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3 BASES DO PENSAMENTO PROCLEANO

3.3 A problemática da identidade e diferença na obra de Proclo

3.3.2 Diminuição de potência produtiva como o primeiro modo de

Embora o conceito de participação pressuponha uma dessemelhança, com Proclo a dessemelhança não está em um nível ontológico. Assim, ela não implica a diversidade de seres, mas tão somente a multiplicação deles. Trata-se de uma diferença de quantidade e não de qualidade. A diferença entre causa e efeito se dá no nível de potencialidade, já que todo produtor

é necessariamente superior ao seu produto223. Isto acontece porque há uma continuidade

ontológica na medida em que é do produtor que o produzido tem o seu ser e que o produtor não pode gerar nada diferente de si mesmo. Deste modo, a multiplicidade na realidade suprassensível é concebida como uma diferença de potencialidade.

Toda realidade, mediante uma escala de potencialidade, pode ser analisada a partir

de uma tríade que tem inerente a si a contradição224. Acontece que, ao passo que há uma

simultaneamente? Pensados como simultâneos, eles tendem a logicamente se anularem, de maneira que a estrutura do pensar bloqueia a compreensão de como tal movimento se dá, principalmente porque há uma tendência a pensar o movimento como sucessão de eventos.

219 Como se mostra explicitamente na proposição 2, quando Proclo trata do sentido da participação, e na proposição

29, quando é posto que todo produtor só produz por semelhança.

220 Esta semelhança ocorre no nível do ser e não da potência.

221 A participação, no Sofista, trata-se daquela relação na qual um termo envolve dois outros que se contrapõe, de

maneira que os termos envolvidos têm parte do envolvente, ainda que não seja o mesmo que ele. Cf. PLATÃO,

Sofista, 255e -256b.

222 Cf. PROCLO, Elementos de Teologia, prop. 2. 223 Cf. Ibidem, prop. 7.

224 Como é o caso da tríade: uno, uno e não-uno e, não-uno e uno. A contradição presente nesta tríade está no fato

diferença de potencialidade, por exemplo, se pensada a partir da relação uno/múltiplo, tem-se que primeiro há a unidade plena, depois aquilo que é uno e não-uno e, por fim o que é não-uno e uno. Ora, é no âmbito do que é uno e não-uno que se encontra toda a multiplicidade, dado que o não-uno não é sinônimo de não-ser, mas de não-unidade. Assim, é neste componente da tríade, que é uno e não-uno, que se tem o estabelecimento daquilo que é, trata-se da realidade

inteligível, onde Ser (ὄν), Vida (ζωή) e Intelecto (νοῦς) são postos como realidades muito bem

definidas e com características próprias. Porém, como pode haver tanta diversidade sem que haja movimento? E como de uma única fonte, a saber, a unidade, que só produz por semelhança, pode originar seres diversos?

Se o produtor só pode produzir seres semelhantes a si mesmo, de maneira que a diferença entre causa e efeito diz respeito tão somente à potencialidade, que é a capacidade de

produzir225, o que explica a diferença de seres que descendem de uma mesma realidade? O

problema vai além, como há realidades com características tão diversas se tudo descende de uma realidade sobre a qual nada se pode dizer, i. é, como falar de Ser, Vida e Intelecto se tudo descende do Uno, que é uma realidade na qual não há nenhuma outra característica exceto a unidade e mesmo a unidade é dele dita do ponto de vista de seus efeitos e não dele mesmo?

O movimento de processão, enquanto movimento postulado a fim de explicar a passagem do uno ao múltiplo e como inexistindo na esfera temporal como uma sucessão de eventos, é o que permite que o Primeiro Princípio, ainda que transcendente, seja participado por todos. Isto porque, ainda que a processão não responda por completo a diversidade de seres, dado que ela se dá por semelhança, ela apresenta um primeiro modo de diferença entre produto e produto, a saber, uma diferença na capacidade produtiva. É perceptível que a diferença qualitativa entre os seres envolve elementos que aqui não foram discutidos, mas que o são nos dois últimos capítulos deste trabalho. De todo modo, o que nos interessa neste tópico é deixar claro que o movimento de processão é basilar para a diferenciação entre os seres, por tornar razoável a passagem da unidade à multiplicidade. O movimento de processão não se trata de sucessão de eventos, antes, é um modo de compreender a realidade, que se manifesta em diferentes tipos de análise.

Assim, vê-se que, ainda que o movimento de processão, enquanto movimento diferente dos já classificados por Platão e Aristóteles, permita a saída da unidade em direção à multiplicidade, ele não explica plenamente como pode existir diferença entre os seres na

realidade suprassensível. Em visto disto, antes de responder no que e como se dá a diferença entre os seres que compõem a realidade suprassensível, é necessário compreender quais as características de cada hipóstase, pois só conhecendo tais características se tem elementos suficientes para entender como elas se diferenciam. Passa-se, assim, a análise dos elementos que compõem o sistema procleano.

4 SOBRE A RELAÇÃO UNO-MÚLTIPLO NO SISTEMA PROCLEANO

A processão é elemento basilar para todo o sistema procleano, por permitir que a multiplicidade seja sustenta pela unidade, mediante a participação. A processão possibilita que a multiplicidade seja, em alguma medida, também unidade. Assim, se se parte da ideia de que o sistema procleano está pautado na participação da multiplicidade na unidade e que essa relação carrega consigo a problemática de identidade e diferença, é imprescindível que o primeiro momento deste capítulo trate da relação do Primeiro Princípio com os demais elementos do sistema. À vista disso, no primeiro tópico são analisados os argumentos do Bizantino que constatam a necessidade de a unidade ser anterior à multiplicidade, como se dá a anterioridade da unidade relacionada aos demais seres, bem como as problemáticas a ela inerentes.

No segundo tópico, é observado a hipóstase divina, mediante a investigação do que são as Hénadas e de seu papel como mediadoras entre o Primeiro Princípio e a hipóstase intelectiva. O estudo das Hénadas parte de sua semelhança com o Uno. Assim, é visto como elas são participadas e imparticipadas e no que consistem tais afirmações. Uma vez finalizado o estudo sobre a hipóstase divina, passa-se à compreensão da realidade do Noûs. Enquanto a hipóstase divina é marcada pela negatividade, porquanto as Hénadas não são predicadas, a realidade inteligível é identificada como a primeira em que se tem alguma determinação. Só a partir do Noûs é possível fazer afirmações, dado que só a partir dele se pode falar em diversidade, trata-se daquela realidade em que é dito que é uno e não-uno. Com o Noûs se pode falar de identidade e diferença, porque se está a entrar no âmbito das relações, seja do ponto de vista de sujeito e objeto, seja no das relações triádicas.

Após analisar a hipóstase inteligível, a investigação é voltada para as hipóstases psíquica e sensível. As duas hipóstases são concentradas em um único tópico porque o cerne da problemática da identidade e diferença encontra-se, de forma mais concreta, na realidade do

Noûs. Éno Noûs que se começa a definir toda relação de identidade e diferença, semelhança e

dessemelhança. A realidade psíquica é o elemento de mediação entre a inteligível e a sensível, sua importância consiste em proporcionar uma diferença que permite surgir outra realidade marcada pela negação e que dela se diferencia por agir no tempo.