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QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICO

2.3 Acerca da construção da inteligência e do conhe cimento

2.3.2. Vygotsky e a educação: O interaccionismo em acção

2.3.3.2. Intersubjectividade e linguagem

Um dos principais elementos que influencia a eficácia de uma interacção social é a representação que cada um dos interlocutores constrói sobre a situação de interacção. Neste sentido, à situação de interacção vivida pelos diferentes interlocutores é atribuída um signi- ficado diferente de acordo com as expectativas criadas, com as vivên- cias anteriores, com o meio sociocultural de origem dos interlocutores, bem como das perspectivas e valores que eles defendem. Desenvolve- se, então, uma “actividade de partilha, visando exprimir simbolica- mente uma realidade de forma mutuamente compreensiva, que cria a significação do objecto” (Rijsman, 2001, p. 224). Assim, esta activida- de de partilha contribui para que as aprendizagens, os saberes e as situações sejam construídas e negociadas socialmente (Lave, & Wen- ger, 1991), no que se constitui como a existência de uma intersubjec- tividade comum (Rommetveit, 1979; Wertsch, 1991) entre os interlo- cutores no processo interactivo. O processo interactivo requer o esta- belecimento de alguma intersubjectividade entre os interlocutores, de modo a tornar possível a obtenção de algum grau de compreensão mútua da tarefa e dos discursos, pois de outra forma a interacção tornar-se-á ineficiente, como nos referem Tudge e Rogoff (1995):

“Nem o conflito cognitivo, nem a solução conjunta de um problema poderiam servir para aumentar as capacidades da criança ou alterar um ponto de vista, a menos que os interlocutores estabeleçam algum grau de intersubjectividade e dêem oportunidades à troca de ideias, para a observação activa ou o envolvimento conjunto numa tarefa” (p. 126).

São necessários ajustamentos recíprocos entre os interlocutores de uma interacção na busca do que Gee e Green (1998) referem como sendo a intertextualidade. Segundo estes autores, quando os indiví- duos se envolvem em situações que envolvem interacções verbais, lei- tura ou escrita estão continuamente a tentar construir relações inter- textuais, isto é, relações que permitem partilhar significados com o outro, mesmo que este outro esteja ausente, pelo que não se torna necessário que os indivíduos estejam em situação de co-presença para se estabelecer o diálogo (Grossen, 1999).

Nos discursos elaborados há uma co-construção contínua de significados, mesmo quando se assume uma posição mais passiva, que leva um indivíduo apenas a ouvir. As significações que cada indi- víduo atribui são objecto de uma co-construção em que cada sujeito é levado a interpretar o discurso do outro (Grossen, 1999), o que faz com que uma afirmação, uma ordem, uma questão, um texto possam não ter o mesmo significado num determinado contexto socialmente construído (Rommetveit, 1979). Assim, de acordo com este autor, entre os interlocutores de uma interacção deve haver uma partilha de intersubjectividade, pois há um reconhecimento de que as palavras e os diálogos são dependentes do contexto, que é negociado, construído e modificado pelos interlocutores, pelo que a comunicação nunca deve ser considerada como uma simples troca de informação entre os parti- cipantes de um processo interactivo. O significado das palavras é estabelecido dialogicamente (Bakhtin, 1981), sob a influência do con- texto construído durante o processo interactivo (Lemke, 1997), tradu- zindo-se numa partilha intersubjectiva entre os interlocutores, onde todos têm voz e permitindo a “compreensão conjunta de um tema por parte das pessoas que trabalham juntas e têm em conta os pontos de vista de um e do outro” (Tudge, & Rogoff, 1995, p. 106).

A linguagem é um instrumento essencial na estruturação do pensamento (Vygotsky, 1997). É usando-a que se estabelecem as inte- racções sociais entre os indivíduos e que comunicamos com o mundo. Numa abordagem sócio-cognitiva e dialógica (Bakthin, 1981), o estudo

da linguagem e da mente reflecte uma concepção do mundo multidi- mensional e apenas parcialmente apropriado. Assim, nesta perspecti- va, o significado linguístico é aberto, dinâmico e construído num pro- cesso de comunicação dialógica ou, como refere Lemke (1997), uma palavra ou um gesto não têm significado, pois este tem que ser “elabo- rado ou construído por alguém, de acordo com uma série de conven- ções” (p. 199, itálico no original), dependendo das circunstâncias e da experiência prévia do indivíduo.

A linguagem em Ciência é de fundamental importância (Lemke, 1997; Wellington, & Osborne, 2001), devendo mesmo, ser um dos focos do ensino da ciência, pois o conhecimento científico é traduzido em linguagem. Assim sendo, “o domínio de uma matéria especializada como a Ciência é em grande medida o domínio das suas formas espe- cializadas de utilização da linguagem” (Lemke, 1997, p. 37). Os alunos devem contactar com a linguagem usada pela Ciência, que apresenta aspectos particulares: utiliza muito a voz passiva, verbos de relação abstracta como “ser”, “haver”, “representar” em vez de verbos de acção; utiliza formas idiomáticas preferidas como a analogia e padrões retóricos, como tese-evidência-conclusão, apenas para referir alguns (Lemke, 1997). No entanto, para apropriarem a linguagem da Ciência, os alunos devem ter oportunidade de a usar, através da escrita e do diálogo. Assim, no ensino das ciências, é de primordial importância levar os alunos a resolver tarefas que envolvam o uso de linguagem científica, já que esta é uma das maiores dificuldades na aprendiza- gem da ciência e que é, por norma, menosprezada pelos professores, que consideram ser esta uma questão marginal, quando comparada com a aprendizagem dos conteúdos científicos (Wellington, & Osborne, 2001), apesar de não parecer ser possível separar a linguagem dos conteúdos. Estes autores defendem que é fundamental levar os alunos a desenvolver trabalho colaborativo, pois aprender ciência é aprender a lidar com palavras que têm significados partilhados pela comunida- de científica, pelo que os significados em Ciência, antes de serem impessoais, têm um carácter interpessoal:

“Como parte da aprendizagem em ciência é importante para os alu- nos explorarem as suas visões e as dos outros para desenvolverem a sua linguagem científica e o pensamento autónomo. Para lá che- garmos é necessário dar oportunidades aos alunos para praticar competências sociais de comunicação e colaboração” (Wellington, & Osborne, 2001, p. 39).

De acordo com esta perspectiva, parece que um dos maiores desafios para os professores é criar condições que facilitem o estabele- cimento de intersubjectividade entre os alunos, e entre eles e os alu- nos, que facilite a apropriação de conhecimentos científicos e a mobili- zação e desenvolvimento de competências que promovam a utilização da linguagem científica, contribuindo para a formação de cidadãos cientificamente literados.