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5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES

5.2. Dimensão Transição Doente-Sobrevivente

Relativamente à transição para a sobrevivência, na presente investigação os sobreviventes referiram-se essencialmente ao momento da alta hospitalar e da declaração médica da finalização dos tratamentos. Neste sentido e, como seria expectável, este momento foi associado a significações positivas e a uma diminuição da ansiedade devido à cessação dos efeitos adversos da terapia e à melhoria do estado de saúde. Consequentemente, houve uma valorização premente da normalização e da reestruturação da vida quotidiana, associada à possibilidade de regresso ao contexto familiar e de reintegração na escola. Estes resultados apoiam as conclusões do estudo de Wakefield e colaboradores (2010) que indicaram que o período de transição constitui uma fase positiva para a criança uma vez que pode recomeçar as actividades de vida normal nos diversos contextos em que está inserida (família, amigos, escola).

No entanto, Wakefield e colaboradores (2010) e Duffey-Lind e colaboradores (2006) acrescentaram que, por outro lado, o período de transição para a sobrevivência representa uma fase de grande vulnerabilidade psicológica devido a medos e preocupações decorrentes da experiência de doença: medo da recidiva, incerteza do futuro, preocupação com a imagem corporal e a representação social do self, dificuldade de reintegração na escola ou no grupo de pares e sentimento de abandono por parte da equipa de saúde. Na presente investigação também se encontraram resultados que coincidem com as conclusões destes autores.

Em muitos casos foi possível verificar esta atitude ambivalente relativamente à fase de transição, a qual se tornou mais expressiva aquando da abordagem do período

de sobrevivência. Considerando o conceito de sobrevivência assente no critério médico dos 5 anos e na definição estabelecida por Haup e colaboradores (2007), é interessante constatar que a ambivalência relativamente à fase de transição foi mais evidente em participantes que podem ser considerados sobreviventes. Contrariamente, naqueles que estão a viver o período de transição propriamente dito, esta ambivalência não foi tão visível.

Estas observações levam a inferir que os sobreviventes, ao viverem a fase de transição para a sobrevivência e o período de sobrevivência, experimentaram um tempo de reflexão e de consciencialização relativamente à experiência da doença e ao seu impacto nas diferentes dimensões de vida. Esta ilação parece ser apoiada pelos resultados dos estudos de Duffey-Lind e colaboradores (2006), Little e colaboradores (2000) e Breaden (1997) que concluíram que os sobreviventes vivem entre dois espaços de vida: a doença e a (nova) normalização da vida. Assim, há a necessidade de construir uma nova definição de “normal” que permita uma melhor integração nos contextos familiar, escolar e social e que, possivelmente, ainda não foi construída e antecipada pelos adolescentes que ainda se encontram na fase de transição.

Ainda em relação ao período de transição para a sobrevivência, encontraram-se resultados que apoiam os estudos desenvolvidos por Wakefield e colaboradores (2010) e Duffey-Lind e colaboradores (2006) relativamente à avaliação da relação com os profissionais de saúde. De acordo com estes estudos, a presente investigação concluiu que a transição para a sobrevivência inclui, muitas vezes, alterações na relação com a equipa médica no sentido de um afastamento relacional devido à declaração da alta hospitalar e à realização de consultas de rotina mais espaçadas no tempo.

Relativamente a este assunto, é preciso ressalvar que a organização e funcionamento dos serviços de saúde altera-se em função do país. Considerando o contexto português, alguns sobreviventes explicaram que os médicos oncologistas que iniciaram o acompanhamento do seu caso clínico se aposentaram ou, em casos específicos, o acompanhamento médico foi transferido para a consulta dos “D.U.R.O.S.” - Doentes que Ultrapassaram a Realidade Oncológica com Sucesso. Esta consulta realiza-se numa instituição de saúde exclusivamente destinada ao tratamento de doenças oncológicas (Instituto Português de Oncologia) e objectiva o acompanhamento multidisciplinar dos sobreviventes de cancro. Ou seja, das pessoas

com idades compreendidas entre os 5 e os 49 anos que tiveram uma neoplasia antes dos 15 anos e que terminaram a terapêutica há mais de cinco anos.

Embora em todos os casos (reforma do médico oncologista, manutenção da equipa médica inicial ou transição para a consulta dos D.U.R.O.S.) a relação com os profissionais de saúde tenha sido classificada como satisfatória, encontraram-se dois casos específicos que referiram distanciamento relacional após a alta hospitalar e a finalização dos tratamentos, o que corrobora as conclusões de Wakefield e colaboradores (2010) e Duffey-Lind e colaboradores (2006). Num desse casos, o sobrevivente afirmou procurar a prossecução da relação através de visitas regulares à instituição. Contudo, este afastamento da equipa de oncologia não se revelou perturbador em nenhuma das situações, contrariamente ao que Woodgate (2006) concluiu. Este autor mostrou que o estabelecimento de uma relação com os profissionais de saúde assente no suporte emocional e instrumental durante o período de hospitalização, cria posteriormente sentimentos de perda e abandono aquando do momento da alta hospitalar.

O estudo desenvolvido por Duffey-Lind e colaboradores (2006) ainda acrescentou que o seguimento médico do sobrevivente em cuidados primários constitui uma fonte de ansiedade para os sobreviventes e para os seus pais, uma vez que consideram que esse profissionais de saúde não têm um conhecimento tão aprofundado sobre o historial clínico da doença e dos efeitos adversos dos tratamentos. No entanto, na presente investigação não foi possível apurar qualquer conclusão relativamente a esta temática, visto que o acompanhamento médico dos participantes se processava no contexto oncológico.

A este respeito, pode, contudo, inferir-se que o seguimento médico por uma equipa especializada em oncologia, com competência técnica e atenta às necessidades/queixas individuais, é valorizado pelas crianças/adolescentes. Isto porque o acompanhamento médico realizado por outros profissionais durante o período de pesquisa do diagnóstico foi considerado insatisfatório e insuficiente, como foi referido anteriormente.

Por fim e, ainda que não constitua um objectivo deste trabalho, é importante referir que o distanciamento da equipa de oncologia e a diminuição do acompanhamento médico regular parecem contribuir para as referidas atitudes de

hipervigilância dos pais. De acordo com a literatura (e.g. Ortiz e Lima, 2007; Duffey- Lind et al., 2006), o período de transição para a sobrevivência também constitui uma fonte de ansiedade e preocupações para os pais porque deixam de sentir a segurança e o controlo regulares sobre a saúde dos filhos, promovendo sentimentos de incerteza sobre o futuro e medo da reacaída.