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3 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Art. 227 da Constituição Federal de 1988)

Considerando que o sustentáculo primeiro da ‘proteção social’ é o campo dos direitos, pensamos ser oportuno, inicialmente, discorrer sobre o direito à convivência familiar e comunitária, o qual é assegurado em lei tanto pela Constituição Federal (CF) de 1988, em seu artigo 227, quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), (Lei 8.069, de 13 de julho de 1999), em seu capítulo III, seção I, artigo19.

Através da Resolução 145, de 15 de outubro de 2004, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) aprovou a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) no sentido de efetivar as diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), bem como os pressupostos legais contidos na CF vigente.

No que diz respeito à aprovação da PNAS, enquanto política de proteção social (uma vez que se encontra no campo de ação da Seguridade Social) observa- se, como ponto principal, a (re)valorização da família, assegurando-lhe, como direito, a garantia à convivência familiar e comunitária.

A referida política pública, regulamentada pela Loas, é regida por princípios democráticos, dentre os quais se destaca:

Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como, à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; (grifo nosso) (POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2004, p. 33).

No que se refere aos objetivos da supracitada política, ressalta-se: “assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família e que garantam a convivência familiar e comunitária;” (grifo nosso) (POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2004, p. 34).

Ainda de acordo com a PNAS, “A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco através do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários” (grifo nosso) (POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 2004, p. 34).

No final do ano de 2004, foi instituído um grupo de pessoas de diversos setores, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), com o apoio do The United Nation Children Fund (Unicef) — Fundo às Crianças das Nações Unidas —, cuja tarefa principal era apresentar diretrizes políticas e um Plano de Ação nacional, que assegurasse o direito fundamental de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária.

O grupo buscou, igualmente, enfrentar, dentre os inúmeros desafios, o reordenamento de abrigos, assim como fomentar políticas públicas direcionadas à desinstitucionalização e à estruturação de propostas alternativas quanto ao abrigamento de crianças e adolescentes (PORTAL DO CIDADÃO - MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2005) o que culminou em 13 dezembro de 2006 com a aprovação do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

Como o próprio documento preconiza, este Plano “é o produto histórico da elaboração de inúmeros atores sociais comprometidos com os direitos das crianças e adolescentes brasileiros” (PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, 2006, p.19). Configura-se, portanto como um Plano que rompe com a cultura da institucionalização e procura fortalecer o paradigma da Proteção Integral da criança e do adolescente, bem como, a preservação dos vínculos com sua família de origem, constituindo-se num marco das políticas públicas em nosso país.

Na medida em que se esgotem todas as possibilidades de preservação dos vínculos familiares e no caso de ruptura desses, o Plano estabelece que

(...) o Estado é o responsável pela proteção das crianças e adolescentes, incluindo o desenvolvimento de programas, projetos e estratégias que possam levar à constituição de novos vínculos familiares e comunitários,

mas sempre priorizando o resgate dos vínculos ou, em caso de sua impossibilidade, propiciando as políticas públicas necessárias para a formação de novos vínculos que garantam o direito à convivência familiar e comunitária (PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, 2006, p.19).

Depreende-se, em relação aos aspectos supracitados, que existe um contexto legal e político voltado para a família e para a garantia da convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, foco deste estudo.

Quando mencionamos o direito à garantia da convivência familiar e comunitária, não nos referimos tão-somente ao fato de que crianças/adolescentes que estejam em situação de vulnerabilidade social tenham esse fundamento legal assegurado em relação às suas famílias de origem/extensas, mas também que o tenham assegurado em relação a possíveis alternativas de convivência em famílias substitutas, com as quais não tenham laços de consangüinidade.

Nesse contexto, entendemos que a convivência familiar não se configura apenas como um direito, mas, também, como uma necessidade básica da criança e do adolescente enquanto seres em desenvolvimento, conforme apregoa o ECA.

Mello aponta que “Esta necessidade será plenamente satisfeita se a convivência familiar corresponder a um ambiente que proporcione à criança cuidados necessários e condizentes a cada etapa do desenvolvimento...” (MELLO, 2003, p. 19).

Também Winnicott aponta essa idéia ao afirmar que “... quando o lar é suficientemente bom, é ele o melhor lugar para a criança se desenvolver” (WINNICOTT, 2001, p. 194).

Ao longo dos séculos, a família vem sofrendo transformações, e sendo influenciada pelo momento histórico em que foi instituída. Nesse processo, a coexistência de diversas configurações familiares é marca incontestável da contemporaneidade. Assim, novas formas de organização familiar se impuseram, dentre as quais, destacamos as famílias monoparentais, concubinas, recompostas ou reconstruídas, homoparentais, etc., e elas refletem, dessa maneira, as necessidades da sociedade na qual vivem.

Compartilho da concepção de Losacco de que a família é o “Locus

pela socialização, pela introjeção de valores e pela formação de identidade...” (grifo nosso) (LOSACCO, 2003, p. 64).

A família, considerada de direito para crianças e adolescentes, pode ser aqui compreendida enquanto aquele grupo de pessoas com as quais eles convivem, com laços de consangüinidade ou não, que age de maneira afetuosa, assertiva, emancipatória em relação aos seus membros e que constitue um espaço de referência para a construção de uma identidade positiva, lugar de desenvolvimento das organizações psíquicas e das vinculações sócio-afetivas.

Sawaia assinala que a eficiência da família “... depende da sensibilidade e da qualidade dos vínculos afetivos...” e que o ‘valor’ afeto, além de ser “sua principal característica” é também “a principal força que explica sua permanência na história da humanidade” (SAWAIA, 2003, p. 43).

Vitale aponta que, além da família, “o mundo social integra o processo de construção da subjetividade” (VITALE, 2003, p. 89), processo este chamado de socialização.

A mesma autora refere ainda que, muito embora a família não seja o único meio através do qual se possa trabalhar a socialização, ela se caracteriza como contexto privilegiado, por “ser o primeiro grupo responsável pela tarefa socializadora” (VITALE, 2003, p. 90).

Considerada como fundamental no processo de socialização, a família possibilita, através das relações intergeracionais, o aprendizado de sua dinâmica, a qual se movimenta no tempo (VITALE, 2003, p. 90), dentro de um dado contexto histórico.

Através das relações intergeracionais é que se propaga, se reproduz e se modifica o mundo social, sendo, as gerações, “portadoras de história, de ética e de representações peculiares do mundo” (VITALE, 2003, p. 91).

Berger e Luckmann destacam que a socialização primária não implica apenas o aprendizado de cognição, ou seja, de aquisição de conhecimentos, mas envolve “circunstâncias carregadas de alto grau de emoção” (grifo nosso) (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 176).

Assim, o processo de identificação infantil dá-se através da relação que a criança estabelece com os outros membros significativos, mediada por inúmeros estados emocionais (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 176).

Na medida em que ocorre a absorção, pela criança, dos papéis e atitudes das figuras essencialmente significativas para ela, instala-se a identificação, por meio da qual “a criança torna-se capaz de se identificar a si mesma, de adquirir uma identidade subjetivamente coerente e plausível” (grifo nosso) (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 177).

Esse percurso da construção identitária é aqui entendido como o processo de construção e reconstrução histórica, dentro de uma perspectiva dialética, em que “o indivíduo se identifica com os outros para ele significativos”, ocorrendo, “por assim dizer, a particularização na vida individual da dialética geral da sociedade...” (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 177). “Implica uma dialética entre a identificação pelos outros e a auto-identificação, entre a identidade objetivamente atribuída e a identidade subjetivamente apropriada” (grifo nosso) (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 177).

Os mesmos autores apontam ainda que, apesar de a criança não ser meramente passiva em seu processo de socialização “são os adultos que estabelecem as regras do jogo” (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 180). Depreende- se, daí, que, sendo os adultos os responsáveis diretos pelo processo de socialização da criança, cabem àqueles a opção menos danosa ao seu desenvolvimento biopsicossocial.

Em se tratando de crianças ou adolescentes em situação de vulnerabilidade social, por vezes necessariamente afastados de suas famílias biológicas, coloca-se com mais força a defesa dos seus direitos de convivência familiar e comunitária.

Valente afirma que:

São os contatos diários que vão formando a base de sua identidade e será através do relacionamento humano que ele passará a interiorizar sentimentos bons ou ruins que influenciarão de forma definitiva na sua maneira de ver e estar no mundo (VALENTE, 2004, p. 60).

Assim, entendemos que, se a família (seja ela biológica ou substituta) for suficientemente capaz de proteger, cuidar e promover o aprendizado de afetos, estabelecendo vínculos de pertencimento e proporcionando, aos seus membros, adequada convivência familiar e comunitária, a mesma poderá se constituir num espaço seguro para o desenvolvimento infantil sadio e, conseqüentemente, para a construção de uma identidade pessoal e social condizente com o meio em que vive.

Considerando a identidade como construção histórica pautada numa relação dialética (uma vez que se constrói e se movimenta no jogo de forças sociais), pensamos ser a família substituta uma forma de reprodução cultural da família biológica, que possibilita – sob o ponto de vista emancipatório – a transmissão de valores e a preservação das origens e da singularidade humana (unidade) dentro da diversidade dos membros que a constituem (princípio da unidade na diversidade).

Essa situação não é a mesma, quando se trata de abrigo. Ainda que o abrigo tenha sido criado com a finalidade precípua de proteger crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, “o abrigo não é uma família” (AROLA, 2000, p. 111), e, por melhores que sejam as condições oferecidas, sabe-se o quanto é difícil manter um relacionamento estreito, afetuoso e personalizado dentro de uma entidade que atende a uma gama diversificada de crianças.

Entendemos que a família substituta se insira nesse interstício entre a família biológica e o abrigo, e se configure como uma possibilidade legalmente viável e mais humanizadora do que o acolhimento institucional, assim como em um espaço alternativo e facilitador (tanto físico quanto emocional) de formação da identidade.

Devido ao seu caráter eminentemente coletivo e de rotatividade de seus cuidadores, as relações estabelecidas no abrigo, em geral, são superficiais e pouco afetivas, ao contrário do que se supõe que ocorra numa família responsiva, cujo principal traço distintivo consideramos ser o afeto.

Arola ressalta baseado em Guará (1998), que:

... Os abrigos têm uma preocupação excessiva pela “hotelaria” (hospedagem), esquecendo as outras funções dos contextos familiares, tais como relações afetivas, estímulo ao desenvolvimento e à autonomia, integração com a comunidade etc (AROLA, 2000, p. 97).

Quando Cole menciona a maneira como a separação dos pais influencia no desenvolvimento das crianças, afirma que:

Entre as crianças institucionalizadas, o risco é mais elevado para aquelas cuja separação está associada com a permanência nessa instituição, com a exposição aos cuidados de muitas pessoas diferentes e com um espectro aquém do ideal de experiências para o desenvolvimento esperado (COLE, 2003, p. 282).

Não intencionamos, aqui, fazer uma apologia ao cuidado familiar em detrimento do cuidado institucional, pois é óbvio que, assim como existem abrigos que efetivamente descumprem os preceitos estabelecidos no ECA não se preocupando com o desenvolvimento da criança ou adolescente abrigado, existem famílias pouco assertivas, inadequadas, e, por que não dizer, até mesmo abusivas. Acreditamos que essa seja uma realidade inexorável, da qual não podemos fugir.

Entretanto, consideramos também inegável o fato de se ter maiores chances na família para que se possa proporcionar um acolhimento mais afetuoso, com atenção individualizada, na qual se possam estabelecer relações de maior intensidade com os outros membros significativos, sem que o indivíduo seja tolhido em seu espaço pessoal e de privacidade.

Arola destaca segundo Fuertes Zurita e Fernández Del Valle (apud Ochotorena; Madariaga, 1993, p. 403), os principais riscos no abrigamento de crianças e adolescentes, como a dificuldade em atender às necessidades de cada um deles; os contatos com muitos adultos diferentes, o que impede que os infantes estabeleçam relações mais profundas e estáveis; a massificação e a despersonalização, que podem levar ao desconhecimento dos problemas, sentimentos e necessidades de algumas crianças; entre outros (AROLA, 2000, p. 94).

O mesmo autor acrescenta que “o abrigo tem de definir a sua identidade”, uma vez que este não se configura como uma família, nem como uma escola, “mas um contexto integrado a elas”, que só pode ser considerado como favorecedor de desenvolvimento se interagir e se integrar aos outros contextos (AROLA, 2000, p. 117). Sabe-se, no entanto, que, de um modo geral, essa integração não ocorre, ou, em caso positivo, quando acontece, se estabelece de maneira claudicante.

Cole aponta a existência de pesquisas com crianças criadas em orfanatos bem equipados e considerados de alta qualidade, os quais, apesar de serem assim classificados, não propiciavam “relacionamentos pessoais próximos entre adultos e crianças” devido à rotatividade e ao horário de trabalho dos funcionários (COLE, 2003, p. 284).

Bowlby destaca um estudo de Provence e Lipton que tece comparações entre bebês criados em instituição e outros criados em famílias, no decorrer do primeiro ano de vida. Partes dos resultados estão descritos a seguir:

Em suas reações às pessoas, as crianças na instituição diferiam acentuadamente das criadas com famílias. Mostraram-se lentas para diferenciar pessoas, não apresentaram sinais de estar desenvolvendo vínculo com uma determinada atendente, tampouco desenvolveram o sentido de confiança e nem procuravam auxílio de um adulto quando em dificuldades (grifo nosso) (BOWLBY, 2002, p. 208).

Vitale ressalta que “o mundo interiorizado na primeira infância através da socialização primária é fortemente mantido na consciência...” (VITALE, 2003, p. 90) o que nos remete à reflexão acerca da importância desse período do desenvolvimento infantil para o processo de construção da identidade.

Sabe-se que, na primeira infância, as crianças sofrem influências diretas de seus cuidadores, os quais além de lhes dizer “que elas são boas ou ruins, meninos ou meninas, negros ou brancos,...” eles igualmente “as ajudam a adquirir uma percepção de si mesmas, auxiliando-as na criação de uma narrativa pessoal sobre si mesmas” (COLE, 2003, p. 409).

Dentre as diversas teorias psicanalíticas, destacaremos a visão de Erikson, que possibilita uma melhor compreensão do processo de desenvolvimento humano relacionando-o com a identidade. Discípulo de Freud, Erik Erikson (1902- 1994) elaborou vários conceitos essenciais no contexto da teoria freudiana sobre o desenvolvimento, dentre eles, a relevância da primeira infância na formação da personalidade (COLE, 2003, p. 416). Cole descreve com precisão a relação de Erikson no processo da definição sobre a formação da identidade:

Ele afirmava que o principal tema da vida é a busca pela identidade, que ele concebia como o âmago estável da personalidade. A identidade, nos termos de Erikson, pode ser definida como um quadro mental relativamente estável da relação entre o eu e o mundo social nos vários contextos da socialização. Mas, ao contrário de Freud, Erikson enxergava a formação da identidade como um processo que dura a vida toda e passa por muitos estágios (COLE, 2003, p. 416).

Enquanto Freud propõe a existência de estágios psicossexuais do desenvolvimento humano que se findam na adolescência, Erikson refere-se à existência de oito estágios psicossociais do desenvolvimento, que vão desde o primeiro ano de vida até a velhice (COLE, 2003, p. 416).

A teoria eriksoniana sugere que existe uma “tarefa principal” a ser realizada pelo ser humano em cada estágio do desenvolvimento, à qual denominou

“crises”, uma vez que são consideradas como “fontes de conflito” no interior de quem as vivencia (COLE, 2003, p. 416).

Ainda com relação à identidade, Cole destaca que “o sentido de identidade é formado na resolução dessas crises, que são períodos de grande vulnerabilidade, mas também de um potencial elevado” quando surgem “novas maneiras de experimentar e interagir com o mundo” (COLE, 2003, p. 416).

O mesmo autor aduz que “essas potencialidades estão sendo continuamente moldadas pelos outros indivíduos que, por sua vez, são moldados por sua cultura e por suas instituições sociais” (COLE, 2003, p. 416).

Cole ressalta ainda que “segundo Erikson, o ciclo de vida de cada indivíduo se desdobra no contexto de uma cultura específica” e esta, por sua vez, “proporciona os instrumentos interpretativos e a forma das situações sociais em que as crises e resoluções devem ser elaboradas” (COLE, 2003, p. 416).

Entendendo que a formação da identidade seja fruto de uma demanda contínua de construção pessoal, dentro de um determinado contexto histórico e social, pensamos que a família (segundo uma concepção emancipatória e assertiva do termo) se caracteriza como essencial na evolução desse processo (desde que devidamente assistida em suas necessidades sociais), proporcionando ao indivíduo um espaço para que ele possa se desenvolver com segurança, de maneira saudável e cercado de afeto.

De acordo com a explicação psicossocial de Erikson, Cole destaca que, em relação ao primeiro estágio do desenvolvimento, o qual abrange o período do nascimento até o primeiro ano de vida, as crianças lidam com a questão da confiança, ou seja, aprendem a confiar ou a desconfiar de seus cuidadores, tornando-se “ligadas às pessoas que provêem, de maneira confiável, as suas necessidades e que, por outro lado, estimulam uma sensação de confiança” (COLE, 2003, p. 254).

Baseado em Erikson, Cole quando descreve a passagem de um estágio do desenvolvimento para o outro, comenta que “em geral durante o segundo ano de vida, eles deixam de ficar ansiosos durante separações breves, porque confiam que o seu cuidador vai voltar” (COLE, 2003, p. 254).

Refletindo sobre essa afirmação, pensamos que o caráter ansiógeno de uma criança institucionalizada se estende, ulteriormente, se ela for exposta, ainda

em tenra idade, à alta rotatividade de cuidadores, por períodos longos de abrigamento.

Muito embora Erikson caracterize a fase de adolescência como aquela na qual os jovens “estabelecem um sentido de identidade pessoal” ou “ficam confusos sobre quem eles são e o que querem fazer na vida” (COLE, 2003, p. 417), o mesmo autor defende que o desenvolvimento humano passa por estágios, ao longo de toda a existência.

Entendemos que a concepção de estágio englobe a noção de interdependência das diversas fases do desenvolvimento, não de modo linear, mas, sim, como parte integrante, dinâmica e totalizadora da formação e construção da identidade de um indivíduo.

Assim, a fundamentação do presente capítulo ocorreu em função da necessidade de correlacionar a convivência familiar e comunitária enquanto espaço continente de construção de uma identidade saudável, configurada, outrossim, como direito previsto em política pública de proteção social.

II PARTE: UMA ANÁLISE DO ACOLHIMENTO FAMILIAR NO ESTADO DE SÃO