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Ao se identificar os direitos fundamentais dentro de um modelo normativo de regras e princípios, a conclusão que exsurge é a da inexistência de direitos fundamentais absolutos, ou seja, eles poderão ser limitados em face das impossibilidades jurídicas e fáticas.

Desse modo, ante as possíveis limitações aos direitos fundamentais, a doutrina tem discutido se estas seriam consideradas como restrições autônomas ou, então, apenas uma delimitação do âmbito normativo do direito fundamental. Com isso, a doutrina se divide entre as teorias externa e interna, as quais serão analisadas nos itens abaixo.

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1.7.1 - Teoria Interna

Segundo a teoria interna, não seria admissível uma categoria autônoma de restrição a direito fundamental. Acolhe-se, apenas, uma demarcação do conteúdo do direito (limite imanente), mas não com a natureza de restrição. Nesta medida, rejeita-se a existência de duas categorias distintas: uma concernente ao direito fundamental e outra consistente na restrição a este direito.

Gilmar Ferreira Mendes, ao se referir à teoria interna, descreve que “não existem os conceitos de direito individual e de restrição como categorias autônomas, mas sim a idéia de direito individual com determinado conteúdo. A idéia de restrição (Schranke) é substituída pela de limite (Grenze)”83

.

De acordo com os partidários da teoria interna, o direito fundamental tem um conteúdo jurídico previamente demarcado, de tal sorte que toda posição jurídica que ultrapasse seu âmbito normativo não pode ser considerada como albergada por este direito. Além disso, sendo a restrição algo que abrevia o âmbito de proteção do direito, quando incorporada à norma, não seria considerada como restrição, mas, sim, delimitação do campo normativo do direito84.

Alexy sustenta que o posicionamento adotado quanto às restrições aos direitos fundamentais está diretamente ligado ao modelo normativo que se acolhe85.

Dessa forma, na teoria interna, pode-se observar uma vinculação com o modelo normativo das regras (“tudo ou nada”), pois ela estabelece que não há restrições aos direitos fundamentais que possam ser consideradas válidas, na medida em que a pretensão se situa ou dentro do âmbito normativo do direito ou fora dele, não havendo que se falar em grau intermediário.

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MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 25.

84

OLSEN, Ana Carolina Lopes. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais frente à Reserva do

Possível. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2006, p. 119

85

ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 269.

Destaca-se, ainda, que Vieira de Andrade revelou-se partidário da teoria interna, assumindo, assim, que os direitos fundamentais possuem limites imanentes, os quais seriam demarcados pela própria norma constitucional86.

1.7.2 - Teoria Externa

Em oposição à teoria interna, a teoria externa estabelece uma clara distinção entre direitos fundamentais e as restrições a estes direitos, reconhecendo, portanto, dois elementos apartados, entre os quais pode existir um vínculo de restrição87. Nesta

direção, bem observa Gilmar Ferreira Mendes: “Se direito individual e restrição são duas categorias que se deixam distinguir lógica e juridicamente, então existe, a princípio, um direito não limitado, que, com a imposição de restrições, converte-se num direito limitado (eingeschränktes Recht)”88

.

Desse modo, segundo a teoria externa, admite-se uma posição jurídica prima facie, decorrente da norma de direito fundamental, sobre a qual poderá incidir posteriormente uma restrição. A partir da concepção acolhida pela teoria externa, depreende-se, portanto, uma forte ligação com o modelo normativo de regras e princípios. Neste sentido, Gilmar Ferreira Mendes escreve:

Se se considerar que os direitos individuais consagram posições definitivas (Regras: Regel), então é inevitável a aplicação da teoria interna. Ao contrário, se se entender que eles definem apenas posições prima facie (prima facie

Positionem: princípios), então há de se considerar correta a teoria externa.

Para os termos deste trabalho, entendemos que os direitos fundamentais hão de ser concebidos, primordialmente, como princípios89.

Logo, na esteira de Gilmar Ferreira Mendes, defendemos a adoção da teoria externa das restrições, visto que compatível com o sistema de regras e princípios, o

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ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 285.

87

ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Traducción de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 268.

88

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 25.

qual, conforme já visto, é o mais adequado para aquilatar o alcance das normas de direitos fundamentais.

Além disso, é relevante realçar que a restrição que irá incidir sobre o direito fundamental se justifica exatamente pela necessidade de compatibilização com os direitos e bens de outros indivíduos, daí a se falar em teoria externa, pois a restrição vem de fora do direito fundamental.

Gilmar Ferreira Mendes, ao se manifestar a respeito da teoria externa, assim dispôs: “Essa teoria, chamada de teoria externa (Aussentheorie), admite que entre a idéia de direito individual e a idéia de restrição inexiste uma relação necessária. Essa relação seria estabelecida pela necessidade de compatibilização entre os direitos individuais e os bens coletivos”90.

Neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira prelecionam:

Por conseguinte, a restrição de direitos fundamentais implica necessariamente uma relação de conciliação com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderação ou de concordância prática dos direitos ou interesses em conflito. Não pode falar-se em restrição de um determinado direito fundamental em abstracto, fora da sua relação com um concreto direito fundamental ou interesse constitucional diverso. (...)

Os direitos fundamentais não nascem já com limites inerentes ou naturais não escritos, fora daqueles que a própria Constituição estabelece ou consente . A restrição é semprea posteriori, face à necessidade de proceder à conciliação com outro direito fundamental ou interesse constitucional suficientemente caracterizado e determinado, cuja satisfação não possa deixar de passar pela restrição de um certo direito fundamental91.

Seguindo a mesma direção, Konrad Hesse faz alusão à necessidade de coordenação entre as condições de vida asseguradas aos indivíduos pelos direitos fundamentais e outros bens jurídicos essenciais para a coletividade92.

No que diz respeito à abrangência do conceito de restrição a direitos fundamentais, cabe acentuar que não está adstrita apenas à norma jurídica, pois a restrição pode advir também de um ato concreto ou, inclusive, de uma circustância

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MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade . 3. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 25.

91

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, pp. 134-135.

92

HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução (da 20ª Edição Alemã) de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 1998, p. 255.

fática. Portanto, a partir desta concepção ampla de restrição, pode-se visualizar a escassez de recursos financeiros, por exemplo, como uma verdadeira restrição aos direitos fundamentais sociais de caráter prestacional.

Alguns autores, por outro lado, defendem que não há que se falar em restrição quanto aos direitos fundamentais de natureza prestacional. Nesta linha, perfilham Canotilho e Vital Moreira, que sustentam não haver restrição nestes casos, mas, apenas, concretização débil da norma constitucional. Nesta perspectiva, só haverá restrição a direito fundamental quando o Poder Público agir no sentido de limitar o alcance de determinada norma, e não quando somente se omite93

. Para os doutrinadores portugueses, a restrição aos direitos fundamentais prestacionais estaria jungida à hipótese de ato do Poder Público que venha a suprimir ou reduzir direito social já concretizado94.

Em acepção divergente, Jorge Reis Novais admite, em algumas situações, a omissão estatal como restrição a direito fundamental. Neste contexto, vale transcrever o conceito amplo de restrição fornecido pelo autor:

Acção ou omissão estatal que, eliminando, reduzindo, comprimindo ou dificultando as possibilidades de acesso ao bem jusfundamentalmente protegido e a sua fruição por parte dos titulares reais ou potenciais do direito fundamental ou enfraquecendo os deveres e obrigações, em sentido lato, que dele resultam para o Estado, afecta desvantajosamente o conteúdo de um direito fundamental.

(...)

As restrições também ocorrem, aceitando os pressupostos da definição proposta, nos âmbitos dos direitos sociais e dos direitos de liberdade positivos (direitos a prestações normativas derivados dos deveres de proteção estatal, direitos a organização e procedimento)95.

A partir do que foi exposto, sustentamos que a restrição ao direito fundamental pode advir tanto da ação estatal, quanto da omissão, exsurgindo daí a conclusão de que o negligenciamento do Poder Público quanto à impleme ntação dos

93

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 133.

94

Este ponto será melhor desenvolvido no tópico 2.7, quando tratarmos do princípio da proibição do retrocesso social.

95

NOVAIS, Jorge Reis.As Restrições aos Direitos Fundamentais não Expressamente Autorizadas pela

direitos fundamentais sociais também deve ser compreendido como restrição e não apenas como um déficit de concretização.

1.8 – Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais

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