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Seleção de componentes com atividade biológica ativa

No documento Harley Ferreira de Cerqueira (páginas 63-67)

CAPÍTULO I BIODIVERSIDADE E PATRIMÔNIO GENÉTICO

1.2 Regulamentação da diversidade biológica

2.1.1 Seleção de componentes com atividade biológica ativa

A seleção de componentes com atividade biológica ativa é bioprospectada77 do patrimônio genético, basicamente por dois meios: i) pela coleta de informações oriundas de conhecimento tradicional ou ii) pela coleta de amostras de componentes dentro de seu habitat (in situ), as quais operam geralmente da seguinte forma:

2.1.1.1. Coleta orientada por conhecimentos tradicionais

A coleta de componentes do patrimônio genético orientado pelos conhecimentos tradicionais é uma das maneiras mais eficientes de se encontrarem substâncias com atividade biológica ativa.

Há registros arqueológicos do uso de plantas medicinais e tóxicas nas mais antigas civilizações. O homem primitivo, ao procurar plantas para seu sustento, foi descobrindo espécies com ação tóxica ou medicinal, dando início a uma sistematização empírica do seres vivos, de acordo com o uso que podia fazer deles.78 O conhecimento acumulado foi transmitindo-se de geração em geração e incorporado às práticas de sobrevivência e manejo do meio ambiente de vários povos.

77 Bioprospecção: atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial;

78 Poser, Gilsane Lino von e Mentz, Lílian Auler. Diversidade Biológica e Sistemas de

Classificações. Farmacognosia: Da planta ao medicamento. 5.ª ed. Porto Alegre: UFRGS/UFSC,

Foi com base nesses conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético que o homem moderno deu início ao processo técnico de seleção de substâncias com atividade biológica ativa, para a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.

Estudos demonstram que os produtos e processos obtidos com a coleta de plantas ao acaso são muito baixos em relação àqueles obtidos com base em conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético: pelo processo baseado em pesquisa aleatória foram testadas 15.000 plantas as quais resultaram em apenas 2 compostos novos, específicos para o tratamento de herpes provocado pelo vírus Simpex. Contudo as pesquisas baseadas no conhecimento tradicional, abordando 97 plantas, para o tratamento de doença respiratória grave causada pelo vírus Sincicial Respiratório (VSR), resultou em 8 compostos ativos isolados (8,2%); das 123 plantas testada para tratamento da gripe provocada pelo vírus influenza, resultaram 2 compostos ativos isolados (1,6%) e das 231 plantas testadas para tratamento da citomegalovírus, resultaram 5 compostos ativos isolados (2,2%); Na totalidade, obtiveram-se 4,8% de sucesso para as pesquisas orientadas em conhecimento tradicional enquanto a bioprospecção aleatória foi de 0,013%.79

Fica evidenciado que a utilização dos conhecimentos tradicionais é um valioso atalho para a descoberta de compostos bioativos, já que se constitui uma pré-triagem, um indicativo de espécies que acumulam tais substâncias, proporcionando uma redução do tempo de pesquisa e de investimentos financeiros para se obter um produto ou processo inovador.

2.1.1.2 Coleta in situ de amostra do patrimônio genético

Não menos importante é a coleta de amostra do patrimônio genético in situ como fonte de obtenção de substâncias com atividade biológica. Para tanto, existem inúmeros procedimentos técnicos de avaliação e identificação de "entidades químicas novas" (NCE ou New Active Substance NAS), denominados tecnicamente "screening fitoquímico", tais como: estudos etnobotânicos, bioprospecção, zoofarmacognosia, fitoquímica, fitofarmacologia, taxonomia, botânica e outros.

A título de ilustração, citamos a zoofarmacognosia: essa técnica consiste no estudo comportamental de animais, i.e., no exame de seus métodos inatos, empregados para se defenderem naturalmente de agressores patogênicos ou de predadores. Da análise zoofarmacognósia do chimpanzé, verificou-se que sua alimentação era de baixo valor nutricional, composta aproximadamente de 163 plantas. Todavia esse animal possuía grande resistência a parasitas intestinais, infecções de pele, doenças gênito-urinárias e respiratórias e especialmente resistência a câncer de mama em comparação aos chimpanzés que viviam em zoológico. Observou-se que esses símios excretavam grande quantidade de fitoestrógenos isoflavonóides. Essa foi a indicação para que os pesquisadores identificassem alguns extratos ativos trichilia rubescens,

vermonia amygdalina e aspilia mossambiensis com atividade química que

combate aquelas doenças.80

79 Elisabetsky, Elaine. Etnofarmacologia como ferramenta na busca de substâncias ativas.

Farmacognosia: da planta ao medicamento. Porto Alegre: UFRGS/UFSC, 1999, p. 96.

80 Exemplo dado pelo Prof. Dr. Eduardo Pagani, no II Curso de Fitoterapia para Médicos, ministrada na SOBRAFITO (Associação Médica Brasileira de Fitomedicamentos) em 03.08.2007.

Outro meio indicativo de se buscarem substâncias com atividade biológica é a observação do terreno de uma região ou de um bioma. "Uma espécie que cresce em um ambiente hostil, como as florestas tropicais, onde a presença de insetos, fungos, vírus e bactérias são abundantes, terá que de se proteger, sintetizando compostos inseticidas, antifúngicos e/ou antivirais. As raízes contêm, com freqüência, substâncias antifúngicas, pois o solo é rico em fungos patogênicos para a planta. Essas substâncias podem gerar efeitos similares para o ser humano, no caso de fungos patogênicos. Atualmente, um grande esforço de pesquisa está sendo realizado para se descobrirem novas moléculas antifúngicas, devido à forte incidência de micoses sistemáticas em portadores de HIV e em pacientes que utilizam medicamentos imunossupressores, como no caso de transplantes de órgãos." 81

A par disso, existem ainda procedimentos tecnológicos de bioprospecção de alta sofisticação, com equipamentos capazes de percorrerem, em apenas um dia, 1.000 análises de amostras, com apenas microgramas de extratos de patrimônio genético, a fim de se isolarem, mapearem e identificarem substâncias com potencial atividade biológica.

81 Hostettamn, Kurt; Queiroz, Emerson Ferreira; Vieira, Paulo C. Princípios ativos de plantas

No documento Harley Ferreira de Cerqueira (páginas 63-67)