O debate sobre gestão e governança corporativa tem se intensificado e adquirido maior importância mundial a partir da década de 1990. Essa intensificação deve-se, principalmente, a mudanças como a abertura de mercado provinda da globalização, à maior dificuldade de obtenção de financiamento e ao aumento da competitividade, que trouxeram a necessidade de as empresas começarem a acessar novamente o mercado de capitais. As discussões sobre o tema aumentaram de forma considerável a partir de 2002, com os problemas de governança corporativa ocorridos no mercado de capitais norte-americano, o mais moderno do mundo e tido, até então, como exemplo de modelo de governança para todos os demais mercados, sobretudo os de países emergentes, como o brasileiro. Sucederam-se escândalos como os da Enron, Worldcom, Arthur Andersen e Xerox, entre outros, que foram acusadas de fraudes contábeis, envolvendo principalmente adulteração de balanços patrimoniais, insider trading4 e
evasão fiscal.
No mercado financeiro europeu também se destacaram os estudos em governança corporativa, sobremodo após o escândalo da Parmalat, e, antes, com o caso da Royal Ahold. Além da pressão dos acionistas por resultados de curto prazo, os problemas de governança podem ter raízes mais profundas, conforme demonstraram os casos ora mencionados (KALER, 2004). Problemas de governança em empresas de tamanho porte têm chamado inclusive a atenção do setor governamental (considerado um stakeholder secundário), em virtude da lacuna de desemprego e agravamento social que pode surgir no curto prazo. Como exemplo, cita-se o momento da abrupta queda das ações da Parmalat, em 2003, que respondia por 0,8% do PIB italiano5 (BLOOMBERG, 2007).
Apesar de os fatores serem muito próximos, há uma diferença clara entre a os sistemas de governança corporativa brasileiro, americano e europeu. O quadro a seguir mostra as principais características desses sistemas de governança corporativa, fazendo uma distinção entre o alemão e o italiano, no caso europeu, e considerando o modelo americano bastante próximo ao inglês:
4 Refere-se à negociação de valores mobiliários das companhias por gestores com informação privilegiada
(BOVESPA, 2007).
EUA/Inglaterra Alemanha Itália Brasil
Tipos de sistema Controle externo Controle
interno
Controle interno
Controle interno
Forma de alavancagem de
recursos Equity Débito Débito Débito
Foco de governança Mercado de
capitais Corporações Família Acionista principal
Controle acionário Disperso Concentrado
(Bancos) Família Um controladores ou poucos
Propriedade e gestão Separação Sobreposição Sobreposição Sobreposição
Liquidez no mercado de capitais Alta Baixa Baixa Média
Freqüência de negociação dos direitos de propriedade e controle
Alta Baixa Baixa Baixa
Leis de proteção aos acionistas
minoritários Fortes Fracas Fracas Fracas
Quadro 5 - Características dos sistemas de governança corporativa Fonte: De Paula (2003), adaptado.
A consultoria McKinsey (2000) realizou um estudo sobre a percepção do mercado de investidores na Ásia, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa sobre a opção de compra em empresas que possuem governança corporativa. O estudo focou em saber se tais investidores estariam dispostos a pagar mais por empresas com boas práticas de governança e qual seria esse valor adicional. Os resultados apontaram que aproximadamente 80% dos entrevistados optariam em pagar valores maiores por empresa com boas práticas de governança, sobretudo no que tange a investimentos de longo prazo. O segundo resultado foi que 75% dos entrevistados consideram a governança corporativa nas empresas tão importante quanto seu desempenho econômico atual. Na América Latina, o resultado ficou em torno de 50%, relativo aos investidores que acreditam que a governança corporativa influencia sua opção de compra tanto quanto o desempenho econômico atual. O valor pago adicionalmente por empresa com boas práticas de governança ficam em torno de 18 a 20%, apontando que a melhora nas práticas de governança está relacionada a um aumento significativo no valor da ação da empresa. A seguir, apresenta-se um gráfico com o descritivo demonstrando o prêmio médio percentual relativo que os investidores de cada país se dispõem a pagar por uma empresa com bons padrões de governança corporativa:
Figura 5 - Disposição de investimento em empresas com governança corporativa Fonte: McKinsey e Company (2000).
O problema da governança corporativa americana e anglo-saxônica difere em um ponto básico em relação à brasileira. A primeira caracteriza-se pelo ambiente econômico e a proteção ao investidor, que fazem com que a estrutura de propriedade das empresas norte- americanas seja muito distinta da estrutura de propriedade das empresas no Brasil. A maioria das grandes empresas abertas norte-americanas é caracterizada por uma estrutura de capital pulverizada, com muitos acionistas, em que existe uma separação clara entre propriedade e controle, isto é, entre quem é acionista e quem é gestor. No caso brasileiro, a situação é diferente, pois as empresas abertas têm uma estrutura de propriedade bastante concentrada, com a presença marcante de um acionista-controlador (em grande parte dos casos o fundador ou descendente direto), que via de regra atua como gestor da empresa ou indica uma pessoa da sua confiança para exercer tal função (DE PAULA, 2003, HIMMELBERG, 2003). Existe, portanto, no caso da governança corporativa brasileira, uma maior sobreposição entre propriedade e controle.
Não existem trabalhos conclusivos hoje sobre os critérios para a avaliação de um ranking de governança corporativa. Porém, grande parte da literatura utiliza os princípios listados a seguir, que serão mais detalhados em um subcapítulo posterior (WILLIANSON, 1996, SHLEIFER; VISHNY, 1997, LA PORTA; SHLEIFER; LOPEZ-DE-SILANES; VISHNY, 2000, LA PORTA; SHLEIFER; LOPEZ-DE-SILANES; VISHNY, 2000, KLAPPER; LOVE, 2002, DENNIS; McCONNELL, 2003, HIMMELBERG, 2003, LEAL, 2004):
a) proteção aos acionistas minoritários; b) qualidade do conselho de administração; c) estrutura de propriedade ou capital;
d) transparência e igualdade de direitos entre acionistas majoritários e minoritários. Normalmente, para a elaboração desses rankings, são entrevistados especialistas no assunto, sendo que os mesmos atribuem notas para cada um dos tópicos. A seguir apresenta- se um ranking global feito em 2007 pela IR Global Rankings, onde as empresas foram avaliadas por especialistas do J.P. Morgan, KPMG, Link Laters e MZ Consults (IR GLOBAL RANKINGS, 2007).
EUA Europa América Latina Ásia/África/Oceania
GE Bayer Petrobras Amcor Limited
BMO Financial BASF Unibanco Infosys Technologies
Legget & Platt adidas Net Servicos Kookmin Bank
Kellogg TietoEnator Banco Bradesco Naspers
BCE Inc. Hannover Re Banco Itaú Telkom
PotashCorp Banco BPI GOL Impala Platinum
Holdings
Yum! Brands UBS Ultrapar Sappi
FedEx Novartis Braskem Harmony Gold
Nexen Heidelberger Aracruz Celulose Nedbank Group
Avaya Inc. Deutsche Post World
Net
CSN Satyam Computer
Services
Corporacion GEO RWE CPFL Energia BlueScope Steel
The Thomson Corporation
TDC CBD - Pão de
Açúcar
Global Sources
Netflix Royal Bank of
Scotland
Gerdau Reunert
Zimmer Holdings Telekom Austria ALL Keppel Land
TELUS Corporation Statoil TAM Semiconductor
Manufacturing Inter.
Edison International Yara International Usiminas Liberty Group
Cognos Incorporated Diageo Credicorp Orascom Construction
Industries The Procter &
Gamble
Siemens Enersis Grasim Industries
Symantec Deutsche Telekom Banco Santander
Santiago
Pearl Asian Mining Industries
Limited Brands Telefonaktiebolaget
Ericsson
Perdigão
Quadro 6 - Ranking das empresas com melhores práticas de governança corporativa por continente em 2007