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Primeiro – antes de começar a faxina mais pesada, ela retira o esmalte das unhas, embebe as mãos com loção apropriada, e põe luvas velhas que mantenham a loção no lugar...

Segundo – antes de iniciar trabalhos que lidam com vapor d‘água – como cozinhar ou lavar roupa em água quente – ela passa um bom creme nutritivo no rosto...

Terceiro – aplica um tônico de cabelo que fica trabalhando pela sua beleza enquanto ela trabalha pela casa. (LISPECTOR, 2006, p. 56).

A mulher que estabelece o seu perfil de cuidadora do lar usufrui da mágica dos cosméticos e dos cheiros para consigo. Nas três situações expostas é determinante que ela passe por um ritual: retira os esmaltes, embebe as mãos com loção, põe luvas; desta forma, mostra o quão necessário é alinhar uma relação de cuidado com o próprio corpo.

Às vezes chega até a espalhar gema de ovo pelos cabelos estabelecendo os seus próprios testes e depois acaba tendo de lavar a cabeça, errando e acertando até chegar à medida certa imposta pelo social. Constrói um laboratório, onde os resultados construirão um alicerce para o próprio benefício5.

Quando retomamos as indagações de BENJAMIN (1996, p. 115), sobre sociedade e experiência, podemos relembrar a expressão do autor nos dizendo: ―qual o valor de todo nosso patrimônio cultural se a experiência não mais o vincula a nós?‖. Associamos que a própria cultura só passa a ter valor

5 Com isso, desenvolve um ritual de beleza compartilhado, sempre incentivando

para a aquisição do novo, tal o discurso de Johnson e Learned (2005) ao afirmar o discurso do consumo feminino como algo fantástico, uma verdadeira parceria do marketing, pois, apresentam uma capacidade incomparável de expressar como um produto ou serviço pode funcionar melhor para elas. É também passado que em discursos informais, a mulher tem o poder de ajudar as empresas a resolverem desafios, a planejarem produtos mais intuitivos e mais relevantes ou até criarem mensagens publicitárias que causem impacto.

se experimentada, e é esse o objetivo maior de Clarice, fazer valer cada momento de suas vivências em função do outro.

Lendo, a figura feminina passa a se enxergar como objeto de desejo, e se indaga entre o certo e o duvidoso. Neste percurso, muitas vezes o próprio ser não consegue distinguir quais são os limites para o corpo e para a alma, pois o corpo do outro é a sua maior referência e passa a ser o educador, mediante uma sociedade repleta de discursos ditatoriais e pecado.

Em meio a um contexto de dissimulações, o ser feminino percebe que as coisas contribuem para uma situação de encobrimento do real, onde as impressões valem mais do que o verdadeiro eu, dando lugar a um prazer pela aparência. Assim, os símbolos retratados são reforçados diante do contexto no qual estão imbricados. E é neste contexto de discernir qual o seu lugar no universo do simbólico pela reflexão, que destacamos a importância dos textos de Clarice Lispector.

Assim, quando por alguns momentos a mulher estabelece o processo de reflexão em torno de si, consegue mudar o rumo do século em função das suas próprias origens sociais. Inicia-se então o processo a partir da imagem do outro, partindo ao seu próprio corpo, abrindo um caminho para exalar o seu novo perfume para aqueles que buscam as variadas leituras, e que também desejam vivenciar os seus conhecimentos.

Lembra-nos com isso um pouco da Literatura Portuguesa pelas palavras das três Marias, instigando que as vozes das mulheres ―são para aqueles que nos amam pelos nossos limites de carne e de pele, de saber e de sentir, o contorno, a forma, é o que nos torna palpáveis e compreensíveis‖ (BARRENO; HORTA; COSTA 1980, p. 51).

A ação de sentir é uma maneira rápida para a percepção de novos conteúdos; e, para que as leitoras aprendam e depois repassem as informações adquiridas, se faz necessário ter o desejo de lidar com seus próprios sentimentos e com o aprendizado revelado. Ninguém poderia obrigá- las a desejar algo, nem a autora. Porém, o processo da leitura a envolve de tal modo, a fazer do hábito costumeiro da compra do jornal um prazer. Ela é posta mediante os estímulos literários e responde a essa demanda.

Não bastasse a pressão social, a competitividade do mundo também a expõe em meio à cultura. Diante disso, a falta de diálogos e afetos dentro da

sua própria casa, em função de um contexto tipicamente machista, nos faz indagar como a mulher conseguia se manter produtiva, tranquila e se tornar um ser livre e em constante mutação. Remete-nos assim à escritora Virgínia Woolf (1985) em sua obra Um teto todo seu discutindo as condições das mulheres da Inglaterra numa sociedade desigual.

Observamos nos textos de Clarice Lispector um processo de transferência de valores e de identificação; poderíamos nesta situação, lembrar dos princípios freudianos, sugerindo um modelo onde o indivíduo extrai as suas experiências a partir do conhecimento de outras pessoas, estabelecendo assim uma relação emocional. A mulher pode plenamente ser vista em alguns momentos como uma criança que quer aprender a andar; e, no momento em que dá o primeiro passo, ela os estende até as demais relações provocadas pelo social.

Conduzindo os seus passos, o ser feminino explora a realidade com intuito de chegar a um grau de maturidade antes não pretendido. Deste modo o fio condutor da leitura a direciona diante do pêndulo das emoções e do cognitivo de modo plenamente associado, compartilhando uma orientação valorativista, provocando relações de afetividade em função de um amadurecimento social6 para pessoas que talvez não conseguissem compreender o sentido das entrelinhas textuais.

O gradual avanço na leitura introduz um processo que compreende novas experiências textuais e reais, acrescentadas na relação autor/ leitor. A capacidade de enxergar a condição do outro promove, à medida que a leitura prossegue, novas maneiras de interação entre o autor e o leitor, solidificando uma possível convivência. Entretanto, a convivência é rodeada de mistério, fatores escondidos que são revelados aos poucos, um mistério provocado pelo

6 O autor Jaime Ginzburg no texto "Clarice Lispector e a razão antagônica", expõe a individualidade dos participantes da narrativa clariciana em um caminho de fragmentos. Mostra-nos as dificuldades enfrentadas pela sociedade brasileira e nela não podemos esquecer: a mulher. Leva-nos a uma reflexão a cerca do Brasil e a leitura, encaminhando-nos à pensar que uma boa parcela da população não chega a "ascender a uma subjetividade plena" (p. 95). Nos mostra que no construto literatura e sociedade, os tipos claricianos localizam-se a mercê do poder, assim, enfrentam a desumanização. Vemos Clarice "em favor do impacto do estranhamento" (p. 92), semelhante a Machado de Assis em Memórias póstumas. A autora assume o papel das pessoas despercebidas, mostrando num discurso plausível uma linguagem que aproxima as pessoas menos favorecidas.

texto, pela mensagem nova e pela leitura. Tal qual a expectativa de ver, ler e decifrar o papel escondido no fundo de uma garrafa que foi jogada ao mar, pois ele pode conter os encaminhamentos para se chegar ao tesouro perdido: