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5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES

5.4. Dimensão Voluntariado como actividade regular/Sem actividade de

reforçam as conclusões de estudos anteriores relativamente à mesma temática.

Na presente investigação a análise das motivações dos sobreviventes revelou que a consciência do sofrimento dos doentes e das respectivas famílias se assumiu como o principal motivo para o envolvimento em actividades de voluntariado no contexto oncológico pediátrico.

Reforçando as conclusões de investigações anteriores (Blanchard, 2006; Forman et al., 2003; Moniz e Araújo, 2006, 2008; Wymer, 1999), este resultado aponta para motivações relacionadas com a experiência passada de doença pessoal. Na presente investigação esta motivação foi claramente identificada por todos os sobreviventes (voluntários e não-voluntários) e apareceu associada ao desejo de transmitir um testemunho real de esperança e de fornecer apoio e compreensão empática aos doentes, devido à sua experiência passada de doença. Este resultado traz assim um contributo importante à literatura, uma vez que a ideia de partilha da vivência subjectiva em relação à doença e à sobrevivência em grupos de apoio ou em acções de voluntariado tinha ainda pouco suporte empírico.

Neste caso, se se considerar a análise de resultados supramencionada, verifica-se que os sobreviventes encontram na Associação Acreditar uma fonte de suporte capaz de apreender a totalidade da sua experiência individual de doente e de sobrevivente em relação à evolução da doença oncológica. No entanto, a instituição também permite responder ao desejo de prestar apoio emocional aos doentes oncológicos através da prática de voluntariado, o que firma as inferências apresentadas nos estudos de Shepherd e Woodgate (2010), Prouty e colaboradores (2006), Duffey-Lind e colaboradores (2006).

Ainda que este trabalho se tenha centrado unicamente na avaliação das motivações e da vivência dos voluntários, estes resultados permitem inferir que o apoio e o acompanhamento dos sobreviventes aos doentes e às famílias promove uma experiência de hospitalização positiva e um melhor confronto com a doença/tratamento, como indicaram investigações anteriores (Hotchkiss et al., 2009; Blanchard, 2006; Souza et al., 2003; Fusco-Karmann e Tamburini, 1994; Hotchkiss et al., 2009; Paradis e Usui, 1989; Downe-Wamboldt e Ellerton, 1986). Esta inferência tem por base os relatos dos sobreviventes, os quais expressaram, na generalidade, a importância da relação com os voluntários ao longo do seu próprio processo de doença, salientando o suporte

emocional (compreensão empática em relação à experiência e transmissão de uma mensagem positiva e de esperança) e as actividades de lazer/ocupação dos tempos livres.

No entanto, as motivações referentes à experiência pessoal de doença podem ter outra explicação. Segundo Wymer (1999) e Delicado (2002), os acontecimentos de vida que envolvem transição/mudança constituem um estímulo para a mobilização para actividades de voluntariado, o que se assume como uma estratégia de confronto com a nova fase. Os resultados desta investigação relativamente ao voluntariado apoiam a teorização destes autores e as conclusões mencionadas nas dimensões anteriores. Ou seja, a entrada no período de sobrevivência (acontecimento de transição) impele, por um lado, à necessidade de elaboração e processamento da experiência passada de doença e, por outro lado, ao confronto com uma nova fase de vida marcada por profundas alterações. Deste modo, surge a constatação da vivência passada de um período de doença complexo e sofrido que conduz à necessidade de satisfazer as necessidades pessoais associadas à redução dessa emocionalidade negativa.

Segundo esta ordem de ideias, os actos de voluntariado dos sobreviventes parecem objectivar a resolução do seu sofrimento passado através da amenização do impacto negativo da experiência de doença na vida dos doentes e das famílias. Esta conclusão pode ser justificada pelas ideias defendidas por Houle, Sagarin e Kaplan (2005), Clary e colaboradores (1998), Clary e Snyder (1999) e Snyder (1993) que concluíram que o voluntariado permite cumprir distintas funções psicológicas (cognitivas, afectivas, comportamentais e interpessoais), sendo que a escolha da tarefa resulta da percepção daquela que melhor satisfaça esse motivos pessoais.

Na mesma linha Souza e colaboradores (2003) e Câmara e colaboradores (2010) concluíram que as experiências pessoais negativas podem resultar num desejo de querer minimizar a emocionalidade perturbadora associada a essa situação. Confirmando este resultado e de acordo com a função protecção do estudo de Clary e colaboradores (1998), a presente investigação constatou que para alguns sobreviventes o voluntariado é uma forma de compensar a falta de apoio que tiveram durante o seu processo de doença; de criar uma ligação com a situação que não foi vivida devido à idade do diagnóstico; ou ainda de controlar a culpabilidade pelo estado de saúde satisfatório em relação aos doentes.

Subjacente a estas razões para o envolvimento em actividades de voluntariado foram identificadas outras motivações como a solidariedade, a vontade de ajuda ao próximo e o desejo de contribuir para o bem-estar e satisfação dos outros, o que pode ser entendido no espectro dos comportamentos pró-sociais, tal como apontaram Hinde e Groebel (1991) e Dovidio e colaboradores (2006). Mais especificamente, pode considerar-se a presença de motivações altruístas encontradas em estudos anteriores (e.g. Clary et al., 1998; Câmara et al., 2010; Souza et al., 2003; Horton-Smith, 1981), uma vez que os sobreviventes descreviam estes comportamentos de ajuda com base na filantropia. Tome-se como exemplos: “Ser um voluntário não tem necessariamente que fazer alguma coisa em relação a mim. Eu acho que é mais para os outros” (Caso D.); “Um voluntário para mim é aquela pessoa que está disposta a ajudar quem precisa sem esperar nada em troca” (Caso E.); “Ser voluntário é ajudar os outros. Dar algo aos outros sem nada em troca (...)” (Caso H.).

Na presente investigação os sobreviventes também identificaram o desejo de retribuir e agradecer à instituição de saúde os cuidados prestados durante o processo de doença, o que apoia as conclusões dos estudos realizados por Wymer (1999) e Blanchard (2006). Este resultado também pode ser fundamentado nas conclusões encontradas por Souza e colaboradores (2003) e Câmara e colaboradores (2010) que evidenciaram que as experiências pessoais positivas influem no sentido de procurar ajudar outras pessoas, reflectindo características altruístas.

Os resultados do presente estudo permitiram ainda identificar outras razões para o envolvimento em acções de voluntariado em contexto oncológico pediátrico que foram concordantes com outras investigações (Blanchard, 2006; Moniz e Araújo, 2006; 2008; Wymer, 1999). Assim, os sobreviventes procuram a realização e satisfação pessoais pelo envolvimento num papel com significado pessoal associado à experiência passada de doença e à ligação com a Associação Acreditar, o que apoia, em parte, as explicações avançadas anteriormente sobre as motivações referentes à experiência pessoal de doença.

Ainda em relação às motivações, foram identificadas, embora com menor expressão: a valorização do currículo profissional; as crenças religiosas praticadas no contexto familiar/educativo; o convívio social e o desenvolvimento de novos relacionamentos; a ocupação dos tempos livres; a obtenção de uma posição de poder; a

oportunidade de desenvolvimento e aprendizagem pessoais; o sentimento de utilidade; o reconhecimento social; a responsabilidade cívica e de cidadania; e a gratificação pelo estado saúde. Motivos que foram largamente encontrados em estudos anteriores (e.g. Wymer, 1999; Selli et al., 2008; Clary et al., 1998; Wilson e Musick, 2000; Kemp, 2002; Blanchard, 2006; Moniz e Araújo, 2006; Forman et al., 2003; Delicado, 2002).

Estes resultados permitem chegar a outra conclusão, ainda que não tenha sido directamente expressa pelos sobreviventes. Atendendo ao que foi referido anteriormente sobre a reintegração no contexto social e o estabelecimento de relações interpessoais, os resultados da presente investigação sugerem que a actividade de voluntariado contribui para sentimentos de pertença e de competência e para o aumento da auto-estima e auto- confiança, contribuindo para a diminuição do isolamento social e um sentimento de normalidade. Esta conclusão foi encontrada por outros autores (e.g. Clary et al. 1998; Uggen e Janikula, 1999; Schwartz e Sendor, 1999; Thoits e Hewitt, 2001; Wymer, 1999; Goss, 1999; Wilson e Musick, 2000) e na presente investigação foi possível perceber que o voluntário contribui para uma melhor avaliação do valor pessoal global (auto-conceito e auto-estima) e para uma melhor adaptação ao período de sobrevivência.

Apoiando outros estudos (Clary et al., 1998; Clary e Snyder, 1999; Snyder, 1993; Houle et al., 2005), a totalidade destes resultados revelaram que estas motivações eram responsáveis quer pela iniciação das acções de voluntariado, quer pela satisfação dos voluntários e a prossecução da sua actividade.

No entanto, a actuação dos sobreviventes voluntários no contexto oncológico pediátrico também implica o confronto com aspectos negativos e dolorosos que provocam sofrimento psicológico, o que foi expresso na presente investigação. Os resultados revelaram que as dificuldades dos voluntários na execução do seu trabalho se relacionavam, essencialmente, com o confronto com a experiência de doença e o sofrimento dos doentes. A vivência destas situações levava à recordação da experiência passada de doença causando instabilidade emocional e sofrimento psicológico. Este resultado veio apoiar as conclusões dos estudos de Blanchard (2006) e Moniz e Araújo (2006, 2008) mas também permitiu reforçar a ideia de que alguns sobreviventes apresentam dificuldades significativas na elaboração e no confronto com a sua experiência passada.

sobreviventes, a emocionalidade em contexto de voluntariado é entendida como uma fragilidade e um fracasso no desempenho do papel de voluntário. Esta ambivalência emocional reforça a ideia defendida anteriormente de que os sobreviventes são obrigados a viver uma maturidade que não têm na realidade ou que não é expectável que tenham perante situações com um significado pessoal.

Tal como indicou Souza e colaboradores (2003), também esta investigação revelou a importância dos voluntários compreenderem que existem aspectos da sua experiência subjectiva que podem influenciar o desempenho do seu papel sem que isso constitua uma falha no seu trabalho. Deste modo, esta investigação alerta para a necessidade de formação técnica e de apoio emocional aos voluntários.

Embora seja do conhecimento da investigadora e tenha sido referido de forma sucinta ao longo das entrevistas, os voluntários recebem formação antes da iniciação da sua actividade. Contudo, este suporte foi considerado insuficiente e incapaz de responder às necessidades sentidas pelos barnabés, podendo ser prejudicial aos níveis individual, institucional e interpessoal/assistencial no contacto com os doentes e as equipas de saúde.

Ainda em relação aos aspectos negativos da prática de voluntariado, foram identificados: a distância do local de residência; a indisponibilidade/limitação de horário; e a prática incorrecta da actividade e a obtenção de benefícios secundários. Alguns destes aspectos também foram encontrados noutros estudos (Moniz e Araújo, 2006; Delicado, 2002; Directorate-General for Education and Culture, 2010), embora na presente investigação tenham sido referidos em número pouco significativo.

Neste sentido, a presente investigação permitiu identificar algumas das estratégias utilizadas pelos voluntários no confronto com estas dificuldades, sendo elas a distracção, o auto-controlo, a espiritualidade/religiosidade, o evitamento dos aspectos negativos e a valorização das recompensas e aspectos positivos. Moniz e Araújo (2006) também procederam à identificação das estratégias de coping utilizados pelos voluntários. Contudo, a presente investigação só confirmou parcialmente as conclusões desse estudo, o que se referiu ao recurso à espiritualidade/religiosidade e à valorização do positivo.

Ainda em relação à iniciação das acções de voluntariado, esta investigação identificou alguns estímulos exteriores que tiveram um impacto satisfatório na

mobilização para a prática de voluntariado. No presente estudo o contacto com a Associação Acreditar foi o incentivo referido pela maioria dos sobreviventes, permitindo-lhes conhecer o papel e a função do barnabé voluntário. Este resultado confirmou parcialmente as conclusões do estudo realizado por Blanchard (2006), o qual concluiu que a escolha da instituição de saúde estava relacionada com aspectos logísticos e ocasionais e com os valores e objectivos do próprio hospital. Neste caso a escolha da Associação Acreditar deveu-se ao laço afectivo criado com a instituição ao longo do processo de doença/tratamento e à possibilidade de, num contexto conhecido, cumprir os objectivos e motivações para a prática do voluntariado.

Reforçando as conlusões de outros estudos (Delicado, 2002; Blanchard, 2006), a presente investigação também verificou que a prática de voluntariado na rede social ou no contexto familiar foram determinantes para o envolvimento em actividades de voluntariado, notando-se a transmissão de valores e expectativas associadas a comportamentos de ajuda aos outros.

Sistematizando as conclusões da presente investigação relativamente às motivações para o voluntariado e ao conjunto de estudos anteriormente referidos, pode considerar-se que a principal motivação dos sobreviventes voluntários e não-voluntários prende-se com a sua experiência pessoal de doença, o que contribui para o desejo de ajudar os doentes e as famílias. Deste modo, os sobreviventes têm oportunidade de contribuir para o bem-estar e satisfação dos outros e, paralelamente, minimizar a sua própria emocionalidade negativa associada à experiência passada.

Tal como os estudos anteriores (Clary et al.,1998; Câmara et al., 2010; Souza et al., 2003), a presente investigação também concluiu que não existe um único motivo para o exercício do trabalho voluntário, mas antes um conjunto de motivações que mobilizam o sobrevivente para a actividade de ajuda aos outro no contexto de oncológia pediátrica.