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A maior parte dos direitos fundamentais sociais está relacionada no catálogo do artigo 6º da CF, que assim os prevê: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados”.

A Constituição Brasileira de 1988 previu, ainda, algumas medidas práticas no intuito de conferir maior eficácia aos direitos sociais. Destacam-se as seguintes: a) criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (EC nº 31/2000); b) previsão de percentuais mínimos a serem alocados nos setores da saúde e da educação (art. 198, § 2º e art. 212); c) possibilidade de intervenção federal na hipótese de descumprimento dos aludidos percentuais (art. 34, VII, alínea “e” e art. 35, III); d) possibilidade de destinação das receitas dos impostos para as áreas da saúde e da

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ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Ductil: Ley, derechos, justicia. Traducción de Marina Gascón. 3. ed. Madrid: Trotta, 1999, pp. 21 -27; 33-34.

educação (art. 167, IV); e) previsão expressa da gratuidade do ensino básico como direito público subjetivo (art. 208, § 1º)159.

Ademais, o texto constitucional está em harmonia com os tratados internacionais sobre direitos econômicos, sociais e culturais com os quais o Brasil se comprometeu.

Logo, o Brasil apresenta uma das mais avançadas constituições no que se reporta à disciplina dos direitos sociais. Além disso, é relevante destacar que o Brasil se situa entre as dez maiores economias do mundo, com um Produto Interno Bruto - PIB anual superior a U$ 1 trilhão.

No entanto, a despeito de tais elementos favoráveis, o Brasil não apresenta Índice de Desenvolvimento Humano – IDH160compatível com a riqueza produzida161.

Assim, percebe-se um quadro paradoxal, pois o Brasil, embora tenha economia forte e também uma constituição pródiga em direitos sociais, apresenta, por outro lado, um IDH que revela as mazelas sociais162.

Em relação à abundante positivação dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988, alguns autores apontam críticas, sobretudo no que se refere ao evidente descompasso com a realidade socioeconômica brasileira. Segundo tal entendimento, a norma constitucional não deveria prever a realização de algo impossível no campo fático, pois, nesse caso, o texto constitucional se tornaria ineficaz, fazendo com que a Constituição se apresente como uma mera “folha de papel"163

. É certo que a Constituição deve levar em conta os dados da realidade para que não imponha ao Estado a realização de algo impossível. Contudo, o texto constitucional não pode ficar aprisionado a estes dados fáticos, pois tem como missão

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LIMA, George Marmelstein. Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005, pp. 40-41.

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O referido indicador avalia alguns aspectos sociais, como a situação da pobreza no país, o analfabetismo, a mortalidade infantil, a expectativa de vida, a concent ração de renda e outros afins.

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No últimoranking elaborado pela ONU, o Brasil ocupava a 70ª posição. (Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano – PNUD. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/ arquivos/release_idh.pdf>. Acesso em: 11 de janeiro de 2008).

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TAMER, Sérgio Victor. Atos Políticos e Direitos Sociais nas Democracias. Porto Alegre: Sergio A. Fabris Editor, 2005, p. 191.

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Expressão utilizada por Ferdinand Lassale. Que é uma Constituição? Trad. Leandro Farina. Campinas: Editora Minelli, 2003, p. 35.

justamente transformar essa realidade em prol do bem-estar dos indivíduos. Quanto a este ponto, mostra-se elucidativa a explicação de Konrad Hesse:

A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. Determinada pela realidade social e ao mesmo tempo determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sociopolíticas e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas164.

A respeito da utopia do texto constitucional, Lênio Streck, balizado nos ensinamentos de Luzia Marques da Silva Cabral Pinto, apresenta uma posição otimista:

Calha, aqui, a lição de Luzia Marques da Silva Cabral Pinto: “E a quem disser que a Constituição assim cai na utopia sempre se poderá replicar com P. Lucas Verdú que ‘todas as realidades de hoje foram utopias de ontem’. A ‘Constituição justa’ pode ser utópica, mas como muito bem observa Muguerza, quando uma utopia admite uma remota possibilidade de realização, o seu defeito não é ser uma utopia, mas precisamente o facto de não deixar de o ser. (...)”165.

Afonso Arinos, por outro lado, deixou consignado o seu pessimismo quando da promulgação da Constituição Federal de 1988:

É importante insistir neste ponto. A garantia dos direitos individuais é cada vez mais eficaz e operativa nas Constituições contemporâneas, mas a garantia dos direitos coletivos e sociais, fortemente capitulada nos textos, sobretudo nos países em desenvolvimento e, particularmente nas condições do Brasil, torna - se extremamente duvidosa – para usarmos uma expressão branda – quaisquer que sejam as afirmações gráficas existentes nos documentos, como este que estamos, hoje, comemorando. Afirmar o contrário é ingenuidade, ilusão, ou falta de sinceridade, quem sabe, de coragem. Direito individual assegurado, direito social sem garantia – eis a situação166.

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HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição . Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 15.

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STRECK, Lenio Luiz. O papel da jurisdição constitucional na realização dos direitos sociais fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.), Direitos fundamentais sociais: estudos de direito

constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 182.

166Apud BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6. ed. Brasília: OAB

A grande e triste verdade é que os direitos sociais no Brasil nunca foram encarados como verdadeiros direitos dos cidadãos.

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