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As mulheres gastam demais! Parece que as mulheres, mais do que os homens, têm a tentação de gastar. Talvez seja porque são elas que fazem as compras para a casa, ou porque tenham uma fraqueza toda especial por vitrinas bem arrumadas. O certo é que os comerciantes consideram as mulheres grandes compradoras.

Os maridos costumam reclamar contra esse desejo de gastar, que é tão próprio do sexo feminino e que acarreta tantos prejuízos para a família. No entanto, se atentarmos bem, as mulheres não gastam tanto assim e, se o fazem, é por necessidade. As aspirações de toda a família encontram eco no coração solícito da mãe extremada. (LISPECTOR, 2006, p.77).

Na crônica Eva e o dinheiro vemos a representação da mulher na figura bíblica da matriarca das mulheres: Eva. Nesta releitura do paraíso, ela

esta está situada em outro contexto do universo, onde, agora, faz as escolhas das compras, define o que o marido deve usar, compra os presentes que estão sendo a coqueluche da cidade, e percebe a alegria no rosto do filho por ver a mercadoria saindo do balcão diretamente para as mãos da compradora: a mãe. Diferentemente do dito shakespeariano, na tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, a célere frase ‗ser ou não ser, eis a questão‘, agora passa a passa a ser: ‗comprará ou não comprará, eis a questão‘, favorecendo essa nova tendência. Onde estaria o ser é a pergunta que fica. Mas, diante disso, neste campo de idealizações voltado para o universo das compras pessoais e familiares a figura feminina também entra na construção do jogo da vida para equilibrar as finanças em função de todo poder de compra tão desenvolvido e disseminado pela mídia.

É notável também nessa utilização da literatura associada a uma visão mercadológica da comunicação a possibilidade de abertura para um entrave entre as classes sociais e gêneros, pois a luta pela mobilidade social que passa a ser mais evidente para as pessoas menos favorecidas e o universo simbólico é posto em destaque às de melhores condições. Como marca d‘água que permeia o fundo do contexto das mudanças que aconteceram em torno do tema consumo, vemos na História do nosso país, mais precisamente em meados do século XIX, o início de uma estimulação para a crônica voltada para o desejo do consumidor.

Segundo VOLPI (2007, p.77) os cronistas comentavam os trajes das damas da alta classe social do Rio de Janeiro, e divulgavam as novidades do momento, entre elas a televisão, não esquecendo que ela, a TV, viria para auxiliar também no trabalho realizado dentro de cada lar pela figura feminina. Foram postos em destaque temas como a eletricidade e os novos objetos, tais quais o ferro elétrico, as panelas de pressão e alumínio, a máquina de lavar roupa e o ar condicionado.

Nesta linha de pensamento voltada para a inovação tecnológica podemos fazer a seguinte indagação: estaria Clarice Lispector propondo temas no jornal que poderiam ser veiculados também em mídia televisiva? É possível que sim. Sabemos que os programas televisivos voltados para o público feminino sofreram influência da linguagem feminina divulgada, a princípio, nos jornais.

Não citando só os textos de Clarice Lispector, mas a escritura jornalística ditada pela mulher foi uma espécie de ―medidor de audiência‖, que observa os temas de maior interesse e repercussão de forma roteirizada; e, a partir desse roteiro, faz com que o conjunto de texto do jornal possa chegar nos ambientes mais improváveis.

Todavia, o conselho dado ao público em questão é que antes de assistirmos à TV, é preciso aprender a ler e folhear o jornal. Dentro da perspectiva do novo e da novidade, a modernidade, juntamente com a tecnologia e os produtos eletro-eletrônicos passam a ser compreendidos como estabelecedores de uma agregação de valores para o sujeito feminino13.

Tal situação pode ser comparada ao discurso afirmado por BAUDRILLARD (2000) quando referenciamos a mulher diante do consumo. O referido autor retrata que na sociedade de consumo existe uma relação entre os valores dos produtos, principalmente no campo do simbólico, que nos leva a uma autonomia do significado em relação ao significante. A figura feminina passa a estar cada vez mais presente em meio aos avanços.

Os objetos comunicavam à mulher moderna que estava diante de uma mudança em torno da organização social; e, nesta linha de raciocínio, vemos um perfeito engajamento de Clarice Lispector com estes novos temas. Mas, era preciso antes de tudo a informação pois não bastava saber apenas que os objetos existiam. Era preciso o conhecimento para, a partir dele, adquirir-se o poder de compra, saber fazer as escolhas corretas, aprender como funcionam para conduzir o seu uso dentro de cada lar.

Na leitura das crônicas faz-se necessária a construção do conceito de lar sem pular etapas, passo a passo, tudo estudado para que possa caminhar juntamente com o momento novo do mundo moderno. Vemos em sua crônica o ambiente familiar onde a criança que não tem medo da energia coloca o dedo na tomada e se assusta ao sentir a energia oriunda da parede.

13 Segundo Moschis (1985), a família e, mais especificamente, os pais têm um papel

fundamental como agentes de formação dos seus descendentes como consumidores. Autores como Foxman, Tansuhaj e Ekstrom (1989) e Guest (1964) apontam para a importância da mulher na formação dos hábitos de consumo dos filhos.

Essa energia em prol da mudança de pensamento estava presente também em todo contexto social, e a figura feminina sensível precisava senti-la: