• Nenhum resultado encontrado

De modo geral, é possível perceber que a maioria das propostas apresentadas na seção anterior depende de adaptações de métodos consolidados para sistemas mono-usuário, focados, sobretudo, na análise da usabilidade dos sistemas avaliados.

Apesar das contribuições desses trabalhos, muito pouco foi relatado sobre o uso desses métodos e ainda hoje não há na literatura métodos consolidados para a avaliação de Sistemas Colaborativos (o que justifica também a pesquisa aqui apresentada).

Além disso, alguns autores têm argumentado que a avaliação de usabilidade nem sempre é a mais apropriada para avaliação de sistemas e outros tipos de avaliação devem ser considerados [Greenberg & Buxton, 2008]. Embora tenha sido observada também uma diminuição de artigos sobre métodos de avaliação em geral, Greenberg & Buxton [2008] apontam não apenas para a necessidade de se considerar uma gama mais ampla de métodos, mas também de trabalhos que avaliem os métodos existentes.

Capítulo 3

Engenharia semiótica

A Engenharia Semiótica é a teoria através da qual a extensão da metodologia de ava- liação proposta neste trabalho está fundamentada. Neste capítulo, serão apresentados os fundamentos da teoria e alguns conceitos a ela relacionados. Serão apresentados também os métodos de avaliação baseados na EngSem, com atenção especial voltada para o Método de Avaliação de Comunicabilidade (MAC) que serviu de base para o método estendido a SiCo’s que propusemos (apresentado no capítulo seguinte). Em especial, trataremos aqui também da Engenharia Semiótica de Sistemas Colaborativos e suas aplicações.

A Engenharia Semiótica é uma teoria da área de Interação Humano-Computador (IHC), baseada na Semiótica - disciplina que estuda os signos e o processo de signifi- cação, bem como a participação deles dentro do processo de comunicação [De Souza, 2005]. Segundo De Souza [2005], “assim como em outros produtos intelectuais, artefa- tos de IHC são comunicados através de signos, em um tipo de discurso particular em que devemos estar aptos a interpretar, aprender, usar e adaptar a vários contextos de necessidade e oportunidade” [De Souza, 2005, p.4] (tradução do autor)1

. Signos podem ser entendidos como quaisquer coisas que sirvam para algo, ou alguém, em algum as- sunto ou capacidade [Peirce, 1972]. Se utilizarmos a língua portuguesa como exemplo, tanto a palavra ’gato’ como a imagem de um gato seriam representações desse animal para os falantes do idioma.

A partir de uma perspectiva semiótica, ninguém pode falar em representação sem falar sobre a que se refere e seu significado. O significado da representação para Peirce

1

Like all other intellectual products, HCI artifacts are communicated as signs, in a particular kind of discourse that we must be able to interpret, learn, use, and adapt to various contexts of need and opportunity

24 Capítulo 3. Engenharia semiótica

[1972], chamada tecnicamente de Representamem, diz que para cada signo existe um outro signo que corresponde ao seu significado. A interpretação seria então o processo no qual significados (ou interpretantes) são associados aos signos, sendo, pela definição de Peirce, um processo teoricamente infinito. Quanto mais a gente pensa sobre algo significativo, mais significados atribuímos a ele. Esse processo interpretativo é chamado semiose, e semiose ilimitada. Na prática, tal processo é normalmente interrompido pelo receptor da mensagem, seja quando ele se dá por satisfeito com o interpretante gerado, ou pela falta de recursos (como tempo e paciência, por exemplo). Como, do ponto de vista da Engenharia Semiótica, o projeto da interface de um sistema computacional nada mais é que o congelamento da semiose do projetista, a teoria oferece a ele um apoio epistêmico sobre um determinado contexto. Ou seja, ela se propõe a ajudar o projetista em suas decisões, e não a decidir para ele o que é bom ou ruim em um determinado projeto [De Souza, 2005].

3.1

Metacomunicação

A particularidade da Engenharia Semiótica é caracterizar aplicações computacionais interativas como artefatos intelectuais. Por definição, artefatos são objetos não natu- rais criados por seres humanos. Eles podem ser abstratos (linguísticos) ou concretos (físicos). O que a EngSem chama de artefato intelectual (são tratados pela teoria ape- nas os tipos lingüísticos) seria uma representação abstrata que pressupõe a presença de uma linguagem que possibilite sua interpretação. Tal artefato codifica um enten- dimento particular ou interpretação da situação de um problema; e codifica também um conjunto particular de soluções para a situação do problema percebida [De Souza, 2005]. De acordo com De Souza [2005], “o objetivo do artefato só pode ser alcançado se os usuários podem formulá-lo no sistema linguístico no qual o artefato foi codifi- cado” [De Souza, 2005, p.10] (tradução do autor) 2

. Em outras palavras, os usuários devem ser capazes de entender o sistema e usar a codificação utilizada para explorar os efeitos das soluções disponibilizadas através do artefato. Quando o artefato intelectual em questão é um sistema interativo, algumas particularidades devem ser levadas em consideração no seu projeto. São elas:

1. O artefato deve ser descrito em alguma linguagem artificial que seja processada por um computador;

2

the artifact’s ultimate purpose can only be completely achieved by its users if the can formulate it within the linguistic system in which the artifact is encoded

3.1. Metacomunicação 25

2. A linguagem de interface com a qual o usuário vai interagir é sempre única e, logo, nova para o usuário;

3. O artefato se caracteriza como sendo de metacomunicação.

Um artefato de metacomunicação é aquele que comunica uma mensagem sobre a própria comunicação que está sendo transmitida. A mensagem é elaborada pelos projetistas e pretendida aos usuários; sendo assim, a mensagem fala pelo projetista em tempo de interação, transmitindo aos usuários gradualmente todos os significados codificados por ele. Na Engenharia Semiótica, o sistema pode ser definido então como o preposto do projetista (representação de suas intenções e conteúdo). A metaco- municação é, por sua vez, a transmissão aos usuários da solução do projetista, que acontece em tempo de interação, sendo, portanto, unidirecional, já que o projetista não interage com o usuário no momento do uso. A figura 3.1 ilustra o processo descrito.

Figura 3.1. Processo de metacomunicação

A mensagem que está sendo transmitida nesse processo é também indireta, porque é através do sistema que o projetista está se comunicando com o usuário. Seria como se o projetista dissesse ao usuário, através do sistema:

Eis aqui minha compreensão de quem você é, do que eu aprendi sobre o que você quer e necessita fazer. Este é o sistema que eu projetei conseqüentemente para você, e esta é a maneira que você pode ou deve usar, a fim cumprir uma escala de finalidades que cabem dentro dessa visão.

Nesse caso, a Engenharia Semiótica é a primeira teoria de IHC que trata proje- tistas e usuários juntos no mesmo processo comunicativo, apresentando um modelo

26 Capítulo 3. Engenharia semiótica

homogêneo. Sendo assim, os projetistas devem se perguntar sempre que artefato eles estão projetando, e não somente como fazer um artefato usável. O sucesso do sistema está relacionado à eficiência dessa metacomunicação. Para atingi-lo, os projetistas de- vem interagir com o modelo, se surpreender e encontrar sentido nos resultados, além de inventar novas estratégias baseadas nas interpretações geradas [De Souza, 2005]. Mais precisamente, o objeto de investigação científica na EngSem é definido como o conjunto de todas as conversas codificadas computacionalmente que o preposto do pro- jetista pode ter com os usuários no momento de interação, e somente essas [De Souza & Leitão, 2009].