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DIREITO COMO EFETIVIDADE

Não basta, porém, perquirir sobre o fim do direito, é necessário também conhecer o meio para alcançá-lo. E o meio é a luta.

[...]

Esta luta perdurará enquanto o mundo existir, pois, o direito terá de se precaver sempre contra os ataques da injustiça.

A luta não é, portanto, um elemento estranho ao direito, mas uma parte integrante de sua natureza e uma condição de sua idéia (IHERING, 1988, p. 15).

3.1 – A falta de acordo sobre o que é direito e a proposta do direito como efetividade

Vou partir de uma constatação de Roberto Lyra Filho, com a qual me ponho de pleno acordo, porque ele tem razão: “a maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato fiel” (LYRA FILHO, 1983-a, p.7). Assim, também, por isso, mas não só, afirmo, da minha parte, outra constatação: não há acordo sobre o que

é e como se configura o direito. Há evidentes antagonismos: direito como coerção e

dominação versus direito como garantia e liberdade; e a proposta do pluralismo jurídico que exige a convivência entre “sistemas” diferentes.

No debate sobre o fato de os juízes criarem ou não “novo direito”, quando decidem um “caso importante” e se os juízes “descobrem” ou “inventam” o direito, para

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Dworkin, seria fácil verificar se o direito, ainda na forma de um texto aberto à interpretação, era exatamente o que resultou na decisão que o aplicou, “se todos estivessem de acordo quanto ao que é o direito” (2010:9).

Este direito, de que trata Dworkin, é o texto, anterior à decisão judicial, que se expressa na forma de proposições gerais e abstratas e poderá servir de mecanismo de mediação para decidir casos específicos e concretos em conflitos, porque esta é sua função. Como afirmou o Professor Grant Gilmore apud GEERTZ (2012, p. 219): “A função do Direito, numa sociedade como a nossa, é fornecer um mecanismo para a resolução de disputas sobre cuja confiabilidade, presumivelmente, exista um consenso geral entre nós”.

Dworkin deixou bem claro do que se trata sua obra O império do direito: “Este livro é sobre a divergência teórica no direito” (2010, p. 15).

Esta tese, considerando as naturais divergências e incertezas no e do direito, propõe uma identidade do direito que compreende como direito promessa tudo o que vem antes e está sujeito aos crivos das divergências e das interpretações; e propriamente direito o que se efetiva, porque “Como quase todas as outras instituições permanentes – a religião, a arte, a ciência, o Estado, a família – o direito está envolvido em um processo de aprender a sobreviver sem as certezas que o geraram” (GEERTZ, 2012, p. 220).

Combinados, então, nestes pontos de partida sobre o direito, fico bastante desafiado e um tanto quanto mais à vontade para apresentar a minha proposta de um59

direito como efetividade. E este é o objeto central não apenas deste capítulo, mas desta

pesquisa.

O que me levou a pensar, argumentar e a propor um direito como efetividade, não foi o abstracionismo dos filósofos do direito, foi a experiência de lidar com pessoas muito específicas do mundo rural, camponeses que, ao conhecerem o texto da lei, ficavam sem entender porque aquela lei – do jeito que estava escrita – não virava realidade. Por que a lei não acontece? Qual é o sentido de uma lei que não deixa de ser um “pedaço de papel”, um mero texto?

Para o historiador, autor de Senhores e caçadores, “o problema do Direito e da justiça, enquanto aspirações ideais, é que têm que pretender uma validade absoluta, ou simplesmente não existirão de forma alguma” (Thompson, 1987, p. 360), sobretudo, em

59 - Por coerência com o que acabei de formular como constatação, só poderia usar o artigo indefinido

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se tratando da Lei Negra, empregada, segundo ele, como “instrumento e ideologia, a serviço dos interesses da classe dominante” (idem, p. 361).

O que Thompson designou com a expressão “validade absoluta” como condição de existência do “Direito e da justiça”, eu denomino de (direito como) efetividade o critério de identificação e reconhecimento de existência do direito.

Antes da efetividade, é um direito promessa. Direito no texto ou além do texto, como direito promessa, não é por si a garantia de sua realização, é um instrumento, um caminho, um argumento pró-direito como efetividade.

Se, para Dworkin há um direito antes e um direito depois da decisão judicial, mas que podem ser o mesmo ou pode ser um “novo direito” criado pelo juiz, quando decide um caso difícil, nesta proposta de direito como efetividade, só há direito com o cumprimento da decisão, judicial ou administrativa, que o declara, superadas as fases das interpretações.

Estar expresso na Constituição não é condição e nem garantia de que um direito ali previsto, com todas as letras, quase desenhado e sem espaço para ser incompreendido ou mal interpretado, possa se efetivar. Igualmente, o fato de não aparecer escrito, na mesma Constituição ou em qualquer lei, não gera impedimento absoluto de que seja realizado e se torne efetividade.

Estas duas proposições levam à seguinte conclusão: texto não é direito e direito que se efetiva não provém, única e necessariamente, de um prévio texto legal, “isto não significa, note o leitor, que o verdadeiro Right não possa ser um Direito legal, porém, que ele continuaria a ser Direito, se a lei não o admitisse” (LYRA FILHO, 1983-a, p. 8). Eis um silogismo da proposta de explicação de direito como efetividade, com a finalidade de introduzir esta teoria que busca compreender o fenômeno do direito a partir de sua dimensão prática.

A proposta do direito como efetividade busca explicar exatamente o engajamento dos movimentos sociais que se empenham na realização de direitos essenciais à vida humana, sabendo que não se efetivam apenas a partir das atuações de legisladores e de juízes.

E exemplifico isso com a própria reforma agrária que não se efetiva como direito apenas por estar prevista na Constituição e em outras leis, desde 1964; porque, neste caso, a efetividade da lei é de sua negação. E, de outro lado, o direito de propriedade que se consumou mediante atos de grilagens de terras, cujo meio, neste caso, é ilícito,

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mas o direito como efetividade, apesar da fraude, foi oficializado, administrativa ou judicialmente, como registrado no livro Grilagens, de Victor Asselin (1982).

Direito de propriedade e direito à propriedade passam de uma sutileza gráfica a expressões carregadas de sentidos.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, afirmou a inviolabilidade do direito genérico à propriedade (art. 141, caput) e protegeu a realização desse direito, ao proclamar que “é garantido o direito de propriedade”, a quem o exerce de fato (art. 141, § 16), ao usufruir desse direito como efetividade na prática, indo além de uma mera disposição textual do direito.

O direito abstrato à propriedade e o direito concreto de propriedade são duas expressões que explicam bem o sentido da proposta de direito como efetividade.

Como advogado e como acadêmico, defendo a proposta de direito como

efetividade por meio da argumentação, sustentando a melhor interpretação e aplicação

da lei, não defendo a lei abstratamente, porque este é o papel do intérprete da lei, do caso: “Intelectuais propriamente ditos”, “responsáveis pela formulação de regras de proceder e pelo controle de sua aplicação correta” (BAUMAN, 2010:20). O papel do aplicador da lei – o intérprete (não apenas o Juiz) – faz a ligação entre a lei abstrata e o caso concreto.

A interpretação do advogado, fazendo as vezes de outros, apresentada ao juiz, tem a finalidade de sustentar uma argumentação jurídica capaz de atuar na formação da convicção do magistrado e, por via de consequência, venha a se constituir na motivação à qual o juiz vincula as suas decisões.

O Direito como efetividade tem como correspondente a “plena satisfação do direito” ou a sua satisfação integral, considerando que: “Cada caso é um caso, cada decisão é diferente e requer uma interpretação absolutamente única, que nenhuma regra existente ou codificada pode nem deve absolutamente garantir” (DERRIDA, 2010, p. 44).

Estamos diante, de um lado, das insuficiências ou das, também, denominadas

lacunas do direito, na sua função reguladora ampla de proibir e de proteger; estas

insuficiências são verificadas porque o direito legal generaliza, estabelece a mesma bitola para todas as possíveis ocorrências, mas o ser humano é irrepetível. De outro lado, existe o problema das insuficiências do direito como efetividade, isto é, no pós lei ou no pós decisão que não se cumpre.

130 3.2 - Direito, direitos...

Quantas pessoas já tentaram responder à pergunta: o que é direito? A resposta à primeira pergunta é tão difícil e imprecisa quanto à segunda.

Um grande problema na conceituação e, de consequência, da explicação e da compreensão do direito é a sua fragmentação que o vincula, por vezes, a minúcias. Noutro extremo, também, é um problema a tentativa de encapsular o direito numa teoria geral, esta que mereceu uma pertinente crítica do antropólogo Clifford Geertz (2012, p. 220): “dedicar-se a construir uma teoria geral do direito é uma aventura tão inverossímil como a de dedicar-se à construção de uma máquina de movimento perpétuo”.

O direito está associado ou mesmo vinculado a um conjunto de muitos elementos e variáveis: ideia, princípios, teorias, sistemas, pluralismos, convenções, leis, validade, regras, normas, interpretação, aplicação, decisões, lutas, conquistas, efetividades. O direito é dinâmico porque a realidade construída pelas pessoas é dinâmica, embora jamais consiga acompanhar em compasso a marcha da realidade.

O conceito de direito é um problema que desperta grandes interesses e é objeto de estudos de várias áreas da ciência, como destaca Boaventura de Sousa Santos:

O problema do conceito de direito tem ocupado desde sempre as várias disciplinas que têm por objeto o direito, da filosofia e da teria do direito à ciência jurídica em sentido estrito e à sociologia e antropologia do direito. (SANTOS, 2014, p. 48).

Para extirpar a presunção de eternidade das teorias científicas conceptuais, KAUFMANN (2013, p. 147) foi preciso em sua constatação: “Os conceitos, assim como os homens, têm um ciclo de vida”.

O direito é, sobretudo, um objeto, no sentido amplo, de mobilizações e lutas humanas, ressalvando-se que não se luta pelo direito enquanto uma ideia genérica, abstrata ou mesmo difusa. Luta-se por algo concreto que pode se converter em um direito efetivo ou como efetividade.

A luta mais ampla pelo direito se dá pelo que se denomina Estado de Direito por ser uma expressão que se constitui no alicerce das demais lutas objetivas por um direito mais objetivo, mais próximo, mais tocável.

Luta-se por um específico e determinado direito. Ninguém sai por aí, sozinho ou coletivamente, marchando e empunhando uma bandeira a reivindicar um direito

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abstrato. Quem luta por direito, demanda por direito, precisa ter essa compreensão e, de outro lado, a autoridade (ou, também, o particular) que deve, por ofício, dar cumprimento a uma demanda por determinado direito, precisa ter esse conhecimento. Isso, é direito como efetividade. E a luta coletiva por direito pressupõe um conhecimento e um consenso mínimo em torno do direito concreto que se busca efetivar.

Direito – no singular – é o que representa a noção de Estado de Direito, que é base de sustentação do próprio direito positivado. Direito como racionalidade, externalizado na lei. O positivismo traduz o direito como um texto com expectativa – positiva ou negativa – de aplicação, a partir de sua interpretação, a um caso concreto (WALDRON, 2003).

Direito como evolução: a evolução é das pessoas que passam a reivindicar novos direitos e é fundamental acreditar no que afirmou o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Oliver Wendell Holmes Jr., citado por GEERTZ:

O direito reflete [essa parte é de Gilmore] mas, em nenhum sentido, determina o saber moral de uma sociedade. Os valores de uma sociedade razoavelmente justa se refletirão em um direito razoavelmente justo [...] Os valores de uma sociedade injusta se refletirão em um direito injusto (HOLMES apud GEERTZ, 2012, p. 220).

A teoria do direito positivo de Kelsen não desconsidera as sociedades e povos que não adotaram a escrita como forma essencial de expressão de sua existência, incluído, o seu direito, e mesmo as comunidades letradas que optaram pelo direito consuetudinário, isto, porque, também, as “normas jurídicas são normas produzidas pelo costume se a Constituição da comunidade assume o costume – um costume qualificado – como fato criador do Direito” (KELSEN, 2006, p. 10). Isto é importante como base para a compreensão do problema da fonte do direito.

O direito, pode-se afirmar, sempre existiu de algum modo, como regulador mínimo da vida em sociedade, mas, penso que o direito foi, é e deve ser muito mais do que regulação, coerção.

Após mencionar o que considera as características mais importantes do direito, “coercitivo, institucionalizado e normativo”, Joseph Raz (2012, p. 225) explica a normatividade do direito, “guiar a conduta humana”, negativa ou positivamente, não- fazer ou fazer; não-agir ou agir, de acordo com cada norma, cada convenção, subordinada à vontade do destinatário da norma:

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O direito é normativo porque tem a função de guiar a conduta humana de duas maneiras: seja por afetar as consequências de certo rumo de conduta, constituindo uma razão convencional para a abstenção daquela conduta; seja por afetar as consequências de certo rumo de conduta, constituindo uma razão para executar ou não essa conduta, dependendo da vontade do sujeito (RAZ, 2012, p. 225).

Na segunda maneira, o direito não é coercitivo, mas pode se realizar na forma de fixação de uma conduta cuja prática não merecerá reprovação e nem premiação, mas pode ser na forma de fixação de uma conduta esperada, cuja prática esperada seja estimulada por uma premiação. Existem casos de legislações que premiam o condutor de veículos que não comete infrações num intervalo de tempo de um ano, por exemplo. Cometer infrações de trânsito ou crimes desta natureza são condutas penalizáveis, portanto, não cometê-los significa observar uma norma de caráter coercitivo porque afeta consequências na forma de penalidades no caso de se flagrar e autuar condutas que realizem tais previsões que, sendo proibidas por lei, fixa uma pena ao agente que a comete.

O direito não pode ser reduzido a uma natureza de regras de cumprimento impositivo, que simplesmente cria medidas de obrigação, pois, pode e deve estabelecer outros modos de participar das relações sociais que não seja apenas, regulando. Mas, predominam as concepções do direito como coercibilidade.

Há um direito protetor, afirmativo, no sentido de fazer, de garantir; e outro negativo, no sentido de não fazer, de proibir, de punir.

O positivismo é uma teoria que busca explicar o direito como expressões formais. Até hoje, há sociedades inquestionavelmente desenvolvidas, segundo critérios de civilidade, nas relações sociais e políticas, e de alta evolução tecnológica, que adotam o direito consuetudinário. O contratualismo muito contribuiu para a força do positivismo.

3.3 - O problema da falta de legitimidade

A questão central para o direito é a sua confiabilidade que deriva da sua legitimidade, na origem, dos atos que demarcarão a legitimidade da atuação dos governantes60 e a lealdade dos governados. O problema existe à medida que, sem

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- Governantes, neste texto e contexto, são todos os que integram qualquer dos poderes-funções do Estado, como executivos, como legisladores e como juízes.

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legitimidade, falta a confiabilidade como base para validade do direito. Ian Shapiro levanta a seguinte questão: “quem deve julgar, e com que critérios, se as leis e as ações dos Estados que exigem nossa lealdade se justificam?” (SHAPIRO, 2006, p. 4).

As respostas a esta pergunta que está associada ao tema da legitimidade, ele busca no utilitarismo de Jeremy Bentham: “a legitimidade dos governos está ligada à sua vontade e capacidade de maximizar a felicidade”; na tradição marxista, para a qual a legitimidade da política se vincula, negativamente, ao problema da exploração e, positivamente, à liberdade humana, porque “as instituições políticas carecem de legitimidade na medida em que chancelam a exploração, e ganham-na na medida em que promovem sua antítese, a liberdade humana”; e na tradição do contrato social: “Para os teóricos do contrato social, a legitimidade do Estado está enraizada na idéia de acordo” (SHAPIRO, 2006, p. 5).

Veja que aparecem as palavras “governos” e “Estado” e a expressão “instituições políticas” como as fontes das leis e das ações que necessitam da confiança e da lealdade dos governados. Esta ideia de lealdade e de legitimidade está bem sintetizada por HOLMES (apud GEERTZ, 2012, p. 221), para quem: “A primeira condição para a existência de um corpo de direito confiável é que ele corresponda aos sentimentos e necessidades reais da comunidade, sejam estes certos ou errados”.

Na verdade, com essa afirmação do Professor Menelick de Carvalho Netto, entendo que a proposta de sistema jurídico, se bem teve sua existência explicada em algum momento, já esgotou:

O grande desafio, posto hoje aos direitos fundamentais, no meu modo de entender, continua a ser a descoberta de que o Direito moderno não regula nem a si mesmo.

O Direito moderno só se dá a conhecer por meio de textos e textos, por definição, são manipuláveis. (CARVALHO NETTO, 2003, p. 159).

Poderia me por de acordo com a proposta de um sistema jurídico como um exercício de possibilidade; como um mecanismo de organização de um conjunto de leis, com aplicação de princípios e regras que indiquem como resolver os naturais e inevitáveis conflitos no âmbito da aplicação das leis; não como mecanismo de controle prévio porque oprime a possibilidade de nascimentos de novos caminhos para o direito

como efetividade.

Afirmar a necessidade de um órgão que estabeleça a unidade em sistema

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suposto sistema. Isto, porque o sistema pressupõe a unidade, que, para ter legitimidade, deve partir do necessário reconhecimento das diferenças. E, para concluir, o argumento de Luiz Edson Fachin (2008, p. 246): “As estruturas sistêmicas têm, subjacente, inequívoco conteúdo ideológico, que é, sem embargo, mascarado pela pretensa neutralidade das instituições”.

O controle de constitucionalidade é um mecanismo que pode ser comparado a um funil, com uma bitola pré-determinada. Naturalmente, esse funil poderá exceder na sua filtragem, seja impedindo a passagem (vigência) de algo que está compatível com o dito sistema, seja passando por cima da ideia do próprio sistema; esta última situação, exemplifico.

O Supremo Tribunal Federal decidiu contra texto literal da Constituição, ao julgar o habeas corpus n. 126.292/SP61, passando a considerar constitucional – sim, porque o princípio é o de que tudo o que o STF afirma é constitucional – o cumprimento antecipado da pena de prisão aplicada em decisão de segunda instância que confirme a sentença condenatória da primeira instância. A liberdade não mais prevalece, enquanto o processo ainda não transitou em julgado.

Trata-se de uma decisão de conteúdo bem diferente da que reconhece a existência de prisão cautelar, cuja aplicação pode ocorrer, até mesmo antes da existência de uma acusação formal, como no caso das prisões temporárias.

Esta decisão do Supremo guardião da Constituição modifica o precedente assentado no julgamento do habeas corpus n. 84.078-7/MG (julgado em 05/02/2009) que considerava a inexistência de lei que previsse a possibilidade da antecipação do cumprimento de pena privativa de liberdade e a prevalência do princípio do estado de inocência presumida.

Por óbvio, se lei existisse seria contrária à Constituição, cujo texto é suficientemente claro para qualquer leitor e intérprete mediano: artigo 5º: “LVII -

ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

61 - Habeas Corpus n. 126.292/SP – Decisão do Plenário do STF: “O Tribunal, por maioria e nos termos

do voto do Relator [Min. Teori Zavascki], denegou a ordem, com a conseqüente revogação da liminar, vencidos os Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente). [...] Plenário, 17.02.2016.”

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Argumentos que invocam “opinião pública”62

ou a existência da previsão de cumprimento antecipado ou provisório de pena de prisão em outros países são inaplicáveis. Decidir conforme a “opinião pública” que, para Bourdieu (1987, p. 137- 151), “não existe”, não é a missão constitucional do Supremo. E, também, decidir conforme a constituição de outro país é papel da Corte Constitucional daquele país, aqui, aplica-se a Constituição da República Federativa do Brasil.

Neste caso, o Supremo não se limitou a interpretar a Constituição e, sim, produziu uma decisão, uma norma que revogou texto constitucional; isso, conforme a proposta do direito como efetividade, é criar um direito negativo para a pessoa que teve suprimido o seu estado de liberdade, antes da formação da culpa definitiva pelo Poder Judiciário. O que o Supremo decidiu equivale a dizer ao sentenciado que exerça, preso, o seu constitucional direito à liberdade, cuja efetividade passa a ser genericamente negada.

A última palavra no julgamento, que deveria ter se dado por uma das suas duas turmas, mas foi afetado ao plenário63, é institucionalmente do Supremo, isto emana da Constituição. Mas, talvez, esta decisão poderá abrir um precedente interessante: porque poderá ser (já o é) objeto de mobilizações jurídicas, políticas e sociais que confrontarão o conforto da última palavra, exatamente, porque desprezou a Constituição. Isto, quer dizer, também, que o verdadeiro guardião da Constituição não é, única e necessariamente, o STF.

A Constituição pode ser mudada, mas fazer outra Constituição não deve ser