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A Constituição dos Estados Unidos tem características liberais acentuadas, sendo importante destacar que a mesma não faz referência a qualquer valor social, com exceção da cláusula genérica que dispõe sobre o direito de igualdade, a qual foi introduzida pela emenda nº 14416.

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LIMA, George Marmelstein. Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005, p. 153.

Cass Sunstein buscou esclarecer os motivos pela qual a Constituição norte- americana não ostentou garantias socioeconômicas. Segundo o notável professor da Universidade de Chicago, quatro justificativas poderiam ser apontadas para explicar a ausência de direitos socioeconômicos no texto constitucional. Vejamos, a seguir, a descrição de cada uma delas:

- Explicação cronológica: no final do século XVIII – ocasião em foi promulgada a Constituição norte-americana –, os direitos socioeconômicos não estavam na pauta de discussão dos Constituintes da época, uma vez que o aludido período se caracterizava por ser marcantemente liberal. Todavia, de acordo com Sunstein, essa explicação é frágil, haja vista que a Constituição poderia ter sido emendada em momento posterior ou até mesmo ter sido interpretada de modo a garantir os direitos sociais;

- Explicação cultural: nos Estados Unidos, os movimentos socialistas nunca tiveram força expressiva, de modo que a mobilização pela constitucionalização dos direitos sociais não recebeu o apoio necessário. Sunstein também rejeita tal explicação de ordem cultural, uma vez que, segundo ele, os direitos sociais poderiam coexistir normalmente em países inseridos em uma economia de mercado;

- Explicação institucional: nos Estados Unidos, os direitos constitucionais não são vistos apenas como meros programas ou aspirações, mas, sim, como direitos que podem ser exigidos judicialmente. Assim, considerando um déficit de justiciabilidade dos direitos sociais, os norte-americanos optaram por não os reconhecer como normas constitucionais. De acordo com Sunstein, esta justificativa também seria fraca, pois os direitos socioeconômicos poderiam ser judicialmente exigidos em determinadas situações;

- Explicação realista: na década de 60 do século passado, a Suprema Corte norte- americana esteve muito perto de admitir que os direitos socioeconômicos teriam estatura constitucional. Tal construção jurisprudencial tinha como suporte o direito de igualdade introduzido pela décima quarta emenda. No entanto, durante o mandato do Presidente Nixon, o mesmo fez quatro indicações para a Suprema Corte que provocaram uma mudança significativa no perfil desta, de modo que passou a ter uma feição mais conservadora. Segundo Sunstein, a posição conservadora da Suprema

Corte constitui explicação razoável para o não-reconhecimento dos direitos sociais como direitos constitucionais417.

Neste contexto, convém fazer alusão à posição defendida pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, o qual sustentou que a ordem constitucional deveria garantir a todos os indivíduos o direito de viver confortavelmente418. A partir

disso, Roosevelt destacou a necessidade de uma redefinição de direitos, de modo que as dimensões negativa e positiva dos direitos fundamentais se assentassem no mesmo plano. Nesta perspectiva, propôs uma junção da liberdade negativa à liberdade positiva, rompendo, assim, com a dicotomia entre a liberdade em face do Estado (liberty from government) e a liberdade através do Estado (liberty through government)419

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Neste ponto, torna-se relevante fazer algumas considerações sobre o período de grave crise econômica que assolou os Estados Unidos no início do século XX, agravado, ainda, pelo crash da bolsa de valores de Nova Iorque. Diante de um quadro de miséria e desemprego, o presidente Roosevelt, guiado pelas idéias do economista John Maynard Keynes, concebeu um projeto de revitalização da economia norte-americana, o qual previa algumas medidas de caráter social. O referido programa de Roosevelt – conhecido porNew Deal – estabelecia também direitos sociais mínimos aos trabalhadores, como, por exemplo, a limitação da jornada de trabalho e pisos salariais420.

Entretanto, a Suprema Corte norte-americana reconheceu a inconstitucionalidade dessas medidas sociais em diversas ocasiões. Assim, no caso Adkins vs. Children’s Hospital, v.g., o Tribunal declarou a inconstitucionalidade de uma lei que definia pisos salariais mínimos para mulheres e crianças421

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SUNSTEIN, Cass R. Why does the American Constitution lack social and economic guarantees? In:

Public Law and Legal Theory Working Paper, Chicago: The University of Chicago, n. 36, 2003, apud

LIMA, George Marmelstein.Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005, p. 154.

418

SUNSTEIN, Cass R. The Second Bill of Rights: FDR’s unfinished revolution and why we need it more than ever. New York: Basic Books, 2004, p. 68.

419

QUEIROZ, Cristina M. M.Direitos Fundamentais Sociais, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 24.

420

LIMA, George Marmelstein. Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005, p. 156.

421Apud SUNSTEIN, Cass R. The Second Bill of Rights: FDR’s unfinished revolution and why we need it

Tais decisões da Suprema Corte tinham como fundamento a proteção do direito constitucional à livre iniciativa (liberdade contratual), de modo que o legislador não poderia intervir neste âmbito de liberdade. De acordo com tal jurisprudência, os direitos sociais atribuídos aos trabalhadores representavam uma inadmissível intromissão na livre vontade das partes contratantes422.

Este posicionamento conservador da Corte provocou uma profunda crise entre os Poderes Executivo e Judiciário, a ponto de Roosevelt propor uma ampliação do número de membros da Suprema Corte apenas no intuito de obter maioria dos votos. Esta proposta de Roosevelt, conhecida por court-packing plan, não foi aprovada pelo Congresso, porém influenciou de modo significativo a postura da Corte, de tal sorte que esta modificou o entendimento sustentado anteriormente423.

Assim, no caso West Coast Hotel vs. Parrish, a Suprema Corte reviu posicionamento anterior e reconheceu a constitucionalidade de lei estadual que previa salário mínimo para mulheres424.

No caso Gideon vs. Wainwright, de 1963, a Suprema Corte deu outro passo importante para o reconhecimento dos direitos sociais. Com efeito, entendeu a Corte que a Constituição impõe ao Estado a prestação de defesa jurídica para as pessoas carentes nos casos criminais425.

Destaca-se, ainda, a decisão proferida no Caso Shapiro vs. Thompson (1969), na qual a Suprema Corte esteve muito próxima de admitir que a Constituição norte-americana acolhe direitos a prestações sociais. Neste julgamento, a Corte declarou a invalidade de leis estaduais que garantiam os direitos sociais apenas àqueles que residissem pelo período mínimo de um ano no território do respectivo Estado federado426

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422 LIMA, George Marmelstein. Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005, p. 157.

423

BARROSO, Luís Roberto. Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Constitucional. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 23, São Paulo: Revista dos Tribunais, abril/jun. 1998, pp. 67-68.

424Idem, ibidem, p. 68.

425 Apud MACIEL, Adhemar Ferreira. “Amicus Curiae”: um instituto democrático. In: Revista de

Informação Legislativa, ano 39, n. 153, Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal,

jan-mar 2002, pp. 08-09.

426Apud SUNSTEIN, Cass R. The Second Bill of Rights: FDR’s unfinished revolution and why we need it

Os casos acima pinçados simbolizam um momento histórico no qual a Suprema Corte esteve muito perto de reconhecer que a Constituição norte-americana abriga direitos sociais427. Tudo levava a crer que a Corte assumiria tal postura, porém,

com a indicação de quatro justices conservadores para a Suprema Corte (Warren Burger, Harry Blackmun, Lewis Powell e Willian Rehnquist)428, operou-se uma alteração

significativa na jurisprudência429

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O exemplo mais evidente da reviravolta do posicionamento da Suprema Corte se deu no caso San Antonio School District vs. Rodriguez. Neste caso, discutiu-se a discrepância de investimento público nas escolas do Estado do Texas. De acordo com os dados do processo, de cada mil dólares investidos nas escolas situadas nas áreas mais nobres, apenas trezentos e setenta eram alocados nas escolas localizadas nas regiões mais pobres. Diante disso, os Tribunais de instância inferior reconheceram a referida discriminação e impuseram que o Estado distribuísse eqüitativamente os recursos públicos com educação, sem qualquer distinção entre áreas ricas e pobres. A Suprema Corte, no entanto, reformou tal entendimento por 5 votos a 4 e, por conseguinte, entendeu que a discriminação praticada no Estado do Texas não era inconstitucional. Segundo Sunstein, tal julgamento representou o sepultamento da concepção de que a Constituição acolhe os direitos socioeconômicos430.

Embora a Suprema Corte norte-americana não tenha reconhecido os direitos sociais como direitos de matriz constitucional, é válido registrar que o Judiciário norte- americano, de modo geral, tem sido enérgico diante do negligenciamento dos direitos sociais.

Quanto ao direito à educação, em especial, o Professor Marcus Faro de Castro faz referência a um importante estudo elaborado pela Tax Policy Foundation, que constatou que o Poder Público norte-americano, no período de 1977 a 2007, foi

427

QUEIROZ, Cristina M. M.Direitos Fundamentais Sociais, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 30.

428

As indicações dos referidosjustices foram realizadas pelo então Presidente Richard Nixon.

429

LIMA, George Marmelstein. Efetivação Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005, pp. 159-160.

430

SUNSTEIN, Cass R.The Second Bill of Rights: FDR’s unfinished revolution and why we need it more than ever. New York: Basic Books, 2004, pp. 165-166, apud LIMA, George Marmelstein. Efetivação

Judicial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: Universidade

Federal do Ceará, 2005, p. 160. .

compelido – por força de ordens judiciais – a incluir no orçamento da educação a cifra impressionante de US$ 34.000.000.000,00. Nas precisas palavras do autor:

Porém, ao contrário do que supõem alguns, não é apenas no Brasil que o sistema judicial tem proferido decisões com impacto sobre o orçamento público. Nos Estados Unidos, por exemplo, os efeitos de decisões judiciais sobre orçamentos estaduais têm sido extremamente relevantes.

Nesse sentido, um estudo daTax Policy Foundation concluiu que, desde 1977, decisões judiciais provocaram um aumento de US$ 34 bilhões nos orçamentos educacionais de estados da federação. Em outras palavras, a fim de assegurar que a educação seja oferecida com qualidade e em escala suficiente para o povo, que é titular do “direito à educação”, os tribunais norte -americanos têm adotado decisões que provocam mudanças na política orçamentária de diversos estados. Somente no estado de Nova York, o impacto orçamentário das decisões judiciais para a adequação da oferta dos serviços de educação foi de mais de US$ 10 bilhões431.

Assim, não obstante a Suprema Corte tenha recusado a estatura constitucional dos direitos sociais, infere-se, por outro lado, que o Judiciário norte- americano tem acolhido amiúde pretensões com o propósito de implementar tais direitos.

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