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LUTAS POR DIREITOS: TERRA E REFORMA AGRÁRIA

“O que os militares fizeram? [...] Eles avançaram do ponto de vista da lei, mas eles destruíram o sujeito que fazia a lei acontecer” (José Valdir Misnerovicz, 2015).

“Eu fui preso e torturado porque lutava – como luto ainda – pela reforma agrária” (Vicente Pompeu da Silva in: CARNEIRO; CIOCCARI, 2011, p. 112).

“E a nossa luta, como se diz, é comum, é todo mundo lutando pelo direito da terra, lutando por um objetivo só. Direito de ter a terra, moradia...” (Lucélia Aparecida José Ferreira Adorno, 2015) “Tem que aprender a lutar, conquistar a sua terra, não esperar. É muito difícil esperar e aquela coisa acontecer” (Letícia Garcês de Souza, 2015).

“Primeiro, tem que gostar. Quem entrar na reforma agrária, prá lutar por um pedaço de chão, tem que gostar da terra, gostar da luta...” (Elisângela Inácio Francino, 2015).

Neste capítulo, a terra e a reforma agrária são abordadas, associadamente, como um direito que, a partir de seu efetivo cumprimento, se torna um potencial realizador das promessas de outros direitos, inclusive, principiológicos como o de igualdade e da dignidade humana. A afirmação dessa possibilidade realizadora de direitos como efetividades está associada aos contextos e aos processos de lutas políticas e sociais, objetivamente, por reforma agrária, também, como medida concretizadora da Constituição.

A reforma agrária é viabilizadora da terra como direito e está inscrita como uma promessa político-jurídica do Estado brasileiro a seus cidadãos interessados em ter acesso à terra como uma solução econômica para o País, essa concepção fez com que o seu conteúdo esteja expresso na Constituição, no capítulo “Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária”, incluído no título da “Ordem Econômica e Financeira”, embora seja reconhecido o seu impacto social.

90 2.1 – Terra: um direito diferente

Importante afastar a concepção equivocada de que a terra seja um meio ou instrumento de produção como qualquer outro. Marx e Engels (1984, p. 101) fazem a seguinte distinção: “Manifesta-se aqui, portanto, a diferença entre os instrumentos de produção naturais e aqueles criados pela civilização. O campo (a água etc.) pode ser considerado como um instrumento de produção natural”. Assim sendo, a terra representa uma possibilidade singular de direito.

Segundo Ianni, a terra – como meio de produção natural – tem significados distintos para o camponês e para o fazendeiro:

Para o posseiro (camponês) a terra é o seu principal meio de produção, depois do próprio trabalho, que o posseiro só pode desempenhar na terra. Para o fazendeiro (burguês) a terra é um entre outros meios diretos e indiretos de produção, dentre os quais se colocam também a maquinaria agrícola, o jipe, o caminhão, o avião, o crédito bancário, o incentivo fiscal, a força de trabalho do peão, do vaqueiro e outros. São esses, em forma breve, alguns dos componentes principais do antagonismo existente entre o fazendeiro e o posseiro, antagonismo esse que alimenta a violência física e as tricas jurídicas que acompanham a luta pela terra (IANNI, 1981, p. 90).

A propriedade ou a posse da terra é, diferenciadamente de outros, um direito- obrigação. Como obrigação mínima, o proprietário ou posseiro tem o dever que torná-la produtiva (essa consciência aparece em todas as entrevistas – Capítulo 4). A exigência do “semeio da terra” foi expressa, desde a Lei de 26 de junho de 1375, baixada pelo Rei de Portugal, como um constrangimento imposto aos proprietários, arrendatários, foreiros, enfim, quem detivesse terras por qualquer meio. Uma lei “constrangedora” como essa só teve sentido de existir porque havia um constrangimento maior a que se propunha combater por lei, a ociosidade da terra por parte de quem nela deveria trabalhar e não o fazia.

Essa obrigação produtiva exigida entre o proprietário ou possuidor com a terra não foi transportada para o Brasil que começou em Portugal. A necessidade da consolidação do domínio português sobre o território brasileiro, ameaçado de ocupação por outros povos europeus, levou à utilização das terras como elemento central das negociações entre a Coroa e o colonizador-donatário. A terra foi instrumentalizada e convertida em elemento do poder soberano português delegado aos prepostos da Coroa. A terra deixou de ter importância como lugar do trabalho e da produção, sem isso,

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deveria ser retirada de quem a detivesse e não lançasse sementes e produzisse frutos agrícolas sobre a mesma.

2.2 – Reforma agrária: um direito em busca de efetividade

2.2.1 - Reforma agrária no contexto do Continente Americano e do Brasil pré-1964

Um acontecimento, em 1959, na pequena ilha de Cuba, localizada no Caribe, teve influência determinante no contexto das movimentações políticas nas Américas, na década de 1960. A luta armada, liderada por Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara, rompeu a ditadura de Fulgêncio Batista, apoiada pelos Estados Unidos que, inicialmente, apoiou, também, a Revolução Cubana, mas isso, após terem perdido a Batalha da Bahia dos Porcos (NETTO, 2014, p. 36-38; REIS FILHO, 2014, p. 24-25).

O programa do novo governo de Cuba, que previa, entre outras medidas, uma profunda reforma agrária, além de estatização da indústria local, e, sobretudo, a aproximação de Cuba com a, então, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, foram justificativas para que o Governo de Washington negassem apoio e, numa reação extrema, isolou Cuba de suas relações diplomáticas e comerciais, impondo o embargo econômico, até aprovar sua expulsão da Organização dos Estados Americanos – OEA. Mas, nem mesmo todas estas medidas conseguiriam afastar “perigo” de o exemplo cubano se espalhar pelo continente, porque isso já acontecia: “Tendo sido a reforma agrária a espinha dorsal daquela Revolução, seu eixo, sua alma, os camponeses nordestinos imediatamente passaram a defendê-la nas demonstrações de massas, passeatas e comícios” (JULIÃO, 1962, p. 42).

Com sua política de intervencionismo44 e controle da região do Continente45, os Estados Unidos identificaram o grave problema das desigualdades econômicas e sociais que representava o ambiente propício para possíveis novas revoluções e concluíram que era preciso bloquear essa possibilidade. Especificamente, em relação às demandas por grandes reformas, com destaque para a agrária, John F. Kennedy interpretou aquele

44 - “É sobretudo depois de 1960, e quando o governo norte-americano, em seguida aos acontecimentos

de Cuba, se lança abertamente em sua política intervencionista na América Latina, que a opinião pública brasileira começa a tomar consciência mais clara do problema” (PRADO JR., 2014, p. 199).

45 - “No imediato pré-1964, [o embaixador dos EUA, no Brasil Lincoln] Gordon se articulou com os

golpistas e lhes ofereceu todas as garantias de total apoio por parte de Washington; e se sabe, hoje, que em outubro de 1963, Kennedy chegou a cogitar, em conversa com Gordon, uma intervenção militar no Brasil” (NETTO, 2014, p. 38).

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contexto e chegou à seguinte constatação: “aqueles que fazem a reforma impossível,

tornam a mudança violenta inevitável” (VEIGA, 1981, p. 9). Objetivamente, isso era

uma expressão realista e inaceitável do temor de que a mudança violenta inevitável, na visão dele, significaria rupturas com o modelo capitalista e com o alinhamento dos países com os Estados Unidos.

Em suma, a lucidez de Kennedy decorria da história anterior e presente à época, porque as revoluções não precisam de leis para promoverem mudanças, na expressão dele, violentas. Consequentemente, em maio de 1961, o presidente Kennedy propôs um grande pacto nas Américas, a Aliança para o Progresso, e convocou uma reunião de representantes dos Governos dos países do Continente para tratar de medidas que atacassem, principalmente, o problema das desigualdades e outras insatisfações que fermentavam um ambiente de mobilizações políticas e sociais contra governos alinhados. A expressão “mudança violenta” tentava escamotear o caráter violento revestido de legalidade, de ordem e de paz, como se o fato de estar num ambiente institucional, transformado em lei, a violência desaparecesse.

Punta del Este, no Uruguai, sediou a Conferência do Conselho Interamericano Econômico e Social – CIES, organismo anexo da Organização dos Estados Americanos – OEA, que se realizou entre os dias 5 e 17 de agosto de 1961. Uma pergunta frequente na conferência era: “Se não tivesse surgido Fidel Castro, os Estado Unidos teriam

tomado essa decisão de ajudar no desenvolvimento dos países pobres do Continente?”.

O que cabe destacar, aqui, é a repercussão daquele movimento político revolucionário, numa pequena ilha, que gerou reações no sentido de: fazer concessões ou correr o risco de algumas mudanças ocorrerem sem o controle daqueles governos. A proposta estadunidense era a de executar um intenso programa de ações de curto e longo prazos, com a finalidade de promover o “desenvolvimento integral” dos países, para superar o que identificaram como os grandes anseios das populações do Continente: “trabajo, techo y tierra, escuela y salud” (OEA, 1967, p. 3).

A reforma agrária tornou-se um tema central dos dois principais documentos produzidos na famosa conferência de Punta del Este. O primeiro documento aprovado foi a “Declaración a los Pueblos de América”, no qual se afirmou o acordo que constituiu a Aliança para o Progresso proposta pelo então Presidente Kennedy: “los

Representantes de las Repúblicas Americanas acuerdan entre si constituir la Alianza para el Progreso: um vasto esfuerzo para procurar uma vida mejor a todos los habitantes del Continente” (OEA, 1967, p. 3).

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O segundo, e mais importante documento daquela Conferência, foi a “Carta de

Punta del Este”, que evidenciou o conteúdo do que se definiu como grandes objetivos

da década, delineando as medidas que integrariam o programa de ações. O item 6, da

Carta reproduz, com as mesmas palavras que estabeleciam, na “Declaración a los Pueblos de América”, um dos principais compromisso dos Estados Americanos:

Impulsar, dentro de las particularidades de cada país, programas de

reforma agraria integral, orientada a la efectiva transformación, donde así

se requiera, de las estructuras e injustos sistemas de tenencia y explotación de la tierra, com miras a sustituir el régimen del latifundio y minifúndio por un sistema justo de propiedad, de tal manera que, mediante el complemento del crédito oportuno y adecuado, la asistencia técnica e la comercialización y distribución de los productos, la tierra constituya para el hombre que la trabaja, base de su estabilidad económica, fundamento de su progressivo bienestar y garantía de su libertad y dignidade46 (OEA, 1967, p. 11).

A expressão passou a ser reforma agrária integral, com a agregação de um adjetivo que explicitou a amplitude da dimensão do conceito dessa reforma que, acima de tudo, é capaz de promover profunda transformação das estruturas fundiárias, com radical impacto no direito de propriedade, considerado injusto porque permite a convivência de latifúndios e minifúndios. Numa análise de discurso, é possível interpretar que a retórica da adjetivação e a amplitude da conceituação da reforma agrária cumpriam uma finalidade simbólica de seduzir e de acalmar ânimos entre aqueles que reivindicavam a reforma. Entretanto, esse conceito combinava, em termos de conteúdo, com o que reivindicavam as Ligas Camponesas, no Brasil:

A reforma agrária pela qual lutamos tem como objetivo fundamental a completa liquidação do monopólio da terra exercido pelo latifúndio, sustentáculo das relações antieconômicas e anti-sociais que predominam no campo e que são o principal entrave ao livre e próspero desenvolvimento agrário do país (JULIÃO, 1962, p. 84).

Na verdade, a radicalidade da proposta é da essência do próprio conceito de reforma agrária e não da iniciativa estadunidense, que assumiu tais discurso e conceito, porque a reforma agrária é necessária ao capitalismo. Nesse sentido, Francisco Graziano, tratando da reforma agrária no capitalismo, destacou:

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- Carta de Punta del Este, Título 1º, art. 6º. Esta definição de reforma agrária integral foi incorporada à Mensagem n. 33, de 26 de outubro de 1964, que encaminhou ao Congresso Nacional o projeto que se converteu na Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra (BRASIL, 2007, p. 117-125).

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Desde a Revolução Francesa de 1789, quando os camponeses tomaram pela força as terras dos nobres e a burguesia assumiu o poder, o ideal de reforma agrária está associado à modernidade. Por toda a Europa, naquela época, as terras foram divididas pela imposição das armas, representado a extrema- unção do feudalismo (GRAZIANO, 1996, p, 53).

É preciso, como declarado, por fim aos dois: latifúndios e minifúndios, para, a partir disso, estabelecer um sistema justo de propriedade, embora a questão da propriedade não seja o problema fundamental a ser resolvido pela reforma agrária, mas, sim, o uso da terra. A terra obtida por processo de reforma agrária deve exigir do assentado um compromisso fundamental com a produção de alimentos e não apenas em quantidades, combinado com a preservação da natureza (ver item Reforma agrária e

uma nova função social da terra, neste capítulo).

Internamente, no ambiente das reivindicadas reformas de base, no início da década de 1960, uma das mais reclamadas era a reforma agrária que estava concebida como proposta importante em um projeto de desenvolvimento do País:

A reforma agrária, para distribuir a terra, com o objetivo de criar uma numerosa classe de pequenos proprietários no campo, rompendo com o monopólio da terra e atingindo as bases de sustentação do latifúndio, ao mesmo tempo que ampliaria o mercado interno, viabilizando o desenvolvimento industrial autocentrado (REIS FILHO, 2014, p. 33).

O tempo passava e a reforma não acontecia, o que gerou um ambiente de acirramento da reivindicação. O exercício do direito de pressão por parte dos movimentos sociais interessados e defensores da reforma agrária ganhou força numa expressão, numa palavra de ordem carregada de sentidos: a reforma agrária deveria acontecer na lei ou na marra; esta expressão sintetiza o propósito do direito como

efetividade, inclusive, registrando-se que não havia lei específica sobre reforma agrária,

quando foi formulado aquele pensamento que se tornou palavra de ordem.

O surgimento da expressão “reforma agrária radical. Na lei ou na marra” (JULIÃO, 1962, p. 49) se deu, antes da existência de lei que tratasse do tema reforma agrária, no Brasil; seu significado, partindo da um advogado e parlamentar, é o de reivindicar a força de lei, mas não se submete à anterioridade da lei, porque poderia ocorrer pelas vias existentes, como o exemplo do Estado do Pernambuco, que promoveu desapropriação de terras, na forma jurídica então existente, para “fins sociais”, porque, obviamente, não havia previsão legal para “fins de reforma agrária”.

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O historiador Daniel Aarão Reis filho (2014, p. 37), analisou o ambiente que gerou uma expressão mais forte da demanda da reforma: “Nessa atmosfera, alguns segmentos mais radicais passavam, crescentemente, a defender o recurso à força, sintetizando-o na agressiva palavra de ordem: reforma agrária na lei ou na marra”.

Mas, podia a força de lei (DERRIDA), com a ressalva de que a lei, também, poderia ser aprovada “na marra”, fazendo com que a reforma agrária, em última análise, seria um resultado da luta que gerasse a lei, para gerar a reforma.

Naturalmente, uma lei específica poderia criar mecanismos mais viabilizadores, inclusive, no aspecto econômico para custear as aquisições de terras, que não podem ser poucas; na estruturação de unidade administrativa própria para executar a reforma agrária e outras medidas jurídicas para a promoção da reforma agrária.

O governo do presidente João Goulart apoiava e era apoiado pelos vários movimentos reformistas, que pressionavam o Congresso Nacional a aprovar as iniciativas de leis necessárias às reformas de base. O governo buscava apoio popular para suas posições, porque o ambiente político estava marcadamente dividido entre os conservadores e os reformistas, estes com fortes lideranças vinculadas ao comunismo.

Em busca da legitimidade popular, foi mobilizado o Comício das Reformas, no dia 13 de março de 1964, realizado no Rio de Janeiro, ocasião em que o Presidente anunciou a desapropriação de terras localizadas às margens de rodovias, ferrovias e

obras públicas.

Uma demonstração típica do direito que pode ser conquistado, como efetividade, a partir da luta e das pressões sociais que criam o ambiente político capaz de sustentar a tomada de determinadas decisões, foi a edição, por parte do então Presidente João Goulart, do:

Decreto n. 53.700, de 13 de março de 1964, que “Declara de interesse social para fins de desapropriação as áreas rurais que ladeiam os eixos rodoviários federais, os leitos das ferrovias nacionais, e as terras beneficiadas ou recuperadas por investimentos exclusivos da União em obras de irrigação, drenagem e açudagem, atualmente inexploradas ou exploradas contrariamente à função social da propriedade, e dá outras providências”.

Sem legislação especificamente aprovada para autorizar – que significa permitir e limitar, ao mesmo tempo – o poder público a promover a reforma agrária, o governo, convicto de que deveria realizá-la, mas, ao mesmo tempo, bastante pressionado, utilizou-se da forma jurídica existente e fundamentou o seu ato declaratório no “artigo

96 87, item I, da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962 e no Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941”.

O dispositivo constitucional invocado era o que fixava a atribuição exclusiva e genérica, ao Presidente da República, de poder expedir decretos. A citada Lei n. 4.132/1962, recente à época e vigente até hoje, é a que definiu os casos de desapropriação por interesse social, porém, obviamente, nenhuma alusão faz à reforma agrária, ou seja, não era uma das possíveis causas de desapropriar por interesse social. O Decreto-lei n. 3.365/1941, do estado novo e, também, vigente até hoje, é o que disciplina as desapropriações por utilidade pública, que, à época, nenhuma referência fazia à reforma agrária (somente em 2001, a Medida Provisória n. 2.183-56 incluiu dispositivos neste Decreto-lei, para estender, à desapropriação de terras a serem destinadas à reforma agrária, a incidência de juros compensatórios acrescidos sobre o valor do preço do bem ofertado na origem da ação judicial e o valor fixado na sentença; e, também, para fixar honorários de advogado sobre aquele valor apurado como diferença do preço administrativo e o preço judicial).

A decisão política foi a fundadora do ato decisório jurídico-administrativo consubstanciado no ato simbólico de assinar o Decreto n. 53.700, de 13 de março de 1964, no comício da Central do Brasil.

O fato concreto é que esse decreto presidencial traduziu, na forma de um ato jurídico, a palavra de ordem: reforma agrária, na lei ou na marra, cujo conteúdo ficou conhecido como a proposta expressa de reforma agrária do presidente João Goulart, que evidencia influência da proposta formulada por Caio Prado Júnior, ainda no ano de 196247. Prado Júnior, um dos grandes pensadores do Brasil, de formação diversificada em direto, história, geografia e economia, exerceu intensa atuação política, nos seus estudos sobre a estrutura agrária brasileira, propõe um modelo de reforma agrária:

Onde as desapropriações das grandes propriedades e loteamentos das terras se faz uma imposição indeclinável é nas zonas beneficiadas ou a serem beneficiadas por obras públicas. Não é admissível, como tantas vezes se tem verificado, que tais obras aproveitem unicamente a um punhado de grandes proprietários, sem vantagem alguma, ou com vantagens mínimas inteiramente desproporcionadas aos gastos efetuados com recursos públicos,

47 - A proposta de Caio Prado Júnior para a reforma agrária está contida na obra que se intitula A questão

agrária no Brasil e a sua datação está expressa no corpo de seu próprio texto, quando se refere a que:

“Nem ao menos a contribuição de melhoria prevista na Constituição Federal, art. 30, I, a ser cobrada dos proprietários beneficiados com obras públicas, é exigida, pois embora sejam decorridos dezesseis anos da

promulgação da Constituição, a contribuição de melhoria ainda não se encontra regulada” (PRADO

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para a população trabalhadora local que constitui naturalmente grande maioria (PRADO JÚNIOR, 2014, p. 382).

Porém, o que se seguiu foi o aprofundamento da crise política, com a perda de apoio ao governo nos grupos de centro (como o Partido Social Democrático), as manifestações e os atos do dia 13 de março de 1964, sobretudo, aquele decreto, foram o estopim para a deflagração do golpe civil-militar no dia 1º de abril seguinte.

A reação de veto à reforma agrária, por parte de seus contrários, como a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP48, foi suficiente para, nesse sentido, configurar um direito como efetividade contra a possível efetividade de um outro direito, pois, impediu a realização reforma agrária. Ao completar um mês de existência no mundo jurídico, o decreto de Goulart teve sua revogação, igualmente, decretada por Ranieri Mazzilli:

Decreto nº 53.883, de 13 de Abril de 1964

Revoga o Decreto n. 53700, de 13 de março de 1964. O PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, no exercício do cargo de PRESIDENTE da REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 87, I, da Constituição Federal,

DECRETA:

Art. 1º Fica revogado o Decreto nº 53.700, de 13 de março de 1964.

Art. 2º Êste decreto entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.