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QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICO

2.3 Acerca da construção da inteligência e do conhe cimento

2.3.2. Vygotsky e a educação: O interaccionismo em acção

2.3.3.3. Dinâmicas interactivas

A dinâmica interactiva é um dos elementos que influencia os progressos sociais e cognitivos dos sujeitos, durante a realização de trabalho colaborativo entre pares. Já antes fizemos referência a auto- res como Gilly (2001) que salientam que conflitos sociais, de tipo rela- cional, são pouco susceptíveis de se tornarem benéficos, em termos de desenvolvimento individual. Roselli, Gimelli e Hechen (1995) apresen- tam três modalidades diferentes de interacção social, que implicam três graus diferentes de conflito sócio-cognitivo - egocêntrica, assimé- trica e igualitária - baseando-se em dois critérios: a quantidade de interacções e o grau de simetria no intercâmbio. A quantidade das interacções, segundo os autores citados, refere-se a um critério meramente quantitativo do intercâmbio social; a simetria refere-se a um critério qualitativo, que se relaciona com o equilíbrio do referido intercâmbio.

A modalidade egocêntrica, também designada de inferior, impli- ca um isolamento e participação escassa na realização conjunta da

tarefa. Esta circunstância, de acordo com os autores citados, é sinó- nima de dificuldades de articulação interindividual e de uma atitude individualista.

A modalidade intermédia, assimétrica ou dependente supõe o domínio de um sujeito sobre o outro. A existência de intercâmbio é pouco relevante, face à preponderância da relação de domínio- submissão.

Na modalidade simétrica, igualitária ou superior, existe um ele- vado nível de intercâmbio, uma negociação recíproca e procura de consenso, reconhecendo-se a contribuição de ambas as partes na ela- boração de uma solução. De acordo com os mesmos autores, a moda- lidade que contribui para um verdadeiro conflito sócio-cognitivo, que promove maiores progressos nos indivíduos, é a igualitária. Por oposi- ção, a modalidade do tipo egocêntrico é referida como a que menos promove progressos sociais e cognitivos nos sujeitos.

Outros autores, como Gilly e seus colaboradores (2001), têm salientado a importância que o tipo de dinâmica interactiva pode ter no progresso social e cognitivo dos sujeitos. Para que surja o conflito sócio-cognitivo é necessário que os sujeitos participem activamente na situação interactiva, de forma a haver troca de pontos de vista diferen- tes que possam levar, na procura de uma solução conjunta, a uma nova coordenação individual. É no decurso do processo de negociação de uma resolução que se podem desenvolver quatro tipos de co- elaboração de resposta (Gilly et al., 2001):

- co-elaboração por consentimento - ocorre quando um aluno A elabora sozinho uma proposta de solução que apresenta ao outro ele- mento, B, da díade, que sem oposição nem desacordo, vai ouvindo e dando feedback sob uma forma gestual ou verbal. Este elemento da díade não tem um papel passivo, pois ele segue atentamente o que o aluno A vai dizendo e parece construir, em paralelo, uma resposta semelhante. Desta forma, há um verdadeiro acordo sócio-cognitivo, na forma de uma co-elaboração por consentimento, onde a aquiescência de B tem função de controlo e de reforço positivo em relação à solução

apresentada. É difícil saber se o sujeito B reage desta forma por não ter uma proposta diferente a apresentar, ou porque opta por deixar ao sujeito A a iniciativa de expressão. Neste tipo de co-elaboração é usual que os papéis de A e de B se invertam no decurso do trabalho;

- co-elaboração por co-construção - assiste-se a uma verdadeira co-construção da resposta, sem que haja manifestações explícitas de desacordo ou contradição. O sujeito A inicia o processo de negociação, através de uma ideia ou de uma frase, que é continuada pelo sujeito B. Em seguida, o A retoma novamente a ideia inicial, após B ter ter- minado, e assim sucessivamente. Nem sempre podemos saber se a solução co-construída seria idêntica caso os alunos se encontrassem a trabalhar individualmente, mas desta forma há a co-construção de uma solução a dois. Cada um dos elementos da díade parece reforçar o outro, apesar da aparente harmonia não excluir que as intervenções de um possam perturbar o outro e desencadear uma ideia que seria impossível sem este tipo de dinâmica interactiva. Este tipo de co- elaboração é susceptível de ter um duplo efeito para cada um dos sujeitos: abre um campo de possibilidades de resoluções e pode con- duzir a perturbações no processo de resolução inicial;

- co-elaboração com desacordo - o sujeito A propõe uma respos- ta que não é aceite pelo sujeito B, que exprime o seu desacordo, de uma forma explícita, mas sem argumentar a sua posição nem apre- sentar qualquer solução alternativa. O aluno A pode retirar-se para uma fase de trabalho individual, ou apresenta uma justificação para o seu ponto de vista repetindo, de uma forma recorrente, a ideia inicial, ou exprimindo-a de outra forma;

- co-elaboração por confrontos contraditórios - o sujeito A emite uma proposta de solução à qual o sujeito B reage, discordando e apre- sentando os seus argumentos, com outra proposta. Neste caso, verifi- ca-se uma oposição de respostas e não unicamente desacordo. Em seguida existe um confronto que pode ter dois finais possíveis: ou se gera uma situação de impasse, em que cada um dos sujeitos mantém a sua posição, entrando numa fase de trabalho individual; ou procu-

ram chegar a um acordo através de uma verificação experimental de cada uma das hipóteses de resolução apresentadas.

Destes diferentes tipos de dinâmica interactiva sócio-cognitiva, os autores referidos indicam como sendo as que mais frequentemente observaram: a co-elaboração por co-construção e a co-elaboração por confronto com desacordo.

Baker (2002) tem realizado investigações na área das dinâmicas interactivas ou modalidades relacionais, tendo em conta que muito do que se passa durante uma interacção está relacionado, entre outros elementos, com as características pessoais, afectivas, sociais e cogniti- vas dos alunos que compõemas díades. Independentemente dos auto- res já citados terem desenvolvido enquadramentos teóricos diferencia- dos, conseguimos perceber que se podem estabelecer relações entre eles, existindo muitos pontos de contacto, havendo uma complemen- taridade de perspectivas.

Em referência ao tipo de co-elaboração por confronto com desa- cordo (Gilly et al., 2001), Baker (2002) reformula-o e apresenta outros tipos de dinâmica interactiva, mencionando que se um determinado sujeito não se envolve na argumentação, então não nos podemos refe- rir ao termo co-elaboração que, por si só, atribui um papel activo aos sujeitos envolvidos na realização das tarefas propostas. Este último autor, apesar de concordar com a existência dos restantes três tipos de co-elaboração, afirma que uma dimensão importante está ausente no estudo efectuado por Gilly e seus colaboradores (2001): é necessá- rio saber de que forma os estudantes colaboram. Desta forma, desen- volve um processo de análise das dinâmicas interactivas que contem- pla três dimensões: o grau de simetria, o grau de alinhamento e o grau de acordo/desacordo.

Em relação ao grau de simetria, pretende-se analisar o papel que cada elemento da díade desempenhou durante a realização de uma tarefa, não se referindo nem à identidade, nem à igualdade em termos de conhecimento substantivo. Assim, uma dada sequência interactiva é considerada simétrica se os participantes adoptam certos

papéis de uma forma mais ou menos igualitária; é assimétrica se os participantes adoptam papéis diferentes. Para que uma dada sequên- cia interactiva possa ser considerada simétrica é necessário haver tro- ca de papéis, sendo considerada assimétrica sempre que cada partici- pante adoptar o mesmo papel (Baker, 2002).

Relativamente à segunda dimensão acima referida, o autor afir- ma que com o alinhamento se refere a uma situação na qual os parti- cipantes trabalham, genuinamente, em conjunto, estando empenha- dos em colaborar na realização de uma tarefa existindo uma intersub- jectividade comum. Sucede que, por vezes, os alunos não se encon- tram em sintonia em relação às fases da realização da tarefa. Por exemplo, um aluno pode estar ainda a ler o problema enquanto que o outro já elabora e comunica possíveis soluções ou, ainda, um pode estar a negociar significados para que se atinja uma compreensão mútua, enquanto que o outro está ainda a tentar compreender o objectivo da tarefa. Assim, se cada um está a agir de forma diferente face à mesma tarefa proposta, é pouco provável um entendimento mútuo, colocando-se em causa a realização conjunta da mesma.

O grau de acordo/desacordo, tal como é possível depreender através da designação, refere-se ao facto de os parceiros da interacção manifestarem, explicitamente ou não, o seu acordo ou desacordo em relação aos diferentes aspectos da realização da tarefa: soluções, objectivos, métodos utilizados ou acções executadas, existindo uma expressão de atitudes pró ou contra um dado conjunto de afirmações, um pouco à semelhança do que se encontra descrito no enquadra- mento teórico de Gilly e seus colaboradores (2001). No entanto, o desacordo implícito não é considerado nesta dimensão, de acordo com Baker (2002), o que pode acontecer se, por exemplo, os participantes tiverem uma abordagem diferente na realização de uma tarefa. Isto pode originar desacordos isolados, mas que não levam a uma argu- mentação fundamentada, pelo que situações deste tipo são considera- das como não-alinhadas. Assim, o desacordo para ser considerado como tal tem de ser exteriorizado e deve originar acções comunicativas

que levem à discussão. O acordo também deve ser expresso, através do uso de expressões como “ok” ou “sim”, processo fundamental para o desenvolvimento de nichos de apoio (supportive niches), que dão feedback positivo sobre as expectativas que temos em relação ao outro e que são estruturantes no processo de construção da personalidade (Zittoun, 2004). No entanto, sempre que houver ausência de desacor- do explícito, considera-se a existência de um acordo tácito. Podemos, assim, considerar três categorias relativamente a esta dimensão de análise: a existência de acordo explícito, de acordo tácito ou desacor- do, que tem de ser explicitamente expresso e deve conduzir à argu- mentação.

Atendendo à análise das três dimensões referidas, Baker (2002) refere que a este espaço tridimensional básico correspondem oito tipos de dinâmicas interactivas, a saber:

- co-construção: se a interacção é alinhada, simétrica e os parti- cipantes estão de acordo;

- co-argumentação: se a interacção é alinhada e simétrica, mas existe desacordo;

- co-elaboração por consentimento: a interacção é assimétrica e alinhada, estando os participantes basicamente de acordo;

- argumentação desigual: a interacção é assimétrica e alinhada, mas existe desacordo que origina a argumentação;

- co-construção aparente, co-argumentação aparente, co- elaboração por consentimento aparente e argumentação desigual apa- rente: estas situações são idênticas às anteriores, mas em todas elas os participantes estão não-alinhados.

Apesar das diferenças que se podem constatar, em termos dos tipos de análise realizados por diferentes autores, podemos aperce- bermo-nos que há alguns critérios comuns a todos eles. O enquadra- mento teórico tem sido aprofundado no sentido de desenvolver uma metodologia de análise mais elaborada e discriminando uma maior variedade de critérios, que permitem fazer uma avaliação fina e rigoro-

sa das dinâmicas interactivas, atendendo à complexidade do fenóme- no.

2.3.3.4. A argumentação e o pensamento crítico como com-