• Nenhum resultado encontrado

QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICO

2.1 Acerca do ensino das ciências

2.1.2 Literacia científica

Se uma das principais finalidades do ensino das ciências é a formação de cidadãos responsáveis e conscientes para uma participa-

ção activa no seio de uma sociedade em que os avanços científicos e tecnológicos são galopantes, então a necessidade de incrementar a cultura científica dos indivíduos deverá tornar-se uma prioridade dos sistemas de educação. A cultura científica tem sido, frequentemente, designada como literacia científica ou alfabetização científica na comunidade de investigação em didáctica das ciências.

Nos últimos anos, temos ouvido, com alguma regularidade, os meios de comunicação social referirem-se a alguns estudos que pre- tendem avaliar a literacia da população portuguesa. Os resultados desses estudos, que têm sido desenvolvidos a nível nacional e interna- cional, teimam em indicar que somos um país em que há “uma con- centração acentuada da população (...) nos níveis mais baixos de lite- racia” (Gomes et al., 2000). Estes estudos têm-se dedicado a avaliar a literacia da população portuguesa, em termos gerais, orientando-se por uma concepção de literacia que refere tratar-se da “capacidade de processamento, na vida diária (social, profissional e pessoal), de informação escrita de uso corrente, contida em materiais impressos vários (textos, documentos, gráficos)” (idem). Esta noção remete a ava- liação da literacia para um contínuo de competências processuais e transversais, desenvolvidas independentemente dos contextos sócio- culturais contemporâneos em que se inserem os indivíduos. Os resul- tados traduzem-se em diferentes níveis de literacia com diversos graus de dificuldade. No referido estudo, a avaliação final do nível de litera- cia dos indivíduos não se baseou nas habilitações académicas que eles possuíam. O conceito de literacia encerra em si mesmo uma perspec- tiva dinâmica, pois as competências de uma população em diferentes domínios têm tendência para ir evoluindo, por via do desenvolvimento das capacidades e competências dos cidadãos.

Outros estudos mais específicos têm vindo a ser realizados à população escolar de diferentes níveis etários, a fim de avaliar a litera- cia científica. De facto, estudos como o TIMMS e o PISA têm por objec- tivo avaliar o desempenho dos alunos em Ciências e Matemática. O primeiro desses estudos foi aplicado em 41 países e a cerca de meio

milhão de alunos dos mesmos anos de escolaridade (7º e 8º anos), tendo consistido na realização de testes e de tarefas experimentais e na aplicação de questionários a diferentes agentes educativos. O PISA pretende efectuar uma avaliação da literacia científica dos alunos com 15 anos, preocupando-se em determinar se o ensino das ciências está a preparar, em termos de competências e capacidades, os futuros cidadãos para uma participação social activa, (OECD, 2000), isto é, se “a experiência na escola culminou na compreensão dos processos científicos e na capacidade de aplicar conceitos científicos que os capacitem para tomar decisões” (Ramalho, 2001).

Em qualquer um dos estudos referidos se constatou que os resultados internacionais não são muito diferentes dos obtidos em estudos nacionais, no que concerne à avaliação da literacia. Assim, os resultados médios dos alunos portugueses, no estudo PISA, são preo- cupantes, pois são bastante inferiores aos da média atingida entre os países da OCDE, sendo os melhores e piores resultados obtidos pelos estudantes portugueses, em literacia científica, inferiores a esse valor. Em relação ao TIMMS, verifica-se algo de semelhante, visto que entre os países europeus, Portugal foi dos que se classificou nos últimos lugares, tendo 78% dos alunos do 7º ano e 72% dos alunos do 8º ano situado-se abaixo da média dos padrões internacionais, isto é, abaixo dos 50%, sendo que apenas 1% dos alunos ficaram acima do percentil 90 (Ministério da Educação, s/d). Atendendo aos resultados obtidos pelos estudantes portugueses, e apesar das críticas que se possam elaborar a este tipo de estudos (pois há quem advogue que os contex- tos sócio-culturais têm grande influência nos resultados e que sendo os itens construídos para avaliar a literacia científica, idênticos para todos os países, não se poderá efectuar com fidedignidade uma com- paração dos resultados obtidos) estes dados não deixam de ser preo- cupantes, particularmente se atentarmos que o objectivo do PISA não é tanto avaliar os conhecimentos científicos dos estudantes, mas sim avaliar competências dos alunos de 15 anos, independentemente dos programas escolares (Harlen, 2002).

Associado ao que se pretende avaliar através deste tipo de estu- dos está uma determinada concepção de literacia científica. De acordo com o estudo do PISA desenvolvido pela OCDE, entende-se por litera- cia científica:

“A capacidade de usar conhecimentos científicos, de reconhecer ques- tões e para tirar conclusões baseadas em evidências, de forma a com- preender e a apoiar a tomar decisões acerca do mundo natural e das mudanças efectuadas através da actividade humana” (OECD, 2000, p. 10).

Este conceito compreende três aspectos: os processos científicos que envolvem conhecimentos científicos; conceitos científicos, cuja compreensão é avaliada; e a importância dos contextos de apresenta- ção das tarefas (OECD, 2004). Na avaliação da literacia científica, estes três aspectos aparecem interrelacionados.

Apesar de ser uma concepção intimamente relacionada com as finalidades do ensino das ciências defendida, há anos, por alguns autores, conforme referido anteriormente, não se pense que se trata de um conceito consensual. Há muito tempo que se vem tentando, sem sucesso, encontrar um acordo, no seio da comunidade de investi- gadores que trabalham na área do ensino das ciências, em relação à definição de literacia científica. Isso mesmo nos é dado a conhecer no trabalho desenvolvido por Kemp (2002). Este investigador realizou um estudo em que se pretendia examinar criticamente o conceito de lite- racia científica entre um conjunto de especialistas em educação em ciências. Foram entrevistados nove especialistas, tendo o investigador concluído que, apesar de algumas coincidências em termos de dimen- sões que devem constar da definição de literacia científica, há muitas diferenças, por exemplo, em termos da ênfase dessas mesmas dimen- sões na construção do referido conceito, conforme referiremos adiante.

Também Valente (2002), nos refere que “é difícil encontrar uma definição (...) uns dão mais peso à informação, ao saber procurá-la, interrogá-la, lê-la, outros mais à habilidade de pensar, outros a de se

capacitarem para uma discussão”. Segundo esta autora, a situação torna-se ainda mais complexa, se perguntarmos como se manifesta a educação científica, ou como a podemos medir.

Apesar de ser um conceito polémico, parece existir um consenso genérico: a inexistência de uma definição que satisfaça a comunidade científica em relação ao que se entende por literacia científica ou alfa- betização científica. Alguns autores (Chagas, 2000; DeBoer, 2000) atribuem a Baily, em 1957, e a Paul Hurd, em 1958, a utilização do termo literacia científica, pela primeira vez, em publicações escritas, sem que, no entanto, tivessem desenvolvido uma definição precisa para o termo. Há, no entanto, quem refira a década de 40 (Valente, 2002), como aquela em que o termo é utilizado originalmente num documento escrito. Num artigo, publicado pela Revista Educational Leadership, Hurd (1958) discutiu o significado a atribuir ao termo e caracterizou o que deveria ser um indivíduo cientificamente literado, atendendo às mudanças que ocorriam em plena década de 50, do século XX (nomeadamente devido ao grande impacto que causou o lançamento do Sputnik) pela então União Soviética, em 1957. De acordo com este autor, deveria existir uma mudança na ênfase do ensino das ciências que permitisse aos cidadãos actuar de acordo com as mudanças que iam ocorrendo.

No final dos anos 50 e durante a década de 60, do século pas- sado, a sociedade interessou-se pelos avanços científicos e tecnológi- cos que permitiram a exploração espacial. Assim, no período pós- guerra, definiu-se como propósito do ensino das ciências levar os cidadãos a compreenderem o empreendimento científico, de forma a impulsionar as responsabilidades cívicas que emergiram a seguir à 2ª Guerra Mundial, para além de proporcionar o desenvolvimento pes- soal dos indivíduos, ajudando-os, simultaneamente, a adaptarem-se a um mundo em mudança (DeBoer, 2000). Foi com esta finalidade que surgiu, nesse período, nos meios académicos e científicos, o conceito de literacia científica, que direccionou, na época, o ensino das ciên- cias, para a aprendizagem de factos e conceitos científicos, com o

objectivo de preparar os futuros cientistas, descontextualizando as aprendizagens, ou seja, menosprezando um ensino das ciências mais dirigido para a compreensão de situações do dia-a-dia dos cidadãos (Canavarro, 1999; Hurd, 2002).

Desta forma, o conceito de literacia científica aparece intima- mente associado às preocupações da sociedade norte-americana em relação aos avanços científicos e tecnológicos dos soviéticos, na déca- da de 60, do século XX. Em 1966, Pella, O’Hearn e Gale, tentam cono- tar o termo literacia científica com a compreensão de conceitos cientí- ficos básicos, da natureza da Ciência, das implicações éticas na acti- vidade dos cientistas e das interrelações entre a Ciência e a sociedade, entre a Ciência e as humanidades e a distinção entre Ciência e Tecno- logia (Chagas, 2000; Hodson, 2003), no que consideramos ser um conceito bastante ambicioso e inovador para a época, atendendo às vozes que se levantavam em defesa de uma aprendizagem mais dirigi- da para a aquisição de factos, conceitos e esquemas conceptuais.

No final da década de 70 e durante os anos 80, do século XX, o conceito de literacia científica ganha novo fôlego, com o desenvolvi- mento económico de alguns países asiáticos, nomeadamente, o Japão. Simultaneamente, volta a dar-se ênfase a um ensino das ciências que valorize a ligação ao real e a aplicação na vida diária dos indivíduos, numa perspectiva de desenvolvimento de currículos e práticas peda- gógicas promotoras de uma aprendizagem das ciências para todos os indivíduos – “Ciência para Todos”. Em 1975, Shen fracciona o concei- to de literacia científica em três categorias: prática, atendendo à utili- dade para os cidadãos; cívica, fundamental para a participação activa dos cidadãos na sociedade; cultural, relacionada com o desenvolvi- mento do património intelectual relativo à construção dos conheci- mentos científicos (Costa et al., 2002). Daí que, como nos diz DeBoer (2000), ao longo dos anos 70 e 80, do século XX, a literacia científica tenha sido identificada com o desenvolvimento da Ciência no seu con- texto social. Assim, em 1982, de acordo com a National Science Tea- ching Association (NSTA), a finalidade do ensino das ciências é o

desenvolvimento da literacia científica, através da qual os cidadãos devem: compreender de que forma a Ciência, a Tecnologia e a socie- dade se interrelacionam; ser capazes de utilizar os conhecimentos científicos na tomada de decisões em relação a situações do quotidia- no. Surgem assim, nos Estados Unidos da América (EUA), durante o final dos anos 70, do século passado, tendo-se prolongado pelos anos 80, os currículos CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade), com os quais se pretende reforçar a relação entre estes três domínios (Chagas, 2000), e que apenas chegariam à Europa cerca de uma década mais tarde.

Em 1985, ano de passagem do cometa Halley pela Terra, ini- ciou-se nos EUA, o Projecto 2061, designado como “Ciência para Todos”, desenvolvido pela American Association for the Advancement of Science (AAAS), e que continua ainda hoje em desenvolvimento. Este projecto de reforma da educação em ciências tenta determinar o que será fundamental para uma literacia científica para a próxima gera- ção, pretendendo assim clarificar os objectivos do ensino das ciências (AAAS, 1989). Assim, um indivíduo literado cientificamente é aquele que reconhece e compreende que “a Ciência, a Matemática e a Tecno- logia são empreendimentos humanos interdependentes, com potencia- lidades e limitações; compreende conceitos chave e princípios científi- cos; se familiariza com o mundo natural” (Hodson, 2003) e utiliza conhecimentos e processos científicos na abordagem de questões sociais e pessoais (Chagas, 2000). Determinava-se, desta forma, que a literacia científica era essencial para o futuro bem-estar pessoal, inte- lectual, social e económico de todos os alunos (Blahey, Campbell, Fensham, & Erickson, 2002). De acordo com Valente (2002), em 1988, John Miller, um dos responsáveis pela elaboração dos questionários aplicados nos EUA, promovida pelo National Science Foundation (NSF), e na Europa, para a avaliação da literacia científica, fez uma distinção entre literacia científica cívica e literacia científica prática, conside- rando três dimensões: o domínio de vocabulário científico básico e de conceitos científicos, a compreensão da natureza e do processo inves- tigativo e algum nível de compreensão do impacto da Ciência e da

Tecnologia na sociedade. Aquele autor reduz a literacia científica cívi- ca às duas primeiras dimensões referidas e foi criticado pela ênfase que atribuiu aos conhecimentos formais em vez de aludir a competên- cias processuais.

Mais recentemente, em 1996, Gee (DeBoer, 2000) defendeu que a literacia científica envolve o tornarmo-nos familiarizados com as palavras, as acções, os valores e as crenças dos cientistas, com os seus objectivos e actividades comuns, e com o discurso das Ciências. Para que tal possa ser alcançável é necessário desenvolver práticas críticas e reflexivas (Osborne, 2000). Na década de 90, do século pas- sado, discutiu-se sobre as possíveis implicações que as concepções sobre literacia científica poderiam ter nos currículos de Ciências. Nos EUA, o National Research Council (NRC) publica os National Science Education Sandards, tendo por base uma perspectiva de uma educa- ção em ciências para todos, perspectivando um ensino das ciências que promova o desenvolvimento da literacia científica para os cida- dãos do século XXI (NRC, 1996).

De acordo com este documento, entende-se por literacia científi- ca “o conhecimento e compreensão de conceitos científicos bem como dos processos necessários para a tomada de decisões a nível pessoal, para a participação em assuntos cívicos e culturais e ainda para a produtividade a nível económico” (NRC, 1996, p. 22). Assim, conside- ra-se que uma pessoa literada em Ciência é capaz de: questionar e responder a questões do quotidiano que a curiosidade lhe despertou; de descrever, explicar e prever fenómenos naturais; interpretar artigos de divulgação científica publicados na imprensa e em revistas de divulgação científica e discutir a validade das conclusões aí apresen- tadas e das metodologias utilizadas; identificar questões científicas que estão subjacentes a decisões nacionais e locais; assumir posições fundamentadas em conhecimentos científicos e tecnológicos; avaliar a qualidade da informação científica com base nas fontes utilizadas e nos métodos seguidos; propor, avaliar e desenvolver uma argumenta- ção fundamentada em evidências científicas.

Também a AAAS, no início dos referidos anos 90, produziu documentos organizadores dos currículos do ensino não superior, de que se destacam os Benchmarks for Science Literacy (AAAS, 1993). Estes documentos, que foram elaborados por especialistas de diversas áreas científicas, explicitam os princípios que devem orientar os dese- nhos curriculares, as práticas pedagógicas, a formação de professores, a concepção de recursos didácticos (com destaque nomeadamente para os livros de texto) e o projecto educativo de escola. A produção destes documentos, entre outros, levou alguns autores como Hodson (2003) e Aikenhead (2002) a afirmar que a partir dos anos 90, do século XX, passámos a viver na era da literacia científica como slogan. Assim, nessa altura, o que interessava era desenvolver currículos e práticas pedagógicas que promovessem o desenvolvimento científico, ainda que o consenso sobre o significado preciso de literacia científica teimasse em não aparecer.

No final da década de 90, mais precisamente em 1997, Bybee também defende esta perspectiva, afirmando que o slogan da literacia científica tem a finalidade de apoiar mais e melhores práticas pedagó- gicas no ensino das ciências. Para este autor não existe a dicotomia do ter ou não literacia científica. Antes, existe um continuum entre a ausência e a presença de competências de literacia. Como diz Valente (2002), “há diversos graus e que não se trata tanto de uma questão dicotómica, isto é, de ter ou não ter literacia científica, mas antes uma questão de maior ou menor grau”. Aquele autor propôs, neste proces- so de gradação, cinco níveis diferentes de literacia científica e tecnoló- gica - iliteracia; nominal; funcional; conceptual e processual; multidi- mensional – sendo que o último grau é o que exige um maior desen- volvimento, no qual o indivíduo deve ser capaz de compreender as qualidades únicas da Ciência, conhecer a história e a natureza das disciplinas científicas, compreendendo a Ciência e a Tecnologia num contexto social. Esta proposta refere ainda que, para diferentes áreas do conhecimento, em distintos contextos, os indivíduos estão habilita- dos com diferentes níveis de literacia científica e tecnológica.

Mais recentemente, têm surgido novas propostas sobre a noção de literacia científica e o que se considera ser um indivíduo científica e tecnologicamente alfabetizado. Já atrás nos referimos a um estudo desenvolvido por Kemp (2002), no qual é apresentado um outro tipo de classificação de tipos de literacia científica. Este autor constatou, através da sua investigação, que os especialistas em didáctica das ciências desenvolveram diferentes perspectivas em relação ao conceito de literacia científica. Assim, e de acordo com a análise dos dados da investigação realizada, Kemp (2002) estabeleceu três categorias: lite- racia científica pessoal, que promove a aprendizagem de conceitos numa perspectiva de desenvolvimento individual; literacia científica prática, em que se salientam aspectos processuais e procedimentais da Ciência para uma aplicação prática e cívica na vida dos indivíduos; literacia científica formal, que resulta de um compromisso entre os dois tipos anteriores. Este autor refere a dificuldade em operacionali- zar este conceito, atendendo à sua complexidade, que se revela na dis- tribuição de diferentes elementos atribuídos à literacia científica: dimensão conceptual (relacionada com conhecimento e compreensão de conceitos científicos e das relações entre a Ciência e a sociedade); dimensão processual (em que assumem importância os procedimentos e capacidades para a aquisição de informação; usar Ciência no quoti- diano e para fins sociais e cívicos; descodificar a comunicação em Ciência); dimensão afectiva (compreendendo variados atributos rela- cionados com as emoções, atitudes, valores e disposições, sendo os mais frequentemente citados, ‘valorizar a Ciência’ e ‘manifestar inte- resse pela Ciência’).

As dificuldades que se têm levantado, ao longo das últimas décadas, para definir de uma forma precisa e consensual o conceito de literacia científica, têm gerado um coro de vozes críticas. De entre as que mais se têm feito ouvir encontramos Shamos (1995) e Hodson (2003). Estes autores têm referido a inutilidade de se continuar a insistir em definir literacia científica, afirmando que essa questão já deveria ter sido ultrapassada com a construção de outras concepções,

porventura mais úteis, como a de aptidão científica (scientific capabi- lity) (Hodson, 2003).

Em 1995, Shamos foi um dos autores mais críticos em relação ao conceito de literacia científica. Este autor refere que se trata de um conceito mistificado e completamente desnecessário, até pela inexis- tência de consenso no seio da comunidade científica, o que faz com que haja diversos significados para o mesmo conceito. Segundo ele, os indivíduos conseguem sobreviver, sem dificuldades, na ignorância de conhecimentos científicos ou podem ter acesso a esses mesmos conhecimentos, sempre que disso tenham necessidade. Assim, os esforços realizados para atingir a literacia científica são inúteis e implicam gastos de recursos valiosos, pois se, por um lado, as ques- tões societais que podem envolver os alunos em processos de aprendi- zagem profícua têm pouca Ciência associada, por outro lado, a com- plexidade dos conhecimentos científicos é de tal forma elevada que se tornam inacessíveis à compreensão da maioria dos estudantes.

Nesta sequência, Shamos (1995) defende que os especialistas deveriam ter a responsabilidade de aconselhar os cidadãos em ques- tões societais, desenvolvendo neles uma consciência científica (scienti- fic awareness). Na sua proposta, os currículos de ciências deveriam ser essencialmente centrados na tecnologia, pois esta é mais útil em termos práticos, atendendo a que a Ciência é demasiadamente abs- tracta. Assim, os conteúdos científicos a abordar deveriam ser os estritamente necessários para exemplificar a natureza da Ciência e os seus processos. De acordo com a proposta de Shamos (1995), a litera- cia científica deveria significar: estar consciente em relação ao funcio-