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1 DIREITOS CULTURAIS E PATRIMÔNIO CULTURAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1.3 Tríade artes-memória coletiva-fluxo de saberes/ fazeres/viveres e transtemporalidade

Se os direitos culturais são fundamentais por realizaram dimensões da dignidade humana, quais matérias então fariam parte do que a Constituição Federal de 1988 concebeu como cultura? Viu-se que a dimensão antropológica é limitada pelo próprio Direito, muito embora não se possa ignorá-la. Metodologicamente, Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 34) sugere que os artigos 215 e 216 e outros esparsos da Constituição de 1988 sejam lidos de maneira empírica junto com os assuntos historicamente vinculados à legislação infraconstitucional e à prática administrativa no Brasil acerca da seara cultural.

Isso aparentemente se faz necessário para nem adotar um conceito tão amplo que não seja capaz de identificar os direitos culturais, tampouco

17 A Divisão de Pesquisa da Corte Europeia de Direitos Humanos (2011)

publicou estudo sobre julgados de direitos culturais nesse tribunal e incluiu nessa categoria de direitos fundamentais: direito à expressão artística, direito de acesso à cultura, o direito à identidade cultural, direitos linguísticos, direito à educação, direito à proteção do patrimônio cultural e natural, direito à liberdade acadêmica e o direito à memória e à verdade (seek historical truth).

demasiado restritivo que exclua matérias, realidades e práticas, ou que não possa ser atualizado. Em ambos os casos, preocupa ainda mais a amplitude que poderia comprometer não apenas a identificação, mas a efetivação dos direitos culturais até no que concerne a sua atribuição aos titulares, deveres e obrigações para sua realização (CUNHA FILHO, 2000, p. 30-31).

Desse modo, a delimitação também tem a vantagem de oferecer uma definição positiva, que não se baseie no que é resíduo ou na exclusão, isto é, direitos culturais são aqueles que não são direitos civis, políticos, econômicos e sociais, ou seja, aquilo que sobra ou resta (CUNHA FILHO, 2000, p. 34; 2004, p. 36; VARELLA, 2015, p. 43). Também afasta a compreensão óbvia e tácita sobre cultura, introduz um consenso mínimo ou pelo menos um ponto de partida. Ainda assim, Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 36) alerta para a sempre arriscada confusão que se faz com essas convenções geralmente aceitas porque suas regulações estão “vinculad[a]s a aspectos pontuais da cultura, como as artes, a literatura, a memória histórica e a simbologia relativa aos sentimentos patrióticos”.

Para ele (CUNHA FILHO, 2004, p. 36-37), a seção específica da cultura na Constituição Federal de 1988 (II do Capítulo III sobre Educação, Cultura e Desporto, do Título VIII da Ordem Social), além de constituir autonomia relativa para o segmento produzir e aplicar suas próprias normas, assim como geri-las (CUNHA FILHO, 2004, p. 95), prevê, no artigo 216, um condensador das matérias tidas como cultura.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio

cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Em verdade, o caput do dispositivo menciona o patrimônio cultural, porém Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 37) observa que uma das formas de definição de um objeto é traçar os elementos que o caracterizam. Na sua avaliação, não há nada mais revelador da cultura do que as manifestações mencionadas nas normas atribuídas à referência dos grupos formadores da sociedade brasileira:

Diante de um texto tão claro, como duvidar que a norma transcrita [o art. 216] não define somente o patrimônio cultural, mas, além deste, também outra coisa: a própria cultura? Chega-se a esta conclusão em virtude de um raciocínio lógico, elaborado nos seguintes termos: a definição de um dado objeto de estudo nada mais é do que formulação lingüística sucinta que dispensa a enumeração pontual de seus elementos componentes, cada um de per si; a

contrario sensu, se se elabora uma relação

completa das características do estudado ser, por outro veio se propicia, também, a sua definição. Pondere-se que a cultura é identificada precisamente por suas manifestações; se a norma menciona que todas as manifestações humanas relacionadas à identidade dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira compõem o

patrimônio cultural do país, e se, para além disso, nada mais pode ser vislumbrado como cultura, de fato o que o legislador fez foi simultaneamente definir patrimônio cultural e cultura para a seara jurídica do Brasil (CUNHA FILHO, 2004, p. 37). Acresça-se a este raciocínio o fato de que a distinção material e imaterial do patrimônio cultural18, nesse caso, não parece só querer

18 A divisão constitucional do patrimônio, como se verá, é somente para

ressaltar a existência de seus dois aspectos basilares, pois as duas dimensões são interdependentes e correlacionadas. Porém, tem reflexos de natureza prática quanto à utilização dos instrumentos e mecanismos de proteção e na seara das políticas públicas culturais. Sinteticamente, Francisco Humberto

destacar a presença de bens corpóreos e incorpóreos integrante do vasto conjunto de referências brasileiras, mas, em certo sentido, retomar os sentidos iniciais do próprio conceito de cultura, ou seja, o desenvolvimento humano em suas bases materiais e espirituais.

Nesses termos, Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 38) diz que nada se vai encontrar de distinto na legislação infraconstitucional. Por conseguinte, condensa na tríade artes – memória coletiva – repasse de saberes os elementos mencionados nos incisos do artigo 216.

Cunha Filho (2009b, p. 202) antecipa os distanciamentos e aproximações dos dois polos do patrimônio: "A dicotomia entre patrimônio cultural material e patrimônio cultural imaterial, em tese, é utilizada – e só assim deve ser - como recurso didático, uma vez que não se pode conceber o patrimônio cultural material sem o significado imaterial que este carrega; tampouco se pode verificar o patrimônio cultural imaterial sem pelo menos fazer referência, ou repercutir, a um suporte físico/material. Ambas as dimensões, portanto, coexistem. Essa ambivalência, além de se verificar no plano didático-teórico, se reflete, ainda, em duas outras searas. A primeira se evidencia no próprio campo do Direito brasileiro, através das normas que criam instrumentos jurídicos que visam à proteção do patrimônio cultural. É o que ocorre, por exemplo, com o tombamento – instrumento jurídico destinado à proteção dos bens de natureza material – e com o registro – direcionado aos bens de natureza imaterial. A segunda seara, em muito decorrente da primeira, é vislumbrada no campo prático de atuação das políticas públicas de preservação, mormente através da aplicação desses mecanismos de proteção, bem como da solidificação de setores específicos, dentro da estrutura do Estado, para lidar com a política de preservação do patrimônio cultural imaterial. A dicotomia ora referida induz à utilização desarticulada ou desarmoniosa dos mecanismos de proteção. Noutras palavras, ao invés de complementarem-se, no intuito de conferir proteção mais eficaz e abrangente, são aplicadas, muitas vezes, de forma excludente: ou um ou outro; ou se tomba ou se registra. O Poder Público, afinal, não pode criar e aplicar políticas públicas temerárias que prejudiquem a finalidade constitucional de preservação do bem cultural selecionado. O fato de o Estado possuir ações diferentes para albergar as dimensões material e imaterial de um mesmo bem cultural, dada a sua peculiar natureza, não significa que tais políticas devam ser contraditórias ou excludentes. Contudo, a desarticulação dos instrumentos jurídicos disponíveis pelo Estado, em virtude dessa inadequada dicotomia, vem ocasionando, não raro, uma proteção jurídica incompleta, como, v. g., acontece com os Terreiros de Candomblé brasileiros - lugares de culto das religiões de origem africana-, que desde 1984 vêm sendo tombados pelo Governo Federal, mas deles não há registro enquanto patrimônio imaterial".

As artes estão referidas no exercício das liberdades (artigo 5º, IX, da CF/88), nas próprias normas definidoras das competências administrativas e legislativas dos entes federados (artigo 23, inciso III e IV, e artigo 24, inciso VII, da CF/88) como merecedoras de proteção, como mecanismo de efetivação do direito à educação (artigo 208 da CF/88), ligadas às expressões, manifestações, espaços e bens que compõem o patrimônio cultural (artigo 216 da CF/88) como termômetro regulador da censura na área da comunicação (artigo 220, § 2º da CF/88), e em forma de princípio da produção e a programação das emissoras de rádio e televisão (artigo 221 da CF/88). Algumas fixações das suas formas são submetidas, por exemplo, à imunidade tributária (artigo 150, inciso V, alíneas “d” e “e” da CF/88).

Por outro lado, a memória coletiva está presente nos diversos dispositivos que buscam o resguardo do patrimônio cultural como elo temporal entre as gerações e fator de identidade. A diversidade de instrumentos que tutelam os bens culturais brasileiros, de acordo com o § 1º, artigo 216 da CF/88, demonstra a importância que a Constituição reserva para sua preservação, proteção e salvaguarda. Por esse caminho, a tarefa estatal de proteção não pode, nem deve, ser realizada sem a participação da comunidade. Seus danos e ameaças são punidos na forma da lei (artigo 216, § 4º, da CF/88). Os bens que representam essa memória coletiva são também meios de garantir a continuidade e a existência até dos sujeitos e vínculos comunitários, tal qual o tombamento constitucional dos sítios e documentos dos reminiscentes quilombos (artigo 216, § 5º, da CF/88).

Para Humberto Cunha (2004, p. 47-49), os saberes são um dos elementos que nos diferenciam dos animais. O ser humano sempre pautou seu desenvolvimento social pela reflexão, troca, transmissão e difusão de ideias e conhecimentos, fazendo uso de bases tecnológicas.

Não há formação de uma sociedade livre, justa e igualitária sem direito à educação, em sua acepção lata (CUNHA FILHO, 2004, p. 49). Desse modo, a Constituição de 1988 tanto reconhece a natureza formal (v. g. instituições de ensino) como informal (v.g. família, comunidades culturais) do que ele chama repasse de saberes. Em seu artigo 205, a Constituição Federal de 1988 sustenta que o direito à educação tem as finalidades de pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em um sentido ainda mais amplo, esse fluxo de saberes inclui a ciência, a inovação e a tecnologia (artigo 218 e ss. da CF/88).

De maneira semelhante, Imre Szabó (1974) apresentou um estudo acerca das normas internacionais declaratórias, protetivas e garantidoras

de direitos culturais e suas existências simultâneas em diferentes sistemas sociais com condições sócio-históricas e econômicas distintas e modelos constitucionais e institucionais díspares. Seu objetivo foi analisar a adequação da legislação internacional às identidades e diferenças dos contextos locais.

Para Szabó (1974, p. 11), o termo coletivo e universal direitos culturais denota uma categoria sintética de direitos humanos, nos quais se incluem vários componentes e ramificações que anteriormente ocupavam lugares distintos e foram absorvidos por uma cláusula geral, dentre os quais os direitos à instrução, à educação formal, à ciência, ao conhecimento, ao aprendizado e à liberdade de opinião, além de seus desdobramentos institucionais, tais quais a liberdade de cátedra, de ensinar e ser ensinado, de escolha do ensino e de seu local etc. Logo, os primeiros direitos culturais reconhecidos estariam vinculados ao direito à educação em sentido lato.

A concepção de repasse de saberes vem paulatinamente sendo ampliada, permeada pela intersubjetividade das trocas culturais, substituindo essa ideia pela de fluxo, não apenas de saberes, mas de fazeres e viveres, de acordo com o inciso II do artigo 216 da CF/88. Afinal, as normas constitucionais também protegem modos de vida, criar e fazer, como dos povos indígenas (artigo 213 da CF/88) e dos quilombolas.

Assim, sem abandonar completamente a dimensão antropológica da cultura, tendo em vista o princípio (valor) da dignidade da pessoa humana e as áreas compreendidas como culturais pela ordenação constitucional da cultura no Brasil, Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 49) adota o seguinte conceito jurídico de cultura:

[...] cultura para o mundo jurídico é a produção humana juridicamente protegida, relacionada às artes, à memória coletiva e ao repasse [fluxo] de saberes [fazeres e viveres], e vinculada ao ideal de aprimoramento, visando à dignidade da espécie como um todo, e de cada um dos indivíduos. Segundo Allan Rocha (2012, p. 59), esse conceito seria bem mais elástico do que o antropológico, supostamente por se referir à “superada relação entre cultura e civilização e atribui finalidades específicas que escapam à dinâmica do próprio fenômeno que busca instrumentalizar”. Porém, a definição dá sinais de que se fundamenta na dignidade de todos (universalidade) e de cada um (diversidade), não se vinculando a qualquer propósito ou processo civilizatório unidimensional e unidirecional. Até

porque o exame do terreno daquilo considerado como cultura é restrito apenas ao que historicamente esteve presente na legislação brasileira. Já para Guilherme Varela (2014, p. 44),

[...] essa conceituação [é] inédita e sintética, se não exaustiva e possivelmente ainda pendente de complementações, dada à boa concatenação de ideias e conceitos de várias escolas, e principalmente, em virtude da boa assimilação de princípios eminentemente jurídicos.

Nesse sentido de complementaridade, a definição adotada por Bolfy Cottom (2010, p. 8) teria a vantagem de introduzir a uma ideia axiológica emancipatória de desenvolvimento, constante na programaticidade da Constituição de 1988, a de vínculos dos indivíduos com uma ou mais comunidades em permanente dialeticidade, apesar de ter inspiração na Constituição do México:

[…] um direito cultural é aquele direito humano que corresponde a toda pessoas pelo simples fato de pertencer a uma cultura (entendida esta como uma forma de ser, de viver, de conceber a mesma individual ou coletivamente, assumindo que todo ser humano não pertence a uma comunidade cultural (ou várias comunidades culturais) qualquer que seja, mas que por sua vez é criado da mesma nessa dialética constante que caracteriza esse fenômeno19.

Além desses elementos, Humberto Cunha (2000, p. 33) apresenta outra característica dos direitos culturais, a partir dos seus núcleos: eles atravessam o passado, o presente e o futuro, o que Allan Rocha (2012, p. 63) denominou de transtemporalidade. Essa simultaneidade está associada ao exercício de direitos culturais no tempo, em função das matérias tidas como cultura.

Assim, o repasse de saberes seria condição para “conhecimento e

19 Tradução livre do original em espanhol: “[...] un derecho cultural es aquel

derecho humano que corresponde a toda persona por el simple hecho de pertenecer a una cultura (entendida ésta, como una forma de ser, de vivir, de concebir la misma individual o colectivamente), asumiendo que todo ser humano no sólo pertenece a una comunidad cultural (o varias comunidades culturales) cualquiera que sea, sino que a su vez es creador de la misma en esa dialéctica constante que caracteriza ese fenómeno humano”.

usos do passado” manifesto no resguardo à memória coletiva, mas, igualmente, “interferência ativa no presente” por meio das liberdades ou, como citado, do potencial de proteção da criatividade intelectual (direitos de autor), trazendo possibilidades de avaliação do futuro, isto é, “a disposição em continuar a modificar o status quo”.

Allan Rocha (2012, p. 63) critica esse elemento distintivo dos direitos culturais dos demais direitos fundamentais, pois a remissão às esferas temporais abrangeria igualmente todos os demais e as referências simbólicas dos bens culturais. Nesse último caso, não parece haver qualquer oposição. Em verdade, a análise crítica está centrada na figura do exemplo dos direitos autorais como mola propulsora entre passado e presente, pois, para Allan Rocha (2012, p. 63), o que os definiria simplesmente é uma função de “construção na rede de significados” simbólicos dos bens culturais.

Essa definição não é essencialista, se aproxima do que tem sido feito no âmbito jurídico para dar maior clareza aos direitos culturais. Segundo Beatriz Gonzalez Moreno (2003, p. 89), as posições em geral

[…] se dividem entre definições descritivas, que intentam delimitar o conceito pela enumeração, mais ou menos sistemática, de seus conteúdos, e definições essenciais, que tratam de aquilatar a essência (no sentido metafísico) do cultural, mais além de suas concretas manifestações ou de seus fenômenos20.

Por outro lado, a introdução de uma definição normativa não tem o condão de fechar a abertura conceitual dessas normas constitucionais que, inclusive, no plano prático, é complementada, segundo Ana Maria Marchesan (2007, p. 39), pela transdisciplinaridade, ou seja, “por teóricos de outras disciplinas”.

Por essa definição de Francisco Humberto Cunha Filho (2004, p. 49), não há dúvidas que os direitos culturais são fundamentais (SILVA, 2001, p. 50), e, assim possuem aplicabilidade imediata com suas garantias, de acordo com o que dispõe o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988. No entanto, questiona-se se, complementar à

20 Tradução do original em espanhol: “[…] se dividen entre definiciones

descriptivas, que intentan delimitar el concepto por la enumeración, más o menos sistemática, de sus contenidos, y definiciones esenciales, que tratan de aquilatar la esencia (en sentido metafísico) de lo cultural, más allá de sus concretas manifestaciones o de sus fenómenos”.

delimitação conceitual, não seria possível firmar um rol de direitos culturais em espécie na Constituição.

Por mais que a seção II da cultura no Título VIII da Ordem Social condense direitos culturais, garantias, deveres, princípios e a enunciação de políticas culturais, os direitos culturais estão presentes em toda extensão da Constituição Federal de 1988, e nos princípios por ela adotados, de acordo com o § 2º do artigo 5º. Gozam de imunidade formal e material, sendo vedada qualquer tentativa de supressão, por serem consideradas cláusulas pétreas. Contudo, a Constituição não disse quais eram, expressamente, os direitos culturais.

O constitucionalista José Afonso da Silva (2001, p. 51-52) esforça- se no sentido de identificar quais são os direitos culturais, alicerçado na ideia de uma ordenação constitucional da cultura enquanto organização de normas jurídicas pertinentes à temática, sem precisar sua autonomia. Para ele, os direitos culturais são aqueles relacionados com:

(a) liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica; (b) direito de criação cultural, compreendidas as criações artísticas, científicas e tecnológicas; (c) direito de acesso às fontes da cultura nacional; (d) direito de difusão das manifestações culturais; (e) direito de proteção à manifestação das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional; (f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura – que assim ficam sujeitos a um regime jurídico especial, como forma de propriedade de interesse público. Assim também, a filósofa Marilena Chauí (2006, p. 70-71) entende que o direito à cultura engloba:

- o direito de produzir cultura, seja pela apropriação dos meios culturais existentes, seja pela invenção de novos significados culturais;

- o direito de participar das decisões quanto ao fazer cultural;

- o direito de usufruir dos bens da cultura, criando locais e condições e acesso aos bens culturais para a população;

- o direito de estar bem informado sobre os serviços culturais e sobre a possibilidade de deles participar ou usufruir;

- o direito à experimentação e à invenção do novo nas artes e nas humanidades;

- o direito a espaços para reflexão, debate e crítica; - o direito à informação e à comunicação.

Vê-se que, ao classificar os direitos culturais em rol exaustivo, corre-se o risco de esquecer ou não acompanhar a complexidade de seus fenômenos e da própria dinâmica legislativa, em razão do caráter programático de muitas de suas normas. De acordo com Beatriz Gonzalez Moreno (2003, p. 96), ainda assim, pode-se agrupar seus diferentes tipos normativos em relação aos deveres e tarefas estatais para com eles, e segundo a eficácia:

Com a expressão direitos culturais, a doutrina designa a subclasse dos direitos humanos, no âmbito sistemático dos direitos econômicos, sociais e culturais, que agrupa os direitos e liberdades fundamentais, os direitos de prestação e as determinações constitucionais dos fins do Estado em matéria cultural, cujo objeto é a busca da própria identidade pessoal e coletiva que situa o indivíduo em seu meio existencial em seu passado – pela tradição e conservação do seu patrimônio histórico e artístico – seu presente – pela admiração, a criação e a comunicação cultural – e seu futuro – pela educação e o progresso cultural, a investigação científica e técnica e a proteção e restauração do meio ambiente21.

Jésus Prieto de Pedro (2011, p. 45) prefere trabalhar com a noção de categoria de direitos na qual é possível identificar as características básicas e essenciais e as espécies já existentes, agregando as atualizações

21 Tradução livre do original em español: “Con la expresión derechos

culturales, la doctrina designa la subclase de los derechos humanos, en el ámbito sistemático de los derechos económicos, sociales y culturales, que agrupa los derechos y libertades fundamentales, los derechos de prestación y las determinaciones constitucionales de los fines del Estado en materia cultural, cuyo objeto es la búsqueda de la propia identidad personal y colectiva que sitúe al individuo en su medio existencial en cuanto a su pasado – por la tradición y la conservación de su patrimonio histórico y artístico – su