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4.3 Etiquetagem

4.3.1 Dimensão 1: Nível de interação

Em ambientes mono-usuário, uma ruptura acontece quando o usuário interage com a aplicação e suas consequências impactam sua própria interação ou a realização de sua tarefa. Em Sistemas Colaborativos, essa mesma situação pode ocorrer no nível indivi- dual, sendo as expressões originais suficientes para caracterizar essas rupturas (como vimos na primeira dimensão de caracterização). Entretanto, nesse tipo de sistema, rupturas que acontecem no nível individual podem ser repercutidas para os demais

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membros do grupo de forma direta ou indireta. Quando as rupturas ocorrem no nível individual direto, as consequências dessa ruptura podem ser percebidas pelos outros membros usuários da aplicação (o que vale para os contextos síncronos e assíncro- nos). Já no nível individual indireto, as consequências da ruptura individual nas ações do usuário podem impactar suas atividades de colaboração gerando rupturas para os outros membros (que acontece normalmente nos contextos síncronos).

Para exemplificar, imaginemos uma situação em que um dos participantes esteja atuando sobre o espaço compartilhado entre o grupo e resolva apagar um objeto que havia inserido por engano através de um recurso indesejado. Ele escolhe então a ferra- menta que imagina ser a correta para a operação, mas quando a utiliza não percebe (e os demais membros também não) que, além de apagar o objeto desejado, ela também exclui do ambiente todos os objetos criados através do mesmo recurso (inclusive os criados pelos outros membros). O que seria então um “Para mim está bom” no nível individual, acabará resultando diretamente em novas rupturas para o grupo. Em uma situação diferente, consideremos que um determinado grupo tenha dividido seu traba- lho conjunto em etapas a serem cumpridas individualmente por cada membro. E que durante a realização das atividades, um dos membros esteja passando por dificuldades por, sem saber, estar executando atividades que não são apropriadas para o contexto em que o grupo se encontra. O problema vivenciado por esse membro (sintomas que caracterizam um “Onde estou?”), fatalmente irá influenciar na realização da atividade do grupo como um todo, já que o atraso da sua tarefa pode atrasar o restante das atividades do grupo. Ainda que tenha sido gerada diretamente por somente um dos membros, ela será sentida pelos demais de maneira indireta. É interessante observar que, na situação descrita, o atraso poderá impactar a atividade dos membros inclusive em sistemas assíncronos (mas só se a ruptura for muito longa). Nesse caso, a falha sofrida pelo participante possivelmente seria parcial ou completa; já que ela seria tem- porária somente se o tempo para resolvê-la for maior que o tempo previsto entre o término das atividades individuais e o início das atividades do grupo.

Em Sistemas Colaborativos, as rupturas também podem ocorrer por ações to- madas em grupo [Prates et al., 2001]. Nesse caso, como todo o grupo interage com a aplicação, todos os participantes sentem as consequências do problema. Por exem- plo, imaginemos que exista uma opção “apagar juntos” em um ambiente colaborativo em que não há controle explícito de acesso aos recursos compartilhados. O grupo en- tão acredita que se todos selecionarem essa opção, quando um membro tentar apagar algum objeto no espaço de trabalho do grupo, todos os demais membros automatica- mente terão que decidir juntos pela exclusão. Eles então selecionam essa opção, mas quando o primeiro membro tenta apagar um objeto (pré-definido na aplicação) que

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ele havia colocado no ambiente compartilhado, aparece imediatamente na tela dos de- mais um diálogo de votação para decidir se todos os objetos do mesmo tipo que eles haviam colocado no espaço compartilhado deveriam também ser apagados. O grupo então descobre que a opção em questão não faz aquilo que eles imaginavam e acabam a desmarcando, revogando uma decisão coletiva anterior.

Além disso, pode acontecer também que uma sequência de ações executadas por um único usuário não gere uma ruptura individual, mas gere uma ruptura para ou- tros membros do grupo [Prates et al., 2001]. Para exemplificar, um membro do grupo poderia executar uma ação sobre um objeto que o restante do grupo não consegue encontrar. Sendo assim, o grupo poderia se dirigir a esse membro para saber “cadê” o objeto desejado. Em contexto semelhante, o grupo poderia executar uma sequência de ações que produz uma ruptura para apenas um de seus membros. Como exemplo, podemos pensar na situação em que um dos membros do grupo não consiga entender as ações dos demais membros e não saiba como coordenar suas ações com as do grupo, acabando por não executar as ações que os demais esperam dele. Para ilustrar, imagi- nemos que um determinado grupo estivesse trabalhando em um código de programação compartilhado e que tenham decidido pelo chat da ferramenta colaborativa aplicarem juntos uma funcionalidade de depuração para marcar trechos problemáticos no código. Quando acionada por dois ou mais membros, essa funcionalidade é executada e impede que qualquer edição no código seja realizada. Durante as atividades, os membros com- binam pelo sistema de comunicação que executariam a funcionalidade de depuração de 10 em 10 min durante a edição do código. Porém, um dos participantes realizava no momento do acordo uma outra atividade e não entendeu muito bem o que havia sido definido, mas responde que estava de acordo, imaginando se tratar de uma conversa anterior que eles haviam tido sobre a correção de erros no código. No momento em que dois dos participantes executam a depuração, o participante desatento acaba se espantando com o fato de não poder mais editar no espaço compartilhado. Ele então percebe que não pode editar, não entende por que e acaba indo trabalhar em outro projeto.

Em ambientes mono-usuário, a expressão representava sempre uma comunicação cujo emissor era o usuário e o receptor era o projetista. Como vimos, em ambientes de grupo, o emissor pode tanto ser um dos membros do grupo, quanto o grupo como um todo [Prates & de Souza, 2002]. No nível individual, o usuário interage apenas com a sua parte privada da aplicação, com o objetivo de executar alguma tarefa individual que lhe foi conferida. Nesse nível, a interação do usuário é exclusivamente com o sistema. O que pode diferenciá-la de uma interacão mono-usuário é a informação relativa ao trabalho do grupo ou de outros membros que, porventura, possa ser necessária para

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executar-se uma tarefa. Além disso, também vimos que rupturas que acontecem nesse nível poderão ser repercutidas para os demais membros do grupo, de maneira direta ou indireta. Sendo assim, podemos dizer que, apesar das expressões serem sempre emitidas para o próprio ator da interação, em ambientes de grupo podemos diferenciar, no nível individual, quando a ruptura poderá impactar direta ou indiretamente na atividade de outros membros, possivelmente gerando novas rupturas em outros níveis.

Já a comunicação entre os usuários é capturada no nível interpessoal. É nesse nível que cada membro interage com um ou mais membros através da interface. A frequência dessa interação e a sua importância para o trabalho do grupo podem variar de acordo com o domínio e objetivos dos membros em conjunto. Nesse nível, assim como também acontece nos demais, a ruptura pode acontecer e os usuários entrarem (ou não) em metacomunicação sobre ela. Ou seja, eles discutiriam então o problema ocorrido ou como realizar algo na interface. Esse nível trata de interlocuções strictu sensu, em que uma primeira pessoa (singular ou plural) se dirige a uma segunda pessoa (singular ou plural) Prates & de Souza [2002]. No caso, as expressões podem ser enunciadas como sendo de um indivíduo para o grupo ou outro indivíduo (que pode ser considerado um subgrupo do grupo todo). E também fazem sentido se expressas do grupo para o grupo ou para um indivíduo. Do ponto de vista de classificação da ruptura, não existe uma distinção significativa quando uma expressão está sendo emitida de um indivíduo para um grupo, ou de um grupo para o indivíduo. Ambas tratam da interação entre membros, em que as rupturas são sentidas por todos eles conjuntamente. Além disso, também vale à pena lembrar que, assim como acontece em ambientes monousuário, embora as expressões não sejam diretamente dirigidas ao projetista da aplicação (pois ele não está presente no momento da interação), elas têm por objetivo comunicar a ele os problemas vivenciados pelos usuários ao utilizar o sistema (seria como se o projetista estivesse presente no momento em que elas ocorrem). Assim, é possível que o projetista (re)avalie a partir das expressões suas hipóteses de projeto.

Em ambientes colaborativos, a ruptura pode também acontecer por ações toma- das no nível de grupo. Nesse caso, o grupo interage com a aplicação e todos os participantes sentem as suas consequências do problema. Como exemplo, imaginemos que o grupo execute uma determinada ação, perceba posteriormente que não era aquilo que ele esperava que acontecesse e imediatamente revogue essa ação.

Para sintetizar, a primeira dimensão de caracterização das rupturas de comuni- cação em SiCo’s seriam então os níveis de interação das ações que geram as rupturas. De acordo com a descrição que fizemos desses níveis em que as ações podem ocorrer, as expressões seriam emitidas nos níveis: individual (direto ou indireto), interpessoal e de grupo.

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