma mudança, seja na forma de se vestir ou de falar com os outros, seria bom para elas mesmas. Contudo, houve as que dissessem que não se sentiam valorizadas: foram 30% e 20% não responderam a questão. Estas colocaram que seria importante que elas estivessem trabalhando. Para Orquídea e Dália, algumas mudanças teriam sido importantes para que elas sentissem uma mudança e melhora da auto-estima como:

“Eu cismei, a pessoa quando chega uma certa idade, ela quer ter a independência dela. É coisa que eu não tenho. Então se tivesse a minha renda, pra mim isso seria o mesmo, mas não é” – Orquídea.

Aqui se pode retornar aos objetivos do projeto que visava exatamente essa capacitação para o mercado de trabalho (com o que chamam de resgate e inclusão das mulheres) – que, entretanto, ficou muito aquém do desejável.

Autonomia

Das 10 beneficiárias, 60% demonstraram que houve um fortalecimento individual após o projeto, entretanto 20% não sentem assim. Segundo a Dália:

“Porque as mulheres, a gente mulher ali mesmo... era muito presa. Agente se prende muito nas coisas dentro de casa. É marido, se preocupa com marido que o marido vai brigar... porque agente se distraiu um bocado. Se desligou um pouco. O que os maridos falavam quando agente saía, agente não ligava mais, eu não tava ligando mais. Deixava ele falando sozinho”.

A partir desta fala, atenta-se para certo despertar a partir de suas “saídas” de casa para o curso: os discursos usados pelos maridos, ou mesmo a força física, já não eram suficientes para detê-las em casa. Os termos “se desligou um pouco” ou “deixava ele falando sozinho” demonstram uma atitude pessoal que rompe com toda uma cultura de submissão que as mulheres vivem em relação aos seus maridos. Uma atitude de busca pela sua autonomia, de começar a entender o que é melhor para ela. Uma atitude bem positiva e que aponta para possíveis redefinições em seu cotidiano de gênero – ainda que pouco trabalhadas durante as aulas.

Quanto à percepção de fortalecimento, 60% colocaram que ter estado em grupo, e ter conhecido outras pessoas as tornaram diferentes, fortalecidas.

Sociabilidade

O estabelecimento de uma relação de troca e amizade durante o período do projeto foi fato marcante, uma vez que 100% afirmaram que o projeto foi bom porque se puderam conhecer novas pessoas, fazer novas amizades, se tornar mais comunicativas. Destas, 40% demonstraram interesse em ter formado uma cooperativa para poderem fazer e vender os

doces e salgados. Retomando Michele Perrot (1994) percebe-se que essas saídas (ainda que em profissões e ambientes “femininos”) trazem modificações nas relações de gênero.

A capacidade de organização e mobilização não deu para ser percebida. Para Lírio e Cravo o que mais marcou foi:

“A amizade do pessoal... a compreensão também” – Lírio.

“É mudamos que a gente passou a conhecer mais as pessoas. A gente mora aqui, mas a gente não conhecia um bocado de gente. Quem a gente não conhecia a gente conheceu. A gente conversamos, já encarnamos um no outro, às vezes já olhava um pro outro de lado.” Cravo.

É importante verificar como grande parte das mulheres colocou que o ter vivido em grupo e conhecer outras mulheres, que eram de sua própria comunidade e muitas vezes até vizinhas, foi importante. Foi fundamental também na medida em que além da capacitação técnica oferecida, houve a possibilidade – talvez não prevista – de transformações em suas subjetividades.

Capacidade de construção de projetos

Em relação à capacidade de construção de projetos, 70% demonstraram que não tinham vontade ou capacidade de construir alguma coisa sozinha, tendo apenas duas demonstrado o interesse de construir em grupo ou de fazer algo para si. Estas são as beneficiárias que conseguiram se inserir no mercado de trabalho formal. Conforme Margarida:

“Pretendo o começo de uma lanchonete, se Deus quiser vou conseguir. Eu também quero ter um salão de festa e realizar os meus sonhos.” – Margarida.

Quanto à construção de projetos coletivos, 60% demonstraram que poderia ter sido melhor, que estariam trabalhando se elas tivessem montado uma cooperativa.

“Todo mundo (referindo-se as alunas do curso) se tivesse se reunido e montado uma cooperativa seria importante, mas como ninguém queria. Que eles pudessem ajudar mais pessoas. Que tivessem (os executores do projeto) a iniciativa. Se o grupo todo se reune e quer fazer uma coisa não é nada difícil, se todo mundo se ajuda se torna tudo mais fácil” – Rosa.

Contudo, a iniciativa não partiria delas, mas de quem estivesse à frente do trabalho. Mesmo individualmente, observando suas falas, o interesse de um trabalho coletivo entre elas não foi explicitado como possibilidade, não havendo uma iniciativa por parte de nem uma destas mulheres. Logo, o projeto de ter algo coletivo ficou no pensamento delas, a espera da ação de um agente externo – não despertou-se, assim, sua própria autonomia, o fato de serem cidadãs e, portanto, sujeitos de seus destinos.

Participação em espaços públicos

O projeto não conseguiu ou não estimulou a participação destas mulheres em outros espaços públicos como associações de moradores, encontro de mulheres, etc. Foi unânime a sua não participação em espaços públicos como associação de moradores, fóruns, conselhos, etc. 100% responderam que não participam e que nunca participaram em algum momento de sua vida – mesmo que todas tenham apontado tão positivamente o fato de terem se encontrado durante o curso.