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1 DIREITOS CULTURAIS E PATRIMÔNIO CULTURAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1.4 Direitos culturais nas dimensões de direitos fundamentais Quando o direito constitucional tenta categorizar o aparecimento

histórico dos direitos fundamentais, recorre a uma figura metafórica, atribuída a Karel Vasak, de associá-los ao lema da revolução liberal- burguesa na França – liberdade, igualdade, fraternidade – de acordo com a coloração da bandeira daquele país, isto é, primeira, segunda e terceira gerações de direitos (LIMA, 2003). Posteriormente, essa visão foi difundida a partir da posição jurídica dos titulares frente ao Estado, ou seja, as diversas fases de reconhecimento e tutela diante das transformações históricas pelas quais as formas da organização estatal atravessaram e foram se modificando (Estado Liberal, Estado Social, Estado Pós-Social), incorporando paulatina e acumulativamente camadas (NABAIS, 2008, p. 74) ou gerações de direitos fundamentais.

Essa divisão é enganosa. Primeiro, porque se baseia em algumas ilusões do que Boaventura de Sousa Santos (2013a) denomina concepção hegemônica dos direitos humanos. Em particular, encara a história humana como evolutiva e linear (ilusão teleológica) em que o aparecimento, surgimento, conquista e reconhecimento desses direitos teriam se dado de forma universal, abrangendo contextos diversos e locais diferenciados (HERRERA FLORES, 2009, p. 69; WOLKMER, 2012, p. 32).

Peca, portanto, pela ilusão da descontextualização, muito por se basear apenas no que parcialmente ocorreu na modernidade ocidental europeia (SANTOS, 2013a, p. 47). De outro modo, até quando houve reconhecimento formal dos direitos humanos na Europa, isso não significou a sua realização para muitas classes sociais e grupos vulneráveis. Afora isso, omite que o triunfalismo de certa concepção de dignidade imperou na dominação de países e continentes, África, Ásia e América Latina, ignorando tensões e conflitos (monolitismo) até entre os direitos humanos (SANTOS, 2013a, p. 46-50).

No mais, a própria ideia de gerações ou camadas, além de trabalhar com uma noção de sucessão linear, progressiva, de sobreposição, onde

uma substitui ou supera a outra, parece depor contra a indivisibilidade dos direitos fundamentais. Dessa maneira, também põem em dúvida as lutas sociais por efetivações de direitos, a ponto de invisibilizá-las, pois a efetividade é tarefa sempre inacabada.

Porém, a categoria tem um uso didático-pedagógico que, se utilizado na acepção de dimensões inter-relacionadas, tanto pode identificar necessidades emergentes (individuais, coletivas, difusas), no entendimento de Antonio Carlos Wolkmer (2012, p. 35), quanto os diversos tipos de direitos, efeitos jurídicos e titulares.

Em geral, os direitos culturais são tidos como direitos de segunda geração, ou seja, prestacionais por parte do Estado. Não obstante, estão presentes em todas as dimensões (CUNHA FILHO, 2000, p. 66-67; PEDRO, 2011, p. 45; VARELLA, 2014, p. 59 e ss.; SOUZA, 2012, p. 56- 59). Trabalhar-se-á com as dimensões de direitos individuais (primeira dimensão/liberdade), prestacionais (segunda dimensão/igualdade) e metaindividuais (terceira dimensão/solidariedade fraternidade).

Os denominados direitos de liberdade são, em verdade, princípios basilares da autonomia individual em oposição ao Estado, cujos efeitos são, por parte deste, o dever de um non-facére, de uma abstenção. Têm, nesse sentido, um status negativus que protege o cidadão de qualquer interferência, garantindo-lhes o poder de resistência frente a violações. São eles o direito à vida, à privacidade, à intimidade, à propriedade, à igualdade formal, os direitos de personalidade, os direitos políticos (à nacionalidade, ao voto, de participação etc.) e às liberdades de manifestação, de imprensa, de reunião, de expressão e de criação, dentre outros.

A Constituição Federal de 1988, em seu catálogo de direitos fundamentais, no artigo 5º, inciso IX, além do artigo 215 e dos §§ 2º e 3º do artigo 220, dissonante das experiências constitucionais anteriores, agrega a liberdade de expressão cultural enquanto direito subjetivo similar às tradicionais liberdades de pensamento e manifestação (CUNHA FILHO, 2000, p. 66; SILVA, 2001, p. 56-60). Esse bem jurídico nada mais é que um direito cultural individual, decorrente da autonomia constitucional dessa seara da qual se destacam, em específico, a liberdade de expressão da atividade intelectual e artística e os direitos autorais (artigo 5º, XXVII e XXVIII, da CF/88).

Embora não se enfrentem maiores problemas com a posição de que a liberdade de expressão cultural se encontra dentre os direitos culturais, não é pacífica a ideia de que os direitos de autor e os que lhe são conexos assim também o sejam, até porque, tradicionalmente, essa tutela é associada ao direito civil, não apenas sob o aspecto patrimonial sobre as

faculdades relativas à disposição das obras intelectuais, mas, sobretudo, pelos traços morais vinculados à personalidade dos criadores.

José Afonso da Silva (2001, p. 174) inclui a análise dos direitos autorais na ordenação constitucional da cultura, porém, não os identifica como direitos culturais, pois considera esta última categoria de bens jurídicos direitos sociais, tais quais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia e o lazer, em razão de sua natureza privada. Este posicionamento não condiz com a natureza contemporânea dos direitos autorais, pois

A perspectiva é diferente aqui. Ela parte da idéia de que a matéria do direito autoral pode integrar, em particular, as preocupações provenientes do direito da cultura. O objetivo do direito autoral é de assegurar a proteção do autor e a perenidade do processo de criação. Ele é construído sobre um equilíbrio visando permitir aos autores de gozar, durante um período limitado, dos frutos de suas criações, proporcionando ao público a existência mesma dessas criações, para o advento de um patrimônio cultural assim também a fruibilidade desse patrimônio22 (CORNU, 2007, p. 135).

Para Jésus Pietro de Pedro (2007, p. 224; 2011, p. 45), os direitos autorais nada mais são do que o resultado protetivo dos processos de exercício da liberdade de criação cultural que recaem sobre a exteriorização do intelecto criativo do ser humano (COSTA, 2014; VARELLA, 2015, p. 61; SOUZA, 2012, p. 72). Porém, apesar de suas afinidades, tecnicamente se tratam de dois bens jurídicos distintos. Reconhecem-se nos direitos intelectuais, a partir da historicidade das convenções internacionais sobre o assunto, os primeiros dos direitos culturais, ao lado do direito à educação.

Em abordagem similar, Luiz Gonzaga Silva Adolfo (2008, p. 348- 355), de acordo com direcionamento do autoralista português José de

22 Tradução livre do original em francês: “La perspective est ici différente.

Elle part de l'idée que la matiére du droit d'auteur peut intégrer, notamment du dedans, des préoccupations tirées du droit de la culture. L'objectif du droit d'auteur est d'assurrer la proteccion de l'auteur et la pérenitté du processus de creátion. Il est bâti sur un equilibre visant à permettre aux auteurs de jouir, pendant une période limitée, du fruit de leurs créations, garantissant au public l’existence même de ces créations, donc l’avènnement d’un patrimoine culturel ainsi que la jouissance de ce patrimoine”.

Oliveira Ascensão, defende que o direito autoral é um direito da cultura, por cinco motivos: 1) o interesse público, subjacente a sua tutela, que envolve para o desenvolvimento cultural; 2) o equilíbrio necessário entre os interesses dos criadores e dos consumidores nas cadeias econômicas da cultura; 3) o reconhecimento dos direitos daqueles responsáveis por dar suporte infraestrutural à produção dos bens intelectuais, ou seja, as empresas, que não implique na transferência dos direitos intelectuais dos autores; 4) a combinação da necessidade da gestão coletiva com o controle e a fiscalização das atividades das organizações que a integram, não apenas por parte dos criadores, mas pela sociedade; 5) e, por fim, a garantia de tutela adequada dos titulares dos direitos conexos.

Em última instância, esta atividade hermenêutica tem por intuito atribuir um desiderato finalístico de caráter genérico aos direitos autorais, qual seja o de compromisso com a dinamicidade dos processos de criação e inventividade perpetrados pela cultura (HARVEY, 1997). Não à toa se atravessou um intenso debate sobre a Reforma da Lei de Direito Autoral brasileira, Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, cuja centralidade repousa na proporcionalidade entre os interesses titulares dos direitos autorais e os direitos da sociedade, tal qual o de acesso à cultura (WACHOWICZ, 2011a).

De outra maneira, defende-se também pelo reconhecimento e afirmação de que os bens intelectuais são bens culturais, portanto não estão alheios às políticas de promoção, fomento e difusão que garantam a fruição de bens e serviços culturais à população, sem estar à mercê somente da visão mercadológica das obras protegidas enquanto ativos econômicos pura e simplesmente (WACHOWICZ, 2011b, p. 80-83).

Apesar de se apresentarem como individuais, já que está se falando estritamente de direitos autorais, isso não significa que não haja a existência de criações coletivas como a de povos indígenas, comunidades tradicionais, cujos integrantes podem até se valer desses direitos, mas, certamente, carecem de uma regulamentação própria.

Os direitos culturais ensejam não apenas uma postura ativa por parte do Estado, mas podem envolver abstenções e omissões quando se tratar de direitos individuais da cultura. Afinal, essa categoria fundamental tem sua autonomia frente às demais, ao tempo que com elas convive.

Quando os direitos culturais de conteúdo não tenham sido positivados como liberdades culturais, nem como direitos fundamentais culturais, tenham ou não uma dimensão prestacional, podem se configurados como direitos culturais de prestação.

Mas neles, o estabelecimento da organização prestacional é requisito funcional prévio. A questão é que estes direitos culturais condicionados – empregando o qualificativo de Baldassarre – requerem para sua satisfação a existência de um orçamento de fato, seja uma estrutura organizativa prestacional, o estabelecimento dos serviços correspondentes, com suas coberturas orçamentárias, ou a criação de uma Administração ou as instituições necessárias para satisfazer as prestações materiais que são objetos do direito mesmo. Quando tais estruturas tenham sido estabelecidas, se convertem em direitos subjetivos diretamente acionáveis e exigíveis judicialmente. No caso dos direitos fundamentais culturais, positivados como direitos públicos subjetivos, o Estado está obrigado à atividade prestacional através da correspondente organização, em geral mediante a técnica do serviço público. O exemplo mais claro que temos no direito cultural positiva como um princípio diretor ou como determinação de uma tarefa de Estado, se vincula indefectivelmente aos recursos disponíveis ao que a jurisprudência alemã denominou de reserva do possível23 (MORENO, 2003, p. 82-83).

23 Tradução livre do original em español: “Cuando los derechos culturales de

contenido no se han positivizado como libertades culturales, ni como derechos fundamentales culturales, tengan o no una dimensión prestacional, pueden ser configurados como derechos culturales de prestación. Pero en ellos, el establecimiento de la organización prestacional es un requisito funcional previo. La cuestión es que estos derechos culturales condicionados – empleando el calificativo de Baldassarre – requieren para su satisfacción la existencia de un presupuesto de hecho, sea una estructura organizativa prestacional, el establecimiento de los correspondientes servicios, con su cobertura presupuestaria, o la creación de una Administración o de las instituciones necesarias para satisfacer las prestaciones materiales que son objeto del derecho mismo. Cuando tales estructuras han sido establecidas, se convierten en derechos subjetivos directamente accionables y exigibles judicialmente. En el caso de los derechos fundamentales culturales, positivizados como derechos públicos subjetivos, el Estado está obligado a la actividad prestacional a través de la correspondiente organización, por lo

Seguindo a sociologia da divisão sistêmica de Parsons, evidenciada por Jésus Pietro de Pedro (2006, p. 194-196), ao transportá- la para as realidades segmentadas na Constituição espanhola como sinal do racionalismo científico moderno na história das constituições, a cultura desponta enquanto subsistema ao lado da política, da economia e da sociedade, o que lhe confere, na gramática constitucional, o caráter autônomo, “não subordinada nem confundida com o social, e aponta assim mesmo um campo conceitual consistente e geral, não casuístico24”. Resta claro, todavia, que esta autonomia é apenas relativa e que as possibilidades de interferência mútua entre esses campos são quantitativa e qualitativamente infindáveis.

Apesar desse parêntese, há direitos culturais que são prestacionais, dentre eles o direito à ou de acesso à cultura. Não rara é a confusão que se faz em substituir o gênero por esta espécie (CUNHA FILHO, 2011, p. 118; PEDRO, 2006, p. 278-279). Para José Afonso da Silva (2001, p. 48): “direito à cultura, pois, é um direito constitucional fundamental que exige ação positiva do Estado, cuja realização efetiva postula uma política cultural oficial”. Para o constitucionalista, o direito cultural tem dupla face: é norma agendi que obriga o Estado a garantir os direitos culturais, bem como facultas agendi, ou seja, o direito garante a todos os titulares a faculdade de agir para reivindicá-lo ou postulá-lo diante da norma objetiva obrigatória.

Esse conjunto de todas as normas jurídicas, constitucionais ou ordinárias, é que constitui o

direito objetivo da cultura; e quando se fala em direito da cultura se está referindo ao direito

objetivo da cultura, ao conjunto de normas sobre cultura. Pois bem, essas normas geram situações

jurídicas em favor dos interessados, que lhes dão a

faculdade de agir, para auferir vantagens ou bens jurídicos que sua situação concreta produz, ao se subsumir numa determinada norma. Assim, se o

general mediante la técnica del servicio público. El ejemplo más claro lo tenemos en el derecho cultural positivizado como un principio rector o como determinación de una tarea del Estado, se vincula indefectiblemente a los recursos disponibles a lo que la jurisprudencia alemana ha denominado la reserva de lo posible”.

24 Tradução livre do original em espanhol: “[…] no subordinada ni

confundida con lo social, y apunta asimismo un campo conceptual consistente y general, no casuístico”.

Estado garante o pleno exercício dos direitos culturais, isso significa que o interessado em certa situação tem o direito (faculdade subjetiva) de reivindicar esse exercício, e o Estado o dever de possibilitar a realização do direito em causa.

Garantir o acesso à cultura nacional (artigo 215)

– normas jurídicas, norma agendi – significa conferir aos interessados a possibilidade desse acesso – facultas agendi. Quando se fala em direito

à cultura se está referindo a essa possibilidade de

agir conferida pela norma jurídica da cultura. Ao direito à cultura corresponde a obrigação respectiva do Estado. (SILVA, 2001, p. 48) A expressão direito à cultura é usualmente encontrada na gramática constitucional contemporânea como no Preâmbulo da Constituição francesa (PELLAS, 2015, p. 5), na Constituição de Portugal de 1976 e na Constituição da Espanha. Na Constituição Federal de 1988, pode-se localizá-lo no caput e § 3º, incisos II e IV, do artigo 215. Jean- Marie Pontier, Jean-Claude Ricci e Jacques Bourdon (1990, p. 64-65, grifo em itálico original), ao delinearem a formação do direito da cultura francês, igualmente se preocuparam com o âmbito de aplicação desse direito:

Um segundo ponto a examinar concerne à significação da expressão direito à cultura. Este direito, como, aliás, outros direitos sociais e econômicos consagrados no texto constitucional, tem um sentido muito claro: ele implica, não mais uma abstenção do Estado, mas um ação positiva desse último a fim de que este direito seja efetivo25.

De todo modo, a realização subjetiva desse bem jurídico depende de uma atuação positiva do Estado, o que pode inclusive legitimar uma intervenção estatal no domínio econômico. É como classifica Eros Grau (2010, p. 147) as atuações por indução no domínio privado quando analisa a ADI nº 1.950, em que foi relator, quando o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional lei do Estado de São Paulo que assegurava a

25 Tradução livre do original em francês: “Un second point a examiner

concerne la significacion de l’expression droit à la culture. Ce droit, comme du reste les autres droits économiques et sociaux consacrés par le texte constitutionnel, a un sen trés clair: il implique, non plus une abstention de l’Etat, mais une action positive de ce dernier afin que ce droit soit effectif.”.

meia-entrada em estabelecimentos de diversão, esporte, cultura e lazer a estudantes regularmente matriculados na rede de ensino, a denominada meia-cultural.

Entendeu a maioria do Pleno, apesar dos votos contrários dos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, que se tratava de caso no qual o Estado interviria na livre iniciativa econômica para adoção de providências no sentido de garantir direitos fundamentais, tal qual o livre acesso à cultura, à educação, ao esporte e ao lazer de categoria socialmente hipossuficiente. Na ADI nº 3.512, o Supremo retornou à questão, mantendo o seu posicionamento, ao se manifestar pela constitucionalidade de lei capixaba que garantia a meia-entrada aos doadores de sangue.

Outra medida de acesso à cultura é a Lei nº 12.761, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu o Programa de Cultura do Trabalhador, mais conhecido como Vale-Cultura. O intuito é fornecer aos trabalhadores acesso e fruição de produtos e serviços culturais por meio da utilização de um cartão, de caráter pessoal e intransferível, válido em todo o território nacional, no valor de R$ 50,00, fornecidos mensalmente pela empresa beneficiária do programa.

Na perspectiva de direitos da solidariedade, não se protege somente os direitos individuais ou de certos grupos, tampouco se referem às tarefas estatais de cunho social para eliminar as desigualdades. Este tipo é notadamente marcado pelo compartilhamento das responsabilidades entre esfera pública e privada sobre a diversidade de valores difusos e coletivos presentes nas sociedades hodiernas. Estão incluídos nesta categoria os direitos ao meio ambiente, ao desenvolvimento, à paz, à comunicação, à preservação do patrimônio genético, ao patrimônio cultural, do consumidor, enfim, todos aqueles nos quais a titularidade é coletiva ou difusa, denominados (meta) transindividuais, sendo a listagem não exaustiva.

Há uma confusão sobre o alcance das espécies interesse coletivo e interesse difuso do gênero direitos e interesses (meta) transindividuais. Em grande medida, ela é aplacada pelas definições normativas do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990). Porém, é necessário elucidar os sentidos atribuídos a cada um dos conceitos.

Em primeiro lugar, segundo Rodolfo Mancuso (2011, p. 54 e ss.), há três significados usuais para o termo interesse coletivo. Um mais ligado aos interesses da personalidade de pessoas jurídicas, como empresas, portanto restritivo. Outro, mais relacionado a conjunto uniforme ou somatório de interesses individuais que corresponderiam à

tutela dos direitos individuais homogêneos (artigo 81, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor) nos quais “o modo do exercício não pode mudar a essência dos interesses agrupados que permanecem de natureza individual” (MANCUSO, 2011, p. 56). Por fim, o interesse coletivo como síntese, cujos valores são internalizados e com coesão dentro de um grupo, sendo seu exercício indivisível e de titularidade de grupos, categorias ou classes de pessoas como família, partidos, associações, sindicatos, dentre outros (MANCUSO, 2011, p. 65 e ss.).

A doutrina ainda mantém uma divisão entre direitos difusos e coletivos baseada em um aspecto subjetivo da titularidade, e, de outro lado, de um critério objetivo para dimensionamento da circunscrição dos interesses sobre os direitos, isto é, embora ambos sejam indivisíveis, a indivisibilidade pode estar atrelada à indeterminabilidade dos titulares ou à coesão do elo de ligação de um grupo (ZAVASCKI, 2017, p. 41). Ambos são (meta) transindividuais e indivisíveis, mas, no caso dos direitos coletivos, há uma união dos sujeitos titulares baseados em uma relação jurídica entre os membros de uma coletividade ou em face de terceiros numa relação litigiosa (MOREIRA, 2006, p. 118).

Nesse último aspecto, talvez um dos traços mais marcantes dos direitos culturais é a existência de direitos coletivos que “não equivale à soma dos direitos individuais do grupo; ela exige algo mais, já que os grupos são portadores de identidade, um bem comum que funciona como um tipo de copropriedade ou pro indiviso” (PEDRO, 2011, p. 46). Por isso, para Loreto Bravo (2014, p. 375), uma coisa é o exercício coletivo de direitos individuais culturais, outra é reafirmar a existência de direitos culturais coletivos compreendidos como direitos de um determinado grupo.

Isso porque, de um lado, os direitos culturais tanto estão interligados com outros direitos humanos no exercício da autonomia individual de cada um, como também na vivência comunitária da alteridade e, igualmente, no contato com outros grupos e formas de viver (BRAVO, 2014, p. 368). De outro modo, cada grupo, coletividade e comunidade têm direitos culturais coletivos sobre suas expressões e conhecimentos, que se atribuem às suas formas de organização social, aos seus modos de saber-fazer e viver.

Porém, essa concepção enfrenta a tese liberal de que apenas os indivíduos são titulares, sujeitos de direitos, portadores de direitos subjetivos. Tanto que, quando se fala em direito coletivo, a primeira noção não se refere propriamente à titularidade, mas à maneira, manifestação, como os sujeitos a exercem, ou seja, em coletividade ou sozinhos (MORENO, p. 2003, p. 192). Esse é o sentido primário para

direitos coletivos do qual fala Boaventura de Sousa Santos (2013a, p. 63). Não obstante, nos últimos anos, com a reivindicação de direitos das minorias, como povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e populações vulneráveis, ampliou-se esse sentido para direitos coletivos de titularidade desses grupos em virtude de seus traços distintivos; “o titular dos direitos coletivos seria o grupo e não os indivíduos que o integram26” (MORENO, 2003, p. 129). As questões fundamentais que se põem são a autonomia, a identidade, o direito à diferença diante de situações de iniquidade e desigualdade que a formulação de direitos individuais não vai resolver. Esse é o cerne da existência de direitos culturais “que só podem ser exercidos