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FAMÍLIAS ACOLHEDORAS: UM ESTUDO COMPARATIVO MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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Academic year: 2019

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FAMÍLIAS ACOLHEDORAS: UM ESTUDO COMPARATIVO

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP

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FAMÍLIAS ACOLHEDORAS: UM ESTUDO COMPARATIVO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob a orientação da Professora Doutora Myrian Veras Baptista.

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP

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FAMÍLIAS ACOLHEDORAS: UM ESTUDO COMPARATIVO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob a orientação da Professora Doutora Myrian Veras Baptista.

DATA: ______ / _______ / ___________

_________________________________________

__________________________________________

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À minha orientadora, Professora Doutora Myrian Veras Baptista pela maneira cuidadosa, carinhosa e paciente com que conduziu a orientação do presente trabalho.

À banca de qualificação pelas valiosas contribuições e sugestões oferecidas. À CAPES pela oportunidade de realização deste estudo.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social pela relação de respeito com que trata o corpo discente; aos professores pela maneira que compartilham o seu saber; e a Srta. Kátia Cristina da Silva pelo carinho incondicional com que sempre nos acolhe.

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito Diretor do Fórum da Comarca de Santos, os quais autorizaram a freqüência às aulas no período de realização do curso.

Aos Secretários das Secretarias de Assistência Social dos Municípios de Santos, Campinas e Franca por terem concedido autorização para a realização da pesquisa. Às coordenadoras dos Programas de Famílias Acolhedoras dos Municípios de Santos, Campinas e Franca, respectivamente, Maria Luiza Ferraz de Campos, Janete Aparecida Giorgetti Valente e Carla dos Reis Galvão Prazeres, por colaborarem diretamente na realização deste trabalho.

À Assistente Social do Fórum de Franca, Abigail Aparecida de Paiva Franco pelo profissionalismo e pelo acolhimento dado no decorrer desta pesquisa.

À Diretora de Divisão e à Diretora da Diretoria Técnica de Serviços de Apoio Administrativo às Áreas de Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social e Perícias Médico-Acidentárias do Fórum de Santos, pela compreensão do momento vivido.

A toda equipe da Seção Técnica de Psicologia e Serviço Social Judiciário do Fórum de Santos pela colaboração e pelo apoio durante estes dois anos de estudos.

Á Fausta A. O. P. de Melo e à Maria Natália O. P. B. Guerra pelas contribuições e pelo carinho.

Aos meus pais, pelo amor e pelo amparo.

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"Aos que têm paixões e que as tornam amores, os quais passam a guiar suas vidas”.

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RESUMO

CAMARGO, Vera Lúcia Kelemen. Famílias Acolhedoras: um estudo comparativo. 2007. Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. 223 p.

Neste trabalho, realizamos um estudo comparativo e qualitativo sobre três programas de Famílias Acolhedoras no Estado de São Paulo. O objetivo da pesquisa foi conhecer, para delinear e comparar os perfis dos citados programas, destacando a gênese, as peculiaridades e a abrangência de cada um deles. Além disso, o estudo visou ainda levantar as possibilidades e as dificuldades vivenciadas durante o processo de implementação, implantação e funcionamento dos programas. O que se revela, através desta pesquisa, é que há uma diversidade de propostas de programas de Famílias Acolhedoras, existindo, outrossim, alguns aspectos que são fundamentais para que os mesmos possam funcionar minimamente. Essa ausência de homogeneidade na maneira de ser desses programas, bem como, no modo de definir critérios para o seu efetivo funcionamento, não se configuram como aspectos negativos para a existência e permanência destes. Ao contrário, faz emergir pontos de vista, que apesar de, em algumas ocasiões serem divergentes, contribuem (respeitando-se as especificidades de cada programa) para a melhor qualidade do atendimento das necessidades de crianças e/ou adolescentes que estejam afastadas do convívio de suas famílias de origem. Assim, o que justifica a existência desses programas, em primeiro lugar, é a possibilidade de oferecer condições mais humanizadas e individualizadas de atendimento à crianças e adolescentes que estejam em situação de vulnerabilidade e/ou de risco social iminente, bem como, um acolhimento que se assemelhe nos aspectos positivos, ao que eles tinham junto às suas famílias de origem, garantindo o direito que estes têm à convivência familiar e comunitária.

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CAMARGO, Vera Lúcia Kelemen. Foster Families: a comparative study. 2007. Program of Postgraduate Studies in Social Services. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. 223 p.

In this work, we carry through a comparative and qualitative study on three programs of Foster Families, in the State of São Paulo, Brazil. The purpose of the research was to know, in order to delineate and compare, the profiles of the cited programs, by highlighting the genesis, the peculiarity and the comprehension of each one of them. Moreover, the survey aimed to raise the chances and the difficulties lived during the process of implementation, implantation and functioning of the programs. The research reveals that there is a diversity of proposals of programs of Foster Families and there are also some elementary aspects so that those programs may work minimally. The absence of homogeneity in the way of operating these programs, as well as in the way of defining criteria for their effective functioning, does not configure negative aspects for the existence and permanence of these initiatives. Although divergent, in some occasions, they contribute (respecting the specifications of each program) to improve the quality of the attendance to the necessities of children and/or adolescents who are moved away from the cohabitation with their families of origin. Thus, what justifies the existence of these programs, at first, is the possibility of offering humanized and individualized conditions of attendance to the children and adolescents who are under situations of vulnerability and/or imminent social risk, as well as fostering that is similar, in the positive aspects, to the ones they received from their families of origin, guaranteeing them the right to family and community life.

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FIGURA 1-FAMÍLIA DE ORIGEM. ...96

FIGURA 2-FAMÍLIA ACOLHEDORA. ...96

FIGURA 3-FOLDER PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS – PARTE 197 FIGURA 4-FOLDER PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS – PARTE 298 FIGURA 5-FOLDER PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS – PARTE 399 FIGURA 6-CAMPANHA DO PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS....100

FIGURA 7-AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO DE SANTOS...101

FIGURA 8-TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO DO PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS...102

FIGURA 9–LEI MUNICIPAL 2.177, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2003 ...103

FIGURA 10-EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA DO SAPECA– FOTO 1 ...126

FIGURA 11-EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA DO SAPECA– FOTO 2 ...126

FIGURA 12-EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA DO SAPECA– FOTO 3 ...127

FIGURA 13-EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA DO SAPECA– FOTO 4 ...127

FIGURA 14–REUNIÃO DE APRESENTAÇÃO DO SAPECA– FOTO 1 ...128

FIGURA 15-REUNIÃO DE APRESENTAÇÃO DO SAPECA– FOTO 2...128

FIGURA 16-QUADRO DA ARTISTA PLÁSTICA INGRID - PROGRAMA SAPECA ...129

FIGURA 17-FAMÍLIA ACOLHEDORA DO PROGRAMA SAPECA DE CAMPINAS...129

FIGURA 18-LOGOTIPO DO SAPECA ...130

FIGURA 19-PLACA DA SEDE DO PROGRAMA SAPECA ...130

FIGURA 20-FOLDER DO PROGRAMA SAPECA– PARTE 1...131

FIGURA 21-FOLDER DO PROGRAMA SAPECA– PARTE 2...132

FIGURA 22-FOLDER DO PROGRAMA SAPECA– PARTE 3...133

FIGURA 23-AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE CIDADANIA,TRABALHO, ASSISTÊNCIA E INCLUSÃO SOCIAL DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS...134

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...195 FIGURA 26–SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO HUMANO E AÇÃO SOCIAL ONDE FUNCIONA

A SEDE DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE FRANCA...195

FIGURA 27-FOLDER DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE FRANCA - PARTE 1 ...196

FIGURA 28-FOLDER DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE FRANCA - PARTE 2 ...197

FIGURA 29-AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO HUMANO E AÇÃO

SOCIAL DO MUNICÍPIO DE FRANCA...198

FIGURA 30-AUTORIZAÇÃO DA VARA DO JÚRI,EXECUÇÕES CRIMINAIS E DA INFÂNCIA E DA

JUVENTUDE DA COMARCA DE FRANCA...199

FIGURA 31–TERMO 1 DE CONSENTIMENTO INFORMADO DO PROGRAMA FAMÍLIA

ACOLHEDORA DE FRANCA...200

FIGURA 32–TERMO 2 DE CONSENTIMENTO INFORMADO DO PROGRAMA FAMÍLIA

ACOLHEDORA DE FRANCA...201

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CF Constituição Federal

CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

Conanda Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CPF Cadastro de Pessoas Físicas

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FMDCA Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

IEE-PUC-SP Instituto de Estudos Especiais - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP

Lacri-Ipusp Laboratório de Estudos da Criança do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Loas Lei Orgânica de Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome PNAS Política Nacional de Assistência Social

Sapeca Serviço Alternativo de Proteção Especial à Criança e ao Adolescente Seac Secretaria de Ação Comunitária

Seas Secretaria de Assistência Social

SEDH Secretaria Especial dos Direitos Humanos Sobem Sociedade do Bem-Estar do Menor

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INTRODUÇÃO ...13

I PARTE: APROXIMAÇÕES AO TEMA: O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ...23

1 DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE: A CRIANÇA E O ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE E RISCO...23

2 AS MUDANÇAS NA FAMÍLIA BRASILEIRA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS A ELA RELACIONADAS ...33

3 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ...44

II PARTE: UMA ANÁLISE DO ACOLHIMENTO FAMILIAR NO ESTADO DE SÃO PAULO: ESTUDO DE TRÊS PROGRAMAS...54

4 O PROGRAMA DE SANTOS ...54

5 O PROGRAMA DE CAMPINAS ...67

6 O PROGRAMA DE FRANCA ...77

7 ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE OS PROGRAMAS PESQUISADOS ...85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...89

ANEXO A – FOTOS DO PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS ...96

ANEXO B – FOLDER DO PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS ...97

ANEXO C – CAMPANHA DO PROGRAMA REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS ...100

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FAMÍLIAS ACOLHEDORAS DE SANTOS...104

ANEXO F – ENTREVISTA COM A COORDENAÇÃO DO PROGRAMA “REDE DE FAMÍLIAS ACOLHEDORAS” DO MUNICÍPIO DE SANTOS...111

ANEXO G – FOTOS DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE CAMPINAS ...126

ANEXO H – FOLDER DO PROGRAMA SAPECA...131

ANEXO I – DOCUMENTAÇÃO DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE CAMPINAS ...134

ANEXO J – RESOLUÇÃO Nº. 06/01 DE 22/10/2001 – CMDCA...136

ANEXO K – RESOLUÇÃO Nº. 27/03 DE 16/07/2003 – CMDCA ...140

ANEXO L – PORTARIA Nº 01/05 DE 22/10/2001 – CMDCA...144

ANEXO M – DETALHAMENTO DAS PRINCIPAIS AÇÕES DO PROGRAMA SAPECA - 2006 ...147

ANEXO N – PLANO DE AÇÃO DO PROGRAMA SAPECA...150

ANEXO O – FORMULÁRIOS UTILIZADOS PELO PROGRAMA SAPECA...153

ANEXO P – ENTREVISTA COM A COORDENAÇÃO DO PROGRAMA SAPECA DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS ...175

ANEXO Q – FOTOS DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE FRANCA...195

ANEXO R – FOLDER DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE FRANCA.196 ANEXO S – DOCUMENTAÇÃO DO PROGRAMA FAMÍLIA ACOLHEDORA DE FRANCA ...198

ANEXO T – LEI Nº 5.740, DE 22 DE AGOSTO DE 2002...202

ANEXO U – DECRETO Nº 8.189, DE 10 DE JUNHO DE 2003. ...205

ANEXO V – PORTARIA 01/98 DE 25/03/1998...209

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa foi elaborado a partir de reflexões oriundas da nossa trajetória profissional como Assistente Social do Judiciário, mais especificamente, na área da infância e juventude no Tribunal de Justiça da Comarca de Santos/SP, onde atuamos há 17 anos.

Embora o debate sobre o tema “família acolhedora” venha ocorrendo desde o século XIX, em países como a Inglaterra, no Brasil, tais estudos são mais recentes.

A discussão, em nosso país, sobre alternativas ao abrigamento de crianças e adolescentes abandonados e/ou que se encontram em situação de risco social iminente, é um tema bastante contemporâneo, e vem sendo alvo de análise, tanto de profissionais da área, quanto de diversos segmentos da sociedade. Já no final dos anos 40, início da década de 1950, ocorreu a primeira experiência, após a promulgação da Lei de Colocação Familiar, em 27 de dezembro de 1949, que criou “o Serviço de Colocação Familiar junto aos Juízos de Menores do Estado de São Paulo” (FÁVERO, 1999, p. 54)

Com a exacerbação da crise social, econômica e política que a sociedade brasileira vem enfrentando nas últimas décadas, tornou-se inevitável o recrudescimento das desigualdades sociais e de outros problemas decorrentes de um processo histórico marcadamente influenciado por aqueles que detêm o controle do capital, com agravantes oriundos de uma tendência política neoliberal, acrescida dos efeitos perversos da globalização.

Nessas circunstâncias, falar sobre crianças e adolescentes abandonados e/ou em situação de risco social, é também considerar a existência de famílias de origem na mesma condição, reflexo da maneira pela qual o Estado vem desenvolvendo suas políticas públicas e tratando seus usuários.

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Os tempos evoluem, assim como as idéias, as concepções de mundo e as formas pelas quais atuamos no cotidiano, que está em constante movimento.

O abandono de crianças e adolescentes, em nosso país, e/ou a sua exposição a situações de risco social iminente, são fruto de variadas razões, que vão desde a negligência parental, e ou do Estado, até a violência urbana. Além disso, tais fatores contribuem para o crescente número de crianças e adolescentes que vivenciam situações de vulnerabilidade social.

O processo histórico nos mostra que, no Brasil, desde o final do século XVIII, há uma preocupação com crianças carentes e/ou abandonadas, cuja responsabilidade de assumir os cuidados passou por diversos tipos de instituições (orfanatos, pensionatos, etc.) até chegar aos atuais abrigos. Estes, por seu turno, possuem função protetiva em relação a crianças e adolescentes, cujos direitos básicos tenham sido ameaçados e/ou violados.

Entretanto, antes de discorrer acerca do dispositivo legal que versa sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, examinaremos o que a Constituição Federal (CF) de 1988 traz sobre o tema.

Segundo Ditomaso (2001, p. 04) “... a Constituição reservou um capítulo específico no trato da família, da criança, do adolescente e do idoso (Cap. VII - arts. 226/230), ou seja, do nascimento à velhice”.

Dentre os dispositivos que compõem o referido capítulo, destacamos o artigo 227, qual seja:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2004, p.144).

No mesmo artigo, parágrafo 3°, inciso VI, está escrito:

O direito à proteção especial abrangerá: Estímulo do Poder Público, através da assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, na forma da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2004, p.145).

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Percebe-se da leitura desses dispositivos constitucionais que o constituinte procurou preservar a família e, em especial, assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar, quer a natural (de origem), quer a substituta, tanto que procurou estimular o instituto da GUARDA - visto por muitos de forma singela e inexpressiva, mas tida por nós como uma das formas de colocação em família substituta... (DITOMASO, 2001, p. 4).

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei Federal 8.069. de 13 de julho de 1990), é a atual e mais moderna legislação que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. O ECA veio substituir o antigo Código de Menores de 1979, trazendo avanços significativos no que concerne ao contexto sociopolítico-jurídico de nosso país.

A contribuição mais importante do referido estatuto legal, e porque não dizer, a que representou um verdadeiro salto qualitativo em termos de legislação brasileira, foi o fato de reconhecer crianças e adolescentes como “sujeitos de direitos”, incluindo-os na “condição peculiar de pessoas em desenvolvimento”, as quais devem ser respeitadas em seus direitos fundamentais.

O ECA preconiza, dentre as Medidas de Proteção (artigo 101, inciso VII), a inclusão da criança em entidade de abrigo, assim como, no mesmo artigo (inciso VIII), a colocação em família substituta, caso qualquer criança ou adolescente tenha seus direitos básicos violados ou ameaçados. 1

O artigo 101 do ECA esclarece, ainda, em seu parágrafo único, que, “o abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade” (o grifo é nosso).

Depreende-se, da legislação em pauta, que o abrigo é uma medida que, além de contemplar um caráter protetivo, visando atender crianças e adolescentes em estado de abandono e/ou de risco social iminente, deva contemplar, igualmente, um caráter provisório, ou seja, transitório.

Cabe ressaltar que a medida de integração em família substituta, na modalidade de adoção, deve ser aplicada quando esgotadas todas as possibilidades em relação à família de origem (ECA, art. 92, inc. II).

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Nesse processo de esgotamento das possibilidades, é imprescindível a contextualização, tanto da família de origem quanto da família extensa. Isso é necessário na medida em que as mesmas, apesar de serem objeto de intervenção das políticas públicas, continuam numa situação crescente de pauperização e de exclusão social. Essa condição denuncia a ineficácia das políticas sociais e dos programas sociais no sentido de buscar a emancipação dessas famílias, fortalecendo os vínculos sócio-relacionais e, conseqüentemente, possibilitando o resgate, o quanto antes, de seus filhos, para a convivência familiar.

Por outro lado, observam-se, na prática profissional do Judiciário, alguns aspectos que se caracterizam como verdadeiros entraves, especialmente, no que tange ao período de permanência dessas crianças nos abrigos.

Um dos obstáculos para a curta permanência das crianças nos abrigos é o fato “público e notório” da morosidade da Justiça, que se dispersa no embaraço do trâmite processual/burocrático.

Outro fator relevante, que contribui para a extensão do tempo no processo de institucionalização, é a dificuldade de interlocução entre os diversos atores sociais envolvidos, os quais, por características pessoais, profissionais, ou, ainda, circunstanciais, não agilizam suas condutas em prol dessas crianças.

A institucionalização prolongada é fator altamente adverso ao desenvolvimento infantil saudável, o que nos faz refletir sobre alternativas menos nocivas às crianças e adolescentes que necessitam desse acolhimento fora do âmbito de sua família de origem.

De acordo com Schreiner:

Um tempo demasiado longo de institucionalização pode transformá-lo em uma marca negativa na vida destas crianças e jovens. Tudo deverá ser feito para que crianças e adolescentes que precisam de proteção sejam abrigados por pouco tempo e não que crianças, abrigadas ainda pequenas, se tornem adolescentes sem terem a referência de uma família para ajudá-los na construção do adulto que se tornarão em breve (CECIF, 2002, p.75).

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Por outro lado, sabe-se que a institucionalização de crianças, cujos direitos fundamentais sejam ameaçados ou violados, é prática comumente utilizada no Judiciário que tem, em princípio, por finalidade, a proteção integral delas, conforme apregoa o ECA.

É sabido, também, que uma convivência familiar saudável traz inúmeros benefícios ao desenvolvimento biopsicossocial de uma criança.

Além disso, por melhores que sejam as condições oferecidas em um abrigo, sabe-se o quanto é difícil manter um relacionamento estreito, afetuoso e personalizado dentro de uma entidade que atende a uma gama diversificada de crianças.

Assim, o que se propõe, aqui, não é a extinção pura e simples das entidades de abrigo, mas, sim, a possibilidade de se encarar a guarda familiar como uma alternativa viável e legal, que substitua o abrigamento convencional em instituições especialmente criadas para esse fim.

Acreditamos que a busca de alternativas concernentes à proteção de crianças e adolescentes em situação de abandono/risco social iminente, seja um assunto atual e de muita importância, na medida em que pode contribuir, de maneira efetiva, com os municípios nos quais tais programas já estão em funcionamento, bem como nos demais, que intencionam implantar a mesma proposta.

A relevância do tema reside, igualmente, na possibilidade de proporcionar, no cotidiano da prática profissional, alternativas de acolhimento mais humanizadoras e saudáveis, ao desenvolvimento dessas crianças.

Em função do que pudemos apreender da literatura especializada e da observação feita durante o percurso profissional, chegamos à seguinte formulação do problema de pesquisa: Que características são comuns e no que diferem os programas de “famílias acolhedoras” mais significativos do Estado de São Paulo que têm como foco crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social?

Pensamos ser necessário, para o estudo dessa questão, aprofundar alguns conceitos que deverão nortear a análise e são referidos no presente trabalho, dentre eles, o conceito de família e o de vulnerabilidade social.

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“âmbito privilegiado” na medida em que se caracteriza como o primeiro núcleo socializador.

Outrossim, entendemos, a família, como o início da história de cada indivíduo, instância em que este se prepara para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia, mediante a construção de relações primárias, as quais se constituem como seu alicerce (IEE-PUC-SP/SAS-MPAS,1998).

Quaisquer que sejam as configurações que a família contemporânea assuma, “ela se constitui num canal de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações sociais” (CARVALHO, 2002, p. 93).

De acordo com o pensamento de BECKER, com o qual partilhamos, há um “... consenso a respeito de família como lócus privilegiado para o adequado desenvolvimento humano...” (BECKER, 2002, p. 60).

Assim sendo, acreditamos que a colocação em famílias guardiãs, também chamadas famílias acolhedoras, de crianças que “... foram separadas de seus pais por motivos judicialmente reconhecidos e cujo interesse superior deve ser considerado” (BECKER, 2002, p. 64), seja uma alternativa legal e viável que contemple não só a possibilidade de um acolhimento provisório, mas, principalmente, lhes proporcione uma convivência familiar digna e condizente com sua condição peculiar de ser em desenvolvimento.

Dentro dessa perspectiva, entre outros aspectos, ressaltamos que o caráter provisório da colocação de crianças em uma família possui uma conotação específica, tanto no que diz respeito ao seu preparo para o acolhimento, quanto no que se refere à avaliação prévia delas para o ingresso no respectivo cadastro.

Entendemos que a problematização do tema surgiu a partir de questionamentos diversos, mas, principalmente, da preocupação em verificar alternativas que pudessem substituir a institucionalização de crianças/adolescentes, com o menor dano possível ao seu desenvolvimento.

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Já em relação ao conceito de risco, entendemos como França et al (2002, p. 40) quando afirma que, o risco está relacionado à noção de perigo, sendo que este sempre está presente na história da infância. Os mesmos autores entendem, outrossim, que o conceito de risco envolve “uma categoria em construção” e que não pode ser dissociado de outros fatores que constituem o sujeito (FRANÇA, 2002, p. 39).

Assim, acreditamos tal qual Belfiore-Wanderley (2002, p. 20), que a vulnerabilidade social e as situações de risco a que são expostos crianças e adolescentes, ocorrem na medida em que são negados recursos às famílias de origem para o exercício pleno de sua cidadania. Nesses termos, essas famílias acabam sendo excluídas socialmente, sendo que o enfraquecimento do grupo familiar é inevitável. Dentro desse contexto, as crianças e os adolescentes acabam por se tornar os membros mais vulneráveis, e, também, os que sofrem as conseqüências da institucionalização, a qual lhes restringe o direito à convivência familiar e comunitária, garantido e estabelecido no ECA.

Pensando nisso é que resolvemos pesquisar e comparar os perfis de três programas de acolhimento familiar, no Estado de São Paulo, entendendo que são formas alternativas ao abrigamento convencional em instituições criadas para esse fim. Neste sentido, destacamos as origens, a abrangência e as peculiaridades de cada um deles, levantando, outrossim, as possibilidades e as dificuldades dos programas pesquisados, com vistas à otimização dos mesmos, bem como de futuros programas a serem implantados em outros municípios.

O universo da pesquisa e a escolha dos sujeitos

Consideramos como universo da pesquisa, propriamente dito, o Estado de São Paulo, especificamente os municípios cujos programas de famílias acolhedoras vêm sendo considerados mais significativos para os profissionais da área de Serviço Social. A expressão desse significado observou-se pelo fato de serem esses os programas freqüentemente apresentados em encontros e/ou seminários que tratam da questão.

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Foram pesquisados programas de três municípios, dentro do Estado de São Paulo, nos quais os mesmos foram implantados com maior destaque, quais sejam: Santos, Campinas e Franca.

Procedimentos de pesquisa

O modelo básico utilizado, no presente trabalho, foi o da pesquisa qualitativa, cujo método de raciocínio inerente é o indutivo, ou seja, aquele que se preocupa em compreender e interpretar o fenômeno sob a ótica “do particular para o geral”.

Procedimentos de coleta de dados

Dentre os procedimentos de coleta de dados, foram utilizados os seguintes:

- entrevista semi-estruturada; - análise documental;

- observação participante.

De acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2001, p. 168), na entrevista semi-estruturada “o entrevistador faz perguntas específicas, mas também deixa que o entrevistado responda em seus próprios termos”. O objetivo geral desse tipo de entrevista é ampliar o espectro dos dados coletados, possibilitando o conhecimento mais amplo da questão pesquisada.

As fontes utilizadas para gerar os itens do roteiro que norteou a citada entrevista foram as seguintes: dissertações sobre o tema, experiências anteriores acerca desse tipo de programa, observações informais com os participantes, entre outras.

Na presente pesquisa, em cada um dos municípios onde se situam os programas considerados mais significativos, foram entrevistados um ou dois responsáveis pela organização e/ou estruturação do respectivo programa.

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Dissertações e teses relacionadas ao tema; diários oficiais dos municípios pesquisados contendo o(s) decreto(s) que regulamenta(m) o(s) Programa(s) de Famílias Acolhedoras; resoluções do(s) respectivo(s) Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente que tratam do tema; leis que instituíram o programa nos citados municípios; relatórios elaborados em cada município sobre o andamento do programa; entre outros.

Quanto à observação participante, os citados autores ressaltam que, nesse modelo, “o pesquisador se torna parte da situação observada (...) buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação” (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2001, p. 166). Marconi e Lakatos (2003, p. 194) definem a observação participante como a real participação do pesquisador com a comunidade ou grupo. Gil (1999, p. 113), igualmente, a define como uma “participação real do conhecimento na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada”.

Para a observação participante dos programas pesquisados, deslocamo-nos para os respectivos municípios de funcionamento dessas iniciativas e lá permanecemos um determinado período de tempo, vivenciando o modo de ser de cada experiência.

Procedimentos de análise dos dados

O presente trabalho utilizou-se da análise de conteúdo documental e de depoimentos. Os métodos utilizados foram os seguintes: compreensivo e comparativo.

Através do método compreensivo, buscou-se determinar qual a estrutura significativa desses Programas de Famílias Acolhedoras, ou seja, quais os seus elementos estruturantes e qual a dinâmica de cada um.

Já o método comparativo nos permitiu analisar as semelhanças e as diferenças entre as estruturas pesquisadas em relação à eficiência e eficácia em face dos objetivos desse tipo de programa (GIL, 1999, p. 34).

O presente trabalho de pesquisa está dividido em duas partes conforme expomos a seguir.

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questão social assume no mundo contemporâneo, seus aspectos contraditórios e suas conseqüências para a família brasileira. Explicitamos, ainda, as questões ligadas aos conceitos de vulnerabilidade, risco e exclusão social, relacionando-os à falta de proteção social vivenciada pelas famílias pobres e a conseqüente institucionalização de seus filhos.

No Capítulo II, abordamos os aspectos relacionados às mudanças ocorridas na família brasileira na contemporaneidade, suas novas configurações e a importância do seu papel no processo de desenvolvimento e de socialização de sua prole. Especificamente no tocante às famílias pobres, destacamos a relação estabelecida entre elas e o Estado, e como este último vem desenvolvendo suas políticas públicas e tratando as pessoas que delas se utilizam.

No Capítulo III, demos ênfase à construção da identidade, relacionando-a ao direito, garantido pelo ECA, da convivência familiar e comunitária. Ressaltamos que a convivência familiar não se afigura apenas como um direito, mas como uma necessidade básica de toda criança e adolescente. Demos destaque, ainda, à postura defendida por vários autores, aos quais nos aliamos nesta análise, de que a família é um “lugar de pertencimento”, responsável pela “introjeção de valores” e pela “formação de identidade”.

Na segunda parte do trabalho, elaboramos uma descrição dos programas pesquisados, destacando entre outros aspectos, a gênese, a estruturação e o funcionamento de cada um deles.

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I PARTE: APROXIMAÇÕES AO TEMA: O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

1 DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE: A CRIANÇA E O ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE E RISCO

Pensar na questão social hoje, é pensar nas várias configurações que ela assume no mundo contemporâneo e em suas diversas resultantes. Tal qual se apresenta nos dias atuais, ela é permeada por aspectos divergentes e até mesmo contraditórios quanto à sua interpretação (IANNI, 1991, p. 02).

Ianni destaca algumas dessas interpretações e, dentre elas, menciona que alguns consideram

essa questão como algo disfuncional, anacrônico, retrasado, em face do que é a modernização alcançada em outras esferas da sociedade, como na economia e organização do poder estatal. Falam de arcaico e moderno, dualismos, dois “brasis” (IANNI, 1991, p. 02).

“Outros encaram as suas manifestações como ameaça à ordem social vigente, à harmonia entre o capital e o trabalho, à paz social” (IANNI, 1991, p. 02).

Há, ainda, aqueles que “a focalizam como produto e condição da sociedade de mercado, da ordem social burguesa. Falam em desigualdades, antagonismos e lutas sociais” (IANNI, 1991, p. 02).

O mesmo autor salienta que, obviamente, outras interpretações podem surgir. Entretanto, essas são as que apontam para a importância do tema, uma vez que “mostram como a questão social está na base dos movimentos da sociedade” (IANNI, 1991, p. 02).

Por ser um assunto constantemente abordado e fundamental em nossa sociedade, acaba por exercer influência e trazer conseqüências para a vida de inúmeras pessoas.

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a história da nossa sociedade “está permeada por situações nas quais um ou mais aspectos importantes da questão social estão presentes”.

Partilhamos da concepção de Pastorini (2004, p. 38) quando afirma que “as manifestações da ‘questão social’ devem ser explicadas com base no confronto de interesses contraditórios que trazem como conseqüência as desigualdades nas sociedades capitalistas”.

Yazbek (2001, p. 33) já havia apontado essa perspectiva quando, ao mencionar o tema, refere-se à “questão da divisão da sociedade em classes, cuja apropriação da riqueza socialmente gerada é extremamente diferenciada”.

Sobre o mundo capitalista, Pastorini salienta que, nas últimas décadas, este atravessa

um período de profundas modificações nos seus padrões de produção, de acumulação e de concorrência, implicando “novos” desafios tanto para os Estados e seus governos, quanto para os setores que representam o capital e para as classes trabalhadoras (no que se refere à sua inserção na estrutura produtiva, organização coletiva, representação política, etc.) (PASTORINI, 2004, p. 28-29).

A mesma autora acrescenta, ainda, que:

As transformações nos métodos de produção ocorrem simultaneamente a uma série de mudanças, na criação de novas formas de trabalho, na contratação da mão-de-obra, nos níveis de desemprego, na organização dos trabalhadores, nas negociações coletivas, nos níveis de pobreza e crescimento das desigualdades sociais, retraimento dos direitos sociais, desregulamentação das condições de trabalho, entre outras (PASTORINI, 2004, p. 31).

A literatura sobre o tema aponta que tais alterações no processo de acumulação vieram acompanhadas de um aumento da insegurança no emprego, assim como do alargamento de subcontratações, de serviços esporádicos e/ou terceirizados e da precarização do trabalho (PASTORINI, 2004, p. 31).

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Entendemos que só é possível falar sobre as várias expressões da questão social, na contemporaneidade, se considerarmos a processualidade histórica e questionarmos a lógica da sociedade capitalista.

Alguns autores, como Rosanvalon, são defensores do surgimento de uma “nova questão social” e

partem do pressuposto de que as mudanças ocorridas no mundo capitalista contemporâneo marcam uma ruptura com o período capitalista industrial e com a “questão social” que emergiu na primeira metade do séc. XIX, com o surgimento do pauperismo, na Europa Ocidental (PASTORINI, 2004, p. 16).

Nesse cenário, surgem expressões como “novos usuários”, “novas necessidades”, “novos sujeitos”, todas “produto das transformações da sociedade capitalista vividas, mundialmente, a partir de meados dos anos 70, que trazem consigo a necessidade de redefinir os modos de regulação econômicos e sociais” (PASTORINI, 2004, p. 16).

Pastorini cita Castel mencionando que, este último, “entenderá que a crise dos anos 70, que se manifesta pelo agravamento do problema do emprego (...) tem-se tornado um processo irreversível e cada vez mais acelerado” (PASTORINI, 2004, p. 17).

Particularmente, sabemos que o problema do desemprego é crescente em nosso país, acarretando a conseqüente pauperização da população brasileira. As alterações dos níveis de emprego, nas últimas décadas, têm sido tão pouco significativas que sequer vislumbram mudanças substanciais no padrão de qualidade de vida da população de nosso país.

Yazbek (2001, p. 35) ressalta que “a proporção de trabalhadores brasileiros que está fora do mercado formal de trabalho e, portanto, sem garantias de proteção social cresce continuamente (...) isto em um contexto de subalternização do trabalho à ordem do mercado e de desmontagem de direitos sociais e trabalhistas”.

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Yazbek descreve bem as marcas deixadas sobre a população empobrecida pelos impactos destrutivos das transformações pelas quais o capitalismo hodierno vem passando:

(...) o aviltamento do trabalho, o desemprego, os empregados de modo precário e intermitente, os que se tornaram não empregáveis e supérfluos, a debilidade da saúde, o desconforto da moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a fome, a fadiga, a ignorância, a resignação, a revolta, a tensão e o medo são sinais que muitas vezes anunciam os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados na sociedade (YAZBEK, 2001, p. 35).

Considerando que o sistema capitalista é permeado pela luta de classes, como bem aponta Pastorini, sendo esta “atravessada por interesses contraditórios e em conflito” (PASTORINI, 2004, p. 88), não podemos deixar de pensar na correlação existente entre o modo pelo qual opera tal sociedade (a capitalista), a “questão social” e a situação de vulnerabilidade vivenciada pelas famílias brasileiras (e, conseqüentemente, por seus filhos).

A mesma autora cita Yazbek quando afirma que “falar de ‘questão social’ é falar da divisão da sociedade em classes e a apropriação desigual da riqueza socialmente gerada” (PASTORINI, 2004, p. 102).

Outro aspecto a ser considerado, nesse contexto, assenta-se na discussão sobre a existência ou não de uma “nova questão social”.

Castel, por exemplo, é citado por Pastorini, quando diz que o mesmo “entende que hoje estamos diante de uma nova (versão da) ‘questão social’ que desde sua origem, há mais de um século, vem-se apresentando sob diferentes formulações, versões, recolocando-se e recompondo-se constantemente” (PASTORINI, 2004, p. 64).

Ainda de acordo com Pastorini, “Castel afirma que o problema atual não é apenas o da constituição de uma ‘periferia precária’, mas também o da ‘desestabilização dos estáveis’ (...) O processo de precarização percorre algumas das áreas de emprego estabilizadas há muito tempo” (PASTORINI, 2004, p. 64).

Partilhamos do pensamento de Pastorini, quanto à polêmica sobre a concepção de uma “nova questão social”, quando diz que:

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manifestar a “questão social”, mas que ela continua a manter os traços essenciais e constitutivos da sua origem (PASTORINI, 2004, p. 12).

Pensamos que, não importa quais adjetivos sejam atribuídos à questão social. Ela está aí, ela existe, não é “nova” nem “antiga”, é um fato incontestável e indelével na sociedade em que vivemos, na qual a relação capital-trabalho tem como eixo principal a perspectiva das relações sociais como mercadoria, que é a essência do capitalismo.

Não queremos, com esta nossa posição, partilhar da concepção de alguns autores de que a questão social está desvinculada da história, da política, da economia, ou seja, naturalizá-la. Queremos, sim, lembrar que o problema existe e que traz conseqüências desastrosas para a maioria da população brasileira, que sofre com o aumento da pauperização, da exclusão social, do desemprego estrutural, enfim, das desigualdades sociais.

A vulnerabilidade social apresenta-se, nesse cenário, como um dos efeitos nocivos da questão social, tornando a vida das pessoas alvo de sofrimento e de incertezas. E os mais vulneráveis são os desempregados, tendo em vista que, deles, lhes são tirados: o direito ao trabalho, o direito à sua própria sobrevivência e de sua família, o direito a uma alimentação digna, enfim, o direito à vida.

Yazbek (1999, p. 94) relata que “o desemprego constitui (...) momento de grandes dificuldades, quer do ponto de vista do atendimento de suas necessidades materiais, quer enquanto interfere na própria representação que o trabalhador constrói de sua condição de desempregado”.

Belfiore-Wanderley (2002, p. 25) coloca que “as altas taxas de concentração de renda e de desigualdade – persistentes em nosso país – convivem com os efeitos perversos do fenômeno do desemprego estrutural”.

A mesma autora reflete ainda que “parece (...) não haver dúvida de que a exclusão pode ser tomada em nossas sociedades contemporâneas como uma nova manifestação da questão social” (BELFIORE-WANDERLEY, 2002, p. 24).

Já Wandereley menciona que

Castel prefere não utilizar o termo exclusão social e traz o termo

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Pastorini (2004, p. 64) igualmente cita Castel, o qual afirma que “o problema atual não é apenas o da constituição de uma ‘periferia precária’, mas também o da ‘desestabilização dos estáveis’ (...) O processo de precarização percorre algumas das áreas de emprego estabilizadas há muito tempo”.

Ainda de acordo com a mesma citação sobre CASTEL, este alude que “(...) a precarização do trabalho é um processo central, comandado pelas novas exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno” (PASTORINI, 2004, p. 64).

Na seqüência, Pastorini acrescenta, baseada no mesmo autor, que:

A precarização, resultado da reestruturação internacional do capitalismo nas últimas décadas (...) conduz a uma desestabilização dos estáveis, que contribui para aumentar a vulnerabilidade social. Esse crescimento de vulnerabilidade (que seria produto das relações de trabalho e das proteções correlatas) supostamente estaria indicando a presença de uma “nova questão social” (PASTORINI, 2004, p. 65).

Porém, o que consideramos mais importante de toda essa preleção é o que Pastorini escreve, fundamentada em Castel, que agora se trata de uma questão de precarização, “uma vez que, se a zona de vulnerabilidade, que associa precariedade do trabalho e fragilidade relacional, não for controlada ou reduzida, continuará alimentando a desfiliação (...)” (PASTORINI, 2004, p. 65).

Isso é preocupante, na medida em que não se vislumbram (pelo menos neste país) ações concretas para a redução na zona de vulnerabilidade, tendo em vista que, cada vez mais, o que se contabiliza são os altos níveis de desemprego, a precarização do trabalho, a elevação do percentual de pobreza e dos socialmente excluídos, ou, segundo Castel, dos “desafiliados”.

Partilhamos da concepção de Pastorini quando define que “não se pode pensar a globalização, a reestruturação produtiva, o neoliberalismo, o desemprego, como processos naturais, eles são produto de uma opção política e econômica assumida pela maioria de nossos governantes a partir da década de 1980” (PASTORINI, 2004, p. 78).

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(...) na atualidade o sistema capitalista, além de não incorporar ao mercado formal de trabalho e, conseqüentemente, ao sistema de seguridade social amplos setores da população historicamente não incorporados, hoje são “expulsos” muitos dos que outrora mantinham um vínculo, mais ou menos estável, não só de emprego, mas com a proteção social, gerando uma crescente desestabilização dos estáveis e aumentando a insegurança e desproteção da população (PASTORINI, 2004, p. 85-86).

Essa “insegurança” e “desproteção” nada mais são do que aspectos relacionados a situações de vulnerabilidade e de risco vivenciadas pelas famílias pobres brasileiras na contemporaneidade.

O que está por trás do conceito de vulnerabilidade, é o estado de fragilização de uma pessoa ou de um grupo em relação a determinadas situações de risco, colocando-a (o) numa posição passível de ser vulnerada.

No que concerne ao conceito de risco, partilhamos do pensamento de França e outros, quando dizem que “na atualidade, risco (...) significa fundamentalmente perigo” (FRANÇA, 2002, p. 40).

Os mesmos autores observam que:

o risco sempre esteve presente na história, variando a construção social que se faz dele. Na história da infância ele também está presente, seja enquanto probabilidade de viver ou morrer, (...), seja como vulnerabilidade devido à fragilidade da criança reconhecida como um ser em desenvolvimento, que necessita de cuidados (FRANÇA, 2002, p. 40).

Ainda na seqüência, os referidos autores destacam que a perspectiva de risco é por eles compreendida como “uma categoria sempre em construção, impossível de ser dissociada dos demais eventos constituintes do sujeito e, portanto, da sociedade” (FRANÇA, 2002, p. 39).

Entendemos que as situações de risco em que se encontra grande parte das famílias brasileiras não ocorrem apenas pela situação econômica precária em que vivem, mas por um conjunto de condições sociais, políticas e estruturais do País. O próprio sistema capitalista é perverso, nesse sentido, uma vez que não possibilita a inclusão de todos, “nem como trabalhadores, nem mesmo como beneficiários das políticas sociais, pois a inserção de todos colide com a lógica do próprio sistema (...)” (PASTORINI, 2004, p. 60).

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para os quais parece não haver mais possibilidades de inserção. Poder-se-ia dizer que os novos excluídos são seres descartáveis”.

A mesma autora assinala ainda que a pobreza, na atualidade, atinge “tanto os clássicos pobres (...) quanto outros segmentos da população pauperizados pela precária inserção no mercado de trabalho” e que a mesma “não é resultante apenas da ausência de renda”, mas também de “outros fatores como precário acesso aos serviços públicos e, especialmente, a ausência de poder” (BELFIORE-WANDERLEY, 2002, p. 23).

Durante muito tempo, a pobreza foi entendida de acordo com uma visão economicista e reducionista do termo, ou seja, enquanto carência de bens materiais. Hoje, no entanto, tem-se claro que a pobreza é muito mais do que isso, podendo se configurar enquanto carência de possibilidades, de oportunidades, de bens culturais, além de, por si só, caracterizar-se como uma violação de direito.

É preciso enfrentar a pobreza em suas múltiplas dimensões, entendendo que a mesma não diz respeito tão-somente à privação material. O risco e a vulnerabilidade são aspectos inerentes à pobreza, a qual se apresenta de forma contundente na vida cotidiana da família brasileira.

Como o eixo de nossa pesquisa está centrado na família, neste capítulo, consideramos importante analisar como a questão social se expressa no contexto da família pobre brasileira.

Com a finalidade precípua de atender às constantes exigências impostas pela sociedade capitalista contemporânea, à família brasileira, em especial à família pobre, a qual teve que passar por mudanças significativas ao longo dos anos, atualizando, dessa maneira, determinados padrões que regulavam as estruturas familiares.

As novas configurações familiares, segundo Pereira, citada por Sousa e Peres, “certamente expressam os desafios contemporâneos com os quais as famílias se defrontam”.

Desta feita, entendemos que as formas como as famílias pobres se organizam hoje, dentre outros aspectos, podem estar relacionadas ao grau de vulnerabilidade que as mesmas estão expostas.

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(...) cabe às famílias: reconhecer que essas mudanças são conseqüência das transformações ocorridas na estrutura da economia, nos processos de trabalho e nas relações sociais em geral; compreender o caráter, os determinantes e os impactos culturais, econômicos e políticos dessas mudanças; orientar/interferir nas respostas que vêm sendo pensadas e postas em prática, sob a forma de políticas e das garantias constitucionais para enfrentar esses desafios (SOUSA; PERES, 2002, p. 68).

As referidas autoras citam ainda Minuchin, Colapinto e Minuchin quando afirmam que “as famílias pobres além de não poderem escrever as suas histórias, são submetidas a processos de padronização, sendo violentadas pelas intervenções sociais que desconhecem suas possibilidades de enfrentamento das variadas crises imprevisíveis que caracterizam suas existências” (SOUSA e PERES, 2002, p. 69).

A família brasileira, em especial aquela que vivencia a pauperização, encontra-se hoje desprovida de proteção social adequada por parte do Estado, que dê conta minimamente de situações cotidianas adversas.

A despeito desses aspectos, espera-se, dessa mesma família, que ela cumpra suas funções protetivas e de socialização. Quando ela não consegue dar conta de tal tarefa, conclui-se que ela “falhou” em seu papel de “cuidadora”, necessitando assim da intervenção do Estado.

Nesse interstício, muitas vezes, é retirado, dessas famílias, o direito de criar seus filhos, ocasião em que sofrem com estigmatizações diversas, sendo marginalizadas e sua prole, como conseqüência, institucionalizada.

Sousa e Peres afirmam que “a institucionalização das crianças pobres é uma forma de negar às famílias o direito de exercer o papel de sujeito na educação dos filhos, de assumir e enfrentar as contradições às quais se encontram submetidas no seu cotidiano e, portanto, o direito de atualizar e de desenvolver suas potencialidades” (SOUSA; PERES, 2002, p. 68-69).

Para conseguir dar proteção aos seus filhos, as famílias das camadas populares necessitam, em primeiro lugar, ser protegidas. Ninguém pode dar aquilo que efetivamente não recebeu.

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Assim, numa tentativa de vincular a demanda apresentada pelas famílias (em função dos impactos da questão social) e a intervenção do Estado, entendemos, tal qual Sousa e Peres descrevem que:

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2 AS MUDANÇAS NA FAMÍLIA BRASILEIRA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS A ELA RELACIONADAS

Apresentando variadas e novas configurações, a família brasileira vem passando por mudanças, ao longo do tempo, o que obriga os estudiosos sobre o assunto a acompanharem tais transformações no ritmo em que as mesmas ocorrem. Há muito, os antropólogos renunciaram à idéia de naturalização da família, tanto que na atualidade os mesmos “(...) afirmam com cada vez mais convicção que a normalidade das relações familiares (...) é socialmente construída, isto é, a normalidade familiar é definida por circunstâncias históricas conforme a classe, gênero, etnia e geração (...)” (FONSECA, 2004, p. 86-101).

Caracterizada por experienciar de maneira específica a diferença de gênero e de relações entre as gerações, a família, na contemporaneidade, assume variadas formas e permanece como o lugar privilegiado para o desenvolvimento e socialização das pessoas (SEDOPARKING.COM, 2005), muito embora não seja considerada como único espaço para que isso ocorra.

A literatura antropológica sobre família traz em seu bojo aspectos relevantes sobre o tema, dentre eles, a crença cada vez maior “(...) de que a vida familiar está presente praticamente em todas as sociedades, mesmo naquelas que possuem costumes sexuais e educacionais bastante diferentes dos nossos” (LÉVI-STRAUSS, 1982, p. 355-380).

Levando-se em conta que as diferenças de gênero existentes na família são elaboradas culturalmente, considera-se esta última como produto da cultura (e não da natureza).

E por ser diferente, nas várias sociedades existentes, a família tem na diversidade o aspecto primaz que sustenta a idéia da mesma ser oriunda da cultura. O que acontece é que, em nossa sociedade, por questões de ordem puramente biológica, a família é tida como “natural”, havendo um entrelaçamento difuso entre natureza e cultura.

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É fato que a idéia de a família ser entendida como “cultural” é algo extremamente difícil de ser introjetado, uma vez que a noção de cultura encontra-se muito distante das pessoas, de um modo geral.

Segundo Fonseca (2004, p. 86-101), a família é “(...) uma noção socialmente construída, que varia de um contexto para outro”.

A mesma autora faz referência a dois princípios que considera contraditórios e que ocupam lugar de destaque na visão hodierna de família. Um diz respeito à idéia de família “como algo dado na natureza”, enquanto princípio biológico, conferindo-lhe um caráter universalmente instituído. O outro se refere à idéia de escolha, em que a noção de família seria algo construído pela “força do desejo” (FONSECA, 2004, p. 86-101).

Sarti (2003, p. 22) traz para esta discussão a idéia de que a família é “a mais naturalizada de todas as esferas sociais” e que, em dado momento da história “começou a se introduzir no universo naturalizado da família a dimensão de ‘escolha’”.

A dificuldade parece residir na tentativa de se dissociar o caráter natural atribuído ao conceito de família, enquanto unidade biologicamente instituída, “quebrando” o forte significado simbólico que este tem para o imaginário social.

Fonseca (2004, p. 86-101) afirma que até o final do século XX “as próprias ciências humanas – da psicologia e direito até a própria antropologia – concorriam para reforçar essa naturalização de um determinado modelo familiar – o da família conjugal (chamada) moderna”.

Com o intuito de melhor compreender a natureza das sociedades, historiadores se dedicaram, na última década, ao estudo da família, de forma mais sistemática.

Se considerarmos a importância do papel da família brasileira desde o período colonial, veremos que a mesma “(...) sempre foi pensada na história do Brasil como a instituição que moldou os padrões de colonização e ditou as normas de conduta e relações sociais (...)” (SAMARA, 2002, p. 28).

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Já em relação ao modelo de família nuclear, Petrini (SEDOPARKING.COM, 2005) afirma que a “família nuclear urbana” não mais parece ser um modelo adequado enquanto Romanelli (2003, p. 74) expõe que o fato da instituição familiar encontrar-se diversificada em sua composição e em suas relações internas, “não elimina o predomínio da família nuclear, constituída por marido, esposa e filhos (...)”. Este último autor esclarece, ainda, que a importância da família nuclear não está relacionada apenas a dados estatísticos prevalentes “mas resulta do significado simbólico de que foi revestida, convertendo-a em modelo hegemônico, isto é, em referencial e em ideal de ordenação da vida doméstica para a grande maioria da população” (ROMANELLI, 2003, p. 74).

Isso explica porque o modelo de família nuclear está tão enraizado em nossa cultura. A simbologia desse modelo (hegemônico) é bastante forte, chegando a parecer “imutável”. Entretanto, por se tratar de algo culturalmente instituído, é dinâmico e, conseqüentemente, passível de mudança.

No padrão tradicional de família, sobressaíam aspectos como o autoritarismo e a repressão, ambos relacionados ao poder supremo do pai, o qual sustentava a casa. Ao homem, era atribuído o papel de provedor, tendo como reconhecimento o direito quase incontestável de mandar na esposa e na prole.

No que se refere às atribuições de gênero, estas eram muito bem definidas. Enquanto ao pai cabia o dever do sustento, à mãe restavam os cuidados com os filhos e as tarefas essencialmente domésticas. A família tradicional, enquanto categoria analítica está calcada na idéia de desigualdade.

Com a participação da mulher no mercado de trabalho, chegando a ocupar cargos de chefia, muitas vezes auxiliando e/ou provendo o sustento da família, algumas imposições se fizeram necessárias e se tornaram condição sine qua non para que a família perdesse o seu perfil inicial, ou seja, de família tradicional. No entanto, sua importante tarefa socializadora, continua a mesma.

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Brioschi e Trigo (2002, p. 137) afirmam que “certamente os valores que foram fundamentais para a preservação e reprodução do “modelo de família” tido como hegemônico (...) vem, paulatinamente perdendo força e sendo substituído por outros”.

Isso não quer dizer que os valores tradicionais tenham sido banidos da sociedade contemporânea.

Acredita-se que, hoje, ideários hierárquicos e igualitários coexistam, fazendo emergir “as principais características da família contemporânea”, quais sejam, “a diversidade e a ambigüidade” (MUSZKAT; MUSZKAT, 2003, p. 109). Observa-se, empiricamente, em casais com tendência mais igualitária, que os papéis de “pai” e de “mãe” possuem divisões de tarefas muito próximas, principalmente no que tange às questões de maternagem e paternagem. 2

Muszkat e Muszkat ressaltam que:

Dentre as inúmeras variáveis responsáveis por essa situação, talvez o fator essencial seja o resultado do conflito entre os novos ideais de eqüidade entre os gêneros em oposição à herança da hegemonia masculina (MUSZKAT; MUSZKAT, 2003, p. 109).

Por outro lado, cabe lembrar que, nem sempre, as novas estruturações familiares estabelecidas carregam consigo novas configurações simbólicas de organização familiar. A mudança que se dá, em um momento objetivo, não é necessariamente a que ocorre no tempo subjetivo correspondente.

Partindo-se do conceito de Sarti, no qual “a noção de família define-se (...) em torno de um eixo moral” (SARTI, 2005, p. 85), especialmente entre as famílias de baixo poder aquisitivo, ressalta-se que a presença masculina, nesses grupos, ainda possui uma função simbólica de organização familiar, no que diz respeito à ordem moral.

A mesma autora salienta, ainda, que o que justifica a autoridade masculina nessas famílias é “seu papel de intermediário entre a família e o mundo externo”, ou seja, “de guardião da respeitabilidade familiar” (SARTI, 2005, p. 70).

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Assim, para Sarti, “o fundamento desse lugar masculino está numa representação social de gênero, que identifica o homem como a autoridade moral da família (...)” (SARTI, 2005, p. 70).

Ao ser entendida dessa maneira, a família pobre vê, na presença masculina, a representação da autoridade familiar, ainda que o homem não se caracterize como o seu provedor.

Não obstante as variadas configurações que assume, fruto das diversas transformações por que passa a família, esta é ainda um espaço de pertencimento e de transmissão de valores e de afeto.

Em muitas dessas novas conformações, a autoridade familiar, assim como o afeto e os valores propagados, não são necessariamente transmitidos pelas figuras paterna e materna.

Sarti (2005, p. 70) salienta que “a autoridade na família, fundada na complementaridade hierárquica entre homem e mulher (...) não se realiza obrigatoriamente nas figuras do pai e da mãe”.

Os desafios impostos à família brasileira contemporânea fazem com que, hoje, esta busque “atualizar os papéis que a estruturam, através da rede familiar mais ampla” (SARTI, 2005, p. 70).

A mesma autora ressalta ainda que:

a família pobre não se constitui como um núcleo, mas como uma rede, com ramificações que envolvem a rede de parentesco como um todo, configurando uma trama de obrigações morais que enreda seus membros (...) e (...) através da qual as relações familiares se atualizam (...)(SARTI, 2005, p. 70).

Assim, a divisão de responsabilidades não se restringe mais ao homem ou à mulher enquanto cônjuges/ex-cônjuges ou genitores, “mas são transferidas para outros membros da rede familiar, reproduzindo esta estrutura hierárquica básica” (SARTI, 2005, p. 71).

Percebe-se, então, que o exercício hierarquizado de papéis de gênero e a rede de apoio são características que estão presentes em grande parte das famílias das camadas populares de nosso tempo, não só para manter e educar a prole, mas como forma de sobrevivência própria.

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relacionados à consangüinidade do grupo, mas, sim, à idéia de obrigação que se estabelece.

Assim, diz a autora “são da família aqueles com quem se pode contar” (SARTI, 2005, p. 85). Segundo a mesma, a noção de família, para essas pessoas, se configura mediante o estabelecimento da rede de obrigações: “Dispor-se às obrigações morais recíprocas é o que define a pertinência ao grupo familiar” (SARTI, 2003, p. 33).

Vitale (2002, p. 53) refere que “no cerne desses circuitos de ajuda estão as relações de gênero e intergeracionais”, sendo estas últimas marcadas pela cooperação, amparo e responsabilidade.

Todas essas questões que envolvem a família pobre, no tocante à reciprocidade de obrigações morais e à confiabilidade estabelecida, dizem respeito à família enquanto lugar de cuidado e de proteção de seus membros, ainda que de forma hierarquizada.

Tais cuidados, porém, na maioria das vezes, ocorrem de maneira caótica, em função da precariedade de vida que levam essas famílias, o que acarreta a desproteção de seus membros.

Nessas circunstâncias, falar sobre crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social, é também considerar a existência de suas respectivas famílias na mesma condição, reflexo da maneira pela qual o Estado vem desenvolvendo suas políticas públicas e tratando os usuários das mesmas.

Segundo Mioto, a construção histórica da relação estabelecida entre família e Estado “(...) foi permeada pela ideologia de que as famílias, independentemente de suas condições objetivas de vida e das próprias vicissitudes da convivência familiar, devem ser capazes de proteger e cuidar de seus membros” podendo ser essa crença considerada como “um dos pilares da construção dos processos de assistência às famílias” (MIOTO, 2004, p. 51).

Ainda de acordo com a mesma autora, essa crença permitiu o estabelecimento de uma diferenciação básica para as questões relacionadas à assistência às famílias, qual seja, “a distinção entre famílias capazes e incapazes” (MIOTO, 2004, p. 51). Assim, o que está em jogo é a capacidade ou não do grupo familiar desempenhar suas atividades básicas.

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Na categoria das capazes incluem-se aquelas que, via mercado, trabalho e organização interna, conseguem desempenhar com êxito as funções que lhes são atribuídas pela sociedade. Na categoria de incapazes estariam aquelas que, não conseguindo atender às expectativas sociais relacionadas ao desempenho das funções atribuídas, requerem a interferência externa, a princípio do Estado, para a proteção de seus membros. Ou seja, são merecedoras da ajuda pública as famílias que falharam na responsabilidade do cuidado e proteção de seus membros (MIOTO, 2004, p. 51).

Entretanto, para pensar na proteção integral de crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade, é preciso rever nossa posição enquanto sociedade e, principalmente, enquanto profissionais, livrando-nos da visão dicotomizada e maniqueísta de família.

Mioto ressalta a necessidade de revisão de dois aspectos fundamentais no que se refere à proteção integral da infância e da juventude: “mudança na maneira de conceber a assistência às famílias” e “mudança de postura da sociedade como um todo (...) em relação às famílias” (MIOTO, 2004, p. 57). Explicita informando, com relação ao primeiro aspecto apontado, que a mudança na maneira de conceber a assistência às famílias.

consiste (...) em compreender que existe uma conexão direta entre proteção das famílias, nos seus mais diversos arranjos, e proteção aos direitos individuais e sociais de crianças e adolescentes. Dessa forma ela tem o direito de ser assistida para que possa desenvolver, com tranqüilidade, suas tarefas de proteção e socialização das novas gerações, e não penalizada por suas impossibilidades (MIOTO, 2004, p. 57).

Sobre o segundo aspecto apontado pela autora, a mesma esclarece que a mudança de postura da sociedade como um todo “significa desvencilhar-se das distinções entre famílias capazes e incapazes, normais ou patológicas e dos estereótipos e preconceitos delas decorrentes”, implicando a construção de “um novo olhar sobre as famílias e novas relações entre elas e os serviços” (MIOTO, 2004, p. 57).

A Política Nacional de Assistência Social, na perspectiva da Proteção Social, entra exatamente nesse interstício entre o público e o privado, enfatizando a centralidade na família.

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A mesma autora argumenta, ainda, que “o potencial protetor e relacional aportado pela família, em particular daquela em situação de pobreza e exclusão, só é passível de otimização se ela própria recebe atenções básicas” (CARVALHO, 2003, p. 19). Acrescenta que os maiores abandonados, hoje, são as próprias famílias e não as situações que dela resultam (CARVALHO, 2002, p. 102).

A família brasileira, em especial aquela que vivencia a pauperização, encontra-se, hoje, desprovida de proteção social adequada por parte do Estado, que dê conta minimamente de situações cotidianas.

Assim, ao invés de ser protegida, a família pobre está sendo alvo de “pressões” para efetivamente dar proteção, o que ela própria não tem. Nesse sentido, seus membros vêm sendo cada vez mais responsabilizados e culpabilizados, em razão da sobrecarga de funções que lhes são atribuídas, sem que tenham o mínimo suporte para tal.

Vitale (2003, p. 100) destaca que “essas famílias, desprovidas de proteção social, têm necessidade de incrementar as trocas intergeracionais para responder às exigências dos diversos momentos de seu ciclo de vida”.

De acordo com Mioto (2004, p. 111) “pouco ou muito pouco, os programas têm-se voltado para as dificuldades cotidianas das famílias na perspectiva de dar-lhes sustentabilidade”.

Desta feita, entendemos que as formas como as famílias pobres se organizam, hoje, dentre outros aspectos, podem estar relacionadas ao grau de vulnerabilidade aos quais estão expostas.

Mioto ressalta que:

(...) os momentos de transições e de mudanças, provocados pelas vicissitudes da vida familiar, também colocam os grupos em situação de vulnerabilidade maior ou menor, dependendo das condições sociais e da qualidade de vida presentes (MIOTO, 2000, p. 217-224).

Carvalho, por sua vez, preconiza, segundo AFONSO & FIGUEIRAS (1995), que “é preciso olhar a família em seu movimento”, aludindo que “este movimento (...) torna visível a conversão de arranjos familiares entre si”, de acordo com o contexto sociocultural em que vive (CARVALHO, 2003, p. 15).

Referências

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