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Direito Ambiental como parâmetro de preenchimento dos

No documento Harley Ferreira de Cerqueira (páginas 114-118)

CAPÍTULO III PATENTEAMENTO DE ELEMENTOS DO PATRIMÔNIO

3.2 Da interação do Direito Ambiental com o Direito da Propriedade

3.2.2 Direito Ambiental como parâmetro de preenchimento dos

As invenções biotecnológicas e as tecnologias que lhe são afins estão diretamente vinculadas à biodiversidade, pois a sua matéria-prima básica advém de organismos vivos ou de materiais derivados de seus metabolismos (moléculas, extratos e substâncias).

Pouco se sabe quais são os efeitos adversos da exploração comercial dessas atividades à saúde humana e, por conseguinte, ao meio ambiente, sobretudo pela sua natureza complexa e por suas especialidades, o que acaba por dificultar sobremaneira a conceituação do que poderia ser considerado contrário, sob a letra do inciso I do artigo 18 da LPI, “à ordem pública, aos bons costumes e segurança, à ordem e a saúde pública.”141

Ocorre que tais expressões - ordem pública, bons costumes e segurança, à ordem e a saúde pública – submetem-se ao universo de conceitos jurídicos indeterminados142, cuja valoração varia de tempos em tempos e depende da cultura de cada país.

141 Diaféria, Adriana. Patentes de Genes Humanos e a Tutela dos Interesses Difusos. O Direito ao

Progresso Econômico, Científico e Tecnológico. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 75.

142 Preferimos a expressão "conceitos legais indeterminados "àqueloutra "conceito 'jurídicos' indeterminados, muito difundida entre nós porque a indeterminação está na norma legal e não na forma. A indeterminação é, por outro lado, também das expressões de que se compõe o conceito legal. (...) Conceito legais indeterminados são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posta em causa. (...) O preenchimento de sua indeterminação será feito pelo juiz por meio de valores éticos, morais, sociais, econômicos e jurídicos, o que transforma o conceito legal indeterminado em conceito determinado pela função. Ney Junior, Nelson. Contratos no Código Civil. Apontamentos gerais. São Paulo: LTr, 2003, p. 406-408

À guisa de exemplificação, podemos salientar que já se faz divisão entre tratamentos com fins terapêuticos e sem fins terapêuticos. Nesse estrito campo de observação, os primeiros são suscetíveis de patenteamento, porque não encontram impedimento naqueles requisitos legais; os demais, pela razão inversa, não o são.

Nesse sentido, não se pode perder de vista que a dinâmica da sociedade, de suas expectativas e necessidades, afasta uma noção dogmática e imutável daqueles conceitos jurídicos indeterminados. “Logo, os conceitos tornam-se mais maleáveis e, pouco a pouco, os valores antes inadmissíveis tornam-se aceitáveis, até que se tornem comuns, corriqueiros”.143

Nota-se que a avaliação e aplicação desses conceitos indeterminados sempre foram de difícil apuração pelos examinadores de patentes e até mesmo nos tribunais, ou seja, pouco realizada na prática, em decorrência da obscuridade de interpretação do que poderia ser contrário ou ofensivo à moral, aos bons costumes e à ordem pública, principalmente pela ausência de parâmetros éticos claramente definidos. Com o surgimento das atividades biotecnológicas, essa situação somente veio a agravar-se.144

Dessa forma, o INPI tentou, por meio de norma técnica145, esclarecer tais expressões, ao conceituar que "(...) a ordem pública e os bons costumes correspondem, nomeadamente,a princípios éticos ou morais reconhecidos num Estado-membro, cujo respeito se impõe muito especialmente

143 Varella, Marcelo Dias; Fontes, Eliana; Galvão da Rocha, Fernando A. Nogueira. Biossegurança

e Biodiversidade. Contexto Científico e Regulamentar. Belo Horizonte: Del Rey. 1999, p. 23.

144 Diaféria, Adriana. Patentes, op. cit., p.74-75.

em matéria de biotecnologia, devido ao alcance potencial das invenções neste domínio e à sua ligação inerente com a matéria viva; que esses princípios éticos ou morais complementam as apreciações jurídicas normais do direito de patentes, qualquer que seja o domínio técnico da invenção." Todavia, ainda que verse como mera normalização administrativa sem força vinculante de lei, não foi feliz em resolver quaisquer questões de interpretação, já que, ao contrário, inseriu outros conceitos jurídicos indeterminados (princípios éticos e morais), para definir o que, a rigor, deveria ser esclarecido.

A crítica é assente quando se nota que os pilares éticos e morais necessários a este tema ainda estão em formação, de modo que é necessária a inserção adequada dos instrumentos jurídicos, para impor limites ao que é aceitável ou não dentro dos padrões de respeito à dignidade da pessoal humana e à vida.

Desse modo, a obscuridade de interpretação do que poderia ser contrário ou ofensivo à moral, aos bons costumes e à ordem pública, em razão da ausência de parâmetros éticos e morais claramente definidos, deve ser substituída por parâmetros legais, os quais em nosso entendimento são os de direito ambiental, já que forneceram um mínimo de segurança, nas relações jurídicas que envolvam o manuseio do patrimônio genético, matéria-prima ou o objeto que se pretende patentear.

Essa indicação, inclusive, advém da própria Constituição Federal de 1988, quando exige pormenorizados controles no campo jurídico quanto à integridade do patrimônio genético coenvolvida em atividades potencialmente

causadoras de degradação ambiental. Para tanto, é imposto ao Poder Público fiscalizar toda a atividade e as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (art. 225, II); exigir a elaboração de prévio estudo do impacto ambiental (EIA) para a instalação de atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental (art. 225, IV); controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a sua qualidade e o meio ambiente (art. 225,§ 1.º, inciso V); evitar práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna e flora ou ainda que submetam animais à crueldade (art. 225, VI).

Diante do exposto, uma vez que as invenções biotecnológicas e as tecnologias afins estão diretamente vinculadas à biodiversidade, a inteligência dos conceitos indeterminados, constantes no inciso I, do artigo 18 da LPI, em nossa visão, deve tomar por base interpretativa os preceitos do Direito Ambiental.

No documento Harley Ferreira de Cerqueira (páginas 114-118)