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Felipe Santos Estrela de Carvalho

introdUÇÃo

É importante registrar inicialmente que o presente texto é fruto de um esforço coletivo empreendido dentro da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR), de breve contribui- ção para reflexão sobre a conjuntura agrária recente, nos planos federal e estadual, com vistas à definição de prioridades políticas e aprimora- mento das estratégias de intervenção da entidade no campo da asses- soria jurídica popular. Coube a este autor, o trabalho de sistematização dessas impressões compartilhadas pela AATR e sua ampla rede de par- ceiros nos diversos espaços de planejamento e ação conjunta em de- fesa e promoção dos direitos socioambientais, especialmente na XXIX Semana da Terra Eugênio Lyra – Hegemonia do agronegócio e as re- sistências dos povos do campo, das águas e das florestas, realizada em setembro de 2015, na cidade de Eunápolis-BA.

Na oportunidade, registro o agradecimento e os votos de espe- rança em cada um e cada uma, estudantes e professores da Turma Eugênio Lyra de graduação em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Agradeço a oportunidade de construir junto a vocês essa importante experiência de ocupação do latifúndio da educação universitária no país, somando forças aos aguerridos es- tudantes e professores da Turma Elizabeth Teixeira da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), aos egressos da Turma Evandro Lins e Silva (UFG) e aos ingressos no curso de direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A implementação das turmas de gradua- ção em direito pelo Pronera em parceria com as universidades públicas estaduais e federais é expressão antes de tudo da luta pela efetivação das ações, programas e serviços vinculados à política de reforma agrá- ria, reivindicação histórica dos diversos movimentos de luta pela terra, principalmente em torno da educação do campo integral e plena seus níveis fundamental, médio e superior. Demonstra o potencial que a democratização do acesso à formação acadêmica pode ter quando alia- do à viabilização de políticas estruturais de universalização dos direitos sociais e correção das desigualdades regionais. Especialmente para o campo jurídico, essas experiências demonstram um movimento vigo- roso de oxigenação prática e epistemológica da ciência do direito ao aproximar suas categorias, conceitos e sistemas à realidade do país e suas interações com o contexto agrário-ambiental, movimento tão ne- gligenciado do ponto de vista da formação jurídica.

aPorte MetodolÓGiCo

O presente texto não se pretende exaustivo, apresentando de modo pa- norâmico os elementos mais significativos da conjuntura recente da luta

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pela terra no Brasil com destaque para os desafios e disputas em torno da efetividade dos direitos territoriais dos povos das águas, campos e flo- restas. A leitura da conjuntura agrária será feita a partir da inter-relação estabelecida entre os três poderes da república na execução do atual mo- delo desenvolvimento para o campo brasileiro à luz de alguns tópicos estruturantes dentro da complexa trama fundiária brasileira, podendo- se elencar: políticas agrária e agrícola, concentração fundiária, violência no campo, desregulamentação da legislação agrário ambiental, atuação do poder judiciário e perspectivas da luta pela terra no contexto do gol- pe midiático-jurídico-parlamentar.

A forma de abordagem priorizará a identificação da cadeia de rela- ções estabelecidas entre os diversos sujeitos e contextos da luta de clas- ses no campo dentro do período analisado, com destaque às relações permanentes de negociação e conflito estabelecidas entre as organiza- ções populares, movimentos sociais e comunidades tradicionais frente ao Estado e ao poder econômico no seio dessas lutas.

Dentre os elementos conjunturais mais relevantes deste cenário recente, podemos destacar: (1) o acirramento das políticas agrária e agrícola assentadas na integração dependente do Brasil à economia global neoliberal como provedor de recursos primários, tendo no tri- pé concentração fundiária ‒ desregulamentação ambiental ‒ violência no campo seus efeitos mais trágicos; (2) as manifestações de junho de 2013, também conhecidas como jornadas de junho, expressão do acir- ramento das disputas entre as classes e suas frações num cenário de limitação e desgaste do projeto político neodesenvolvimentista coman- dado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) ao longo da última década; e (3) o realinhamento do bloco no poder no comando do governo fe- deral com a execução do golpe midiático-jurídico-parlamentar sobre o mandato de Dilma Rousseff (PT) que conduziu Michel Temer (PMDB) à Presidência da República no presente ano, com implicações significa- tivas especialmente no campo dos direitos sociais e políticas públicas.

as PolÍtiCas aGrÁria e aGrÍCola: a heGeMonia do aGroneGÓCio no Brasil

Ao longo da experiência petista no comando do Governo Federal (2002- 2016), o Estado brasileiro aprofundou sua função de transferir mais-va- lia social para o setor privado, principalmente através da viabilização de uma economia neoextrativista, alicerçada na expansão do agronegócio e dos projetos energéticos e de infraestrutura, centrados no controle dos recursos naturais, especialmente terra, água e minério.

Tal lógica de exploração geralmente vem associada a um projeto de nação balizado no ideal de desenvolvimento moderno, progressivo, linear, assentado no binômio ciência-tecnologia e que reduz a natureza à condição de insumo produtivo a ser exponencialmente consumido, segundo as necessidades de reprodução econômica. Esse movimento reatualiza práticas coloniais violentas que incidem sobre os territórios, os modos de fazer, viver e criar das populações tradicionais, comunida- des rurais, em especial, povos indígenas, quilombolas, fundos e fechos de pasto, pescadores artesanais, ribeirinhos, sem terras, dentre outros.

O Relatório PIB Agro-Brasil (CEPEA-ESALQ/USP, 2016), demons- tra que o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio encerrou o ano totalizando R$ 1,477 trilhão, sendo aproximadamente R$ 1 trilhão (68,6%) provenientes do setor agrícola e R$ 477 bilhões (31,4%) da pe- cuária. A participação do PIB do agronegócio no PIB Total do Brasil foi de 23% em 2016, demonstrando a importância do setor num cenário de retração da economia nacional, uma vez que o PIB brasileiro teve queda de 3,6% no mesmo período.

De um modo geral, os elos que participam da cadeia produtiva do agronegócio tiveram desempenhos positivos, com destaque para os segmentos de insumos e produção agropecuária, impulsionados pelo movimento de valorização do dólar em relação ao real e à estabilização dos preços agrícolas (num contexto prolongado de queda).

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Ainda segundo os dados do CEPEA-ESALQ/USP1 (2016), por meio

da publicação Índices de Exportação do Agronegócio, de 2000 a 2016, o saldo comercial do agronegócio brasileiro ‒ receitas das exportações menos gastos das importações em dólares ‒ mais que quintuplicou, com um crescimento de 526,52%. Os principais produtos exportáveis são mi- lho, soja em grão, carne bovina, celulose, suco de laranja, açúcar, madei- ra e frutas. Acompanhando a tendência da última década, a China segue sendo o principal destino das exportações dos produtos do agronegócio brasileiro, com participação de 24,4% nas exportações totais do setor, com destaque para os produtos do grupo dos cerais/leguminosas/olea- ginosas com 31% das vendas para os chineses. Outro parceiro comercial importante são os países da Zona do Euro, com participação de 17,3% das vendas totais, destacando-se a compra de cereais, café, produtos flo- restais, carnes e frutas. 189 países com pequena participação individual contribuíram para 34% das vendas totais do agronegócio brasileiro, de- monstrando a abrangência global do setor.

Desde a década de 1990, verifica-se uma intensificação das políticas de estímulo à produção primária agrícola, com a inclusão de vultuosos estímulos econômicos e a estruturação de um quadro institucional ca- paz de atender rapidamente aos interesses gerais do capital no campo brasileiro. Como bem demonstra Teixeira (2013, p. 14), essa situação não se deve aos indicadores de máxima eficiência econômica da grande ex- ploração agrícola, mas sim, “às condições de precarização do trabalho; da frouxidão na posse e na tributação da terra, passivos ambientais, rola- gem, remissões e reduções da dívida no crédito rural e estímulos tribu- tários, entre outras medidas derivadas das ações e omissões dos poderes públicos”. Na sua atual fase de expansão, a primazia do agronegócio bra- sileiro tem se sustentado com base nos elevados índices de mecanização

1 Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA); Escola Superior de Agricultura

nas diversas regiões produtoras do país, criando polos de referência na produção agropecuária, pulverizados ao longo do território nacional.

Entretanto, mesmo com um desempenho significativo, a eclosão da crise internacional no ano de 2008 trouxe implicações – não imedia- tas – para a reprodução do capital no campo brasileiro, principalmente a partir do arrefecimento da economia chinesa.

Considerando o período de 2013 a 2016, a conjuntura agrária bra- sileira, em momento de crise cíclica, experimenta um aprofundamento das suas contradições, em particular pela manutenção dessa tendência de queda no preço das commodities agrícolas e minerais, arrastados pela diminuição da demanda chinesa. Do ponto de vista fundiário, o reflexo da crise das commodities tem estimulado o poder econômico, em es- pecial o mercado de terras, para um caminho tripartite: a) a completa mercadorização da terra; (b) intensificação da concentração fundiária; (c) tendência à financeirização das atividades no setor agro-mínero pe- cuarista. (TEIXEIRA, 2016, p. 2)

O declínio dos preços das commodities, num contexto econômico nacional dependente que vem especializando seu comércio exterior no provimento de meia dúzia de mercadorias globais, em tese, deveria se refletir nos preços da terra, também numa perspectiva descendente. Contraditoriamente, não foi isso que se verificou ao longo desta dé- cada, com a exacerbada valorização do preço da terra no Brasil e sua crescente financeirização.

Um dos fatores que podem explicar a não repercussão da crise das

commodities na desvalorização do preço da terra está na compreensão da atuação estatal na viabilização dos grandes empreendimentos agrí- colas, especialmente na transferência de recursos públicos à iniciativa privada via Planos Anuais de Safra. No período de 2000 a 2015, a dispo- nibilização de crédito rural subvencionado cresceu em termos reais na proporção de 10% anuais, chegando à cifra de R$ 185 bilhões destina- dos à agricultura convencional em 2016. Com acesso irrestrito às fontes

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de financiamento público, as empresas que operam o capital no campo experimentam um momento singular de crescimento das suas ativida- des econômicas, acirrando ainda mais os conflitos por terra no país.

Nesse cenário de queda do preço das commodities, uma das estra- tégias de manutenção e recomposição das taxas de lucratividade dos capitais agrários, industrial e financeiro que compõem o setor da mi- neração e do agronegócio, está no acirramento da expropriação terri- torial via expansão das fronteiras agrícolas. A Amazônia e o Cerrado continuam sendo os biomas mais afetados pelo avanço dos interes- ses do agronegócio sobre os territórios tradicionais e populares, des- tacando o MATOPIBA2 como a mais nova fronteira agrícola do país.

Segundo a Embrapa, por meio da Nota Técnica nº 6/2014, o critério para delimitação territorial da fronteira agrícola do MATOPIBA teve como base as áreas de Cerrado (90,94%), Amazônia (7,27%) e Caatinga (1,64%) existentes nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, envolvendo 31 microrregiões, 337 municípios, totalizando aproxima- damente 73 milhões de hectares. A região possui forte potencial hídri- co, sendo abastecida pelas bacias hidrográficas do Tocantins-Araguaia (42,10%), Parnaíba (20,16%), Atlântico Nordeste Ocidental (19,61%) e São Francisco (18,11%). O MATOPIBA possui ainda outras vantagens concorrenciais que justificam a sua primazia, como: 1) média de pre- ços inferior às regiões de cerrado do Centro-Oeste pelo valor venal da terra; 2) diferentemente do bioma da Amazônia, onde 80% da área do imóvel rural deve ser destinada à preservação ambiental, no Cerrado esta obrigação é de somente 35%; 3) posição geográfica privilegiada, favorecendo a logística de distribuição/comercialização da produção, onde parte da região é servida pela Ferrovia Norte-Sul, operada pela Empresa Vale do Rio Doce, com destino ao porto maranhense de Itaqui

2 Acrônimo formado com as iniciais dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e

para exportação, com uma vantagem de seis dias a menos de navegação para a Europa do que o porto de Paranaguá-PR.

Dentro dos seus limites territoriais, o MATOPIBA possui um qua- dro agrário marcadamente complexo, envolvendo 42 Unidades de Conservação, 28 Terras Indígenas, 34 Comunidades Quilombolas e 865 Assentamentos de Reforma Agrária, territórios ameaçados ante o avanço do agronegócio. O Governo Dilma Rousseff editou em maio de 2015, o Decreto n. 8.447, instituindo o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA (PDA-Matopiba), com a finalidade de promover e coordenar a execução das atividades econômicas para re- gião, além de instituir o Comitê Gestor do PDA-Matopiba com repre- sentação dos poderes executivos federal e dos estados abrangidos, enti- dades do setor empresarial e patronal rural, sindicatos de trabalhadores rurais e instituições de pesquisa atuantes na área de abrangência do PDA-MATOPIBA. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2016)

Segundo dados do Incra, por meio do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), entre 2010 e 2014, no governo Dilma Rousseff, verifi- cou-se um aumento de concentração de terras de pelo menos 2,5%, onde seis milhões de hectares foram transferidos para o controle da grande propriedade latifundiária. As grandes propriedades privadas no campo brasileiro saltaram de 238 milhões para 244 milhões de hectares. Em 2014, existiam 130 mil grandes imóveis rurais que concentravam 47,23% de toda área cadastrada no Incra, contra 3,5 milhões de mini- fúndios que somam 10,2% da área total registrada. Durante o gover- no Lula, o aumento das grandes propriedades rurais foi ainda maior, passando de 214,8 milhões de hectares em 2003 para 318 milhões de hectares em 2010, um incremento brutal de 114 milhões de hectares incorporados aos grandes latifúndios. (FARAH, 2016)

Outro aspecto da concentração fundiária diz respeito ao elevado ín- dice de improdutividade dos grandes imóveis rurais. De acordo com o Atlas da Terra Brasil (2015), existem cerca de 175, 9 milhões de hectares

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improdutivos no país. Os altos níveis de concentração fundiária e im- produtividade da grande propriedade rural são alimentados pela fa- lência da política de reforma agrária no Brasil. Considerando somente o Governo Dilma Rousseff (2010-2016), a reforma agrária teve o pior ritmo em 20 anos de (in) execução da sua política. Foram somente 216 áreas desapropriadas no seu mandato, sendo que durante 15 meses ne- nhuma propriedade chegou a ser desapropriada. Em abril de 2016, já no contexto avançado do golpe parlamentar, a presidenta Dilma Rousseff assinou 21 decretos de desapropriação de imóveis rurais para a refor- ma agrária, totalizando 35,5 mil hectares de terras em 14 estados do país. Logo após a medida, o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 775/2016, decidiu paralisar a política de reforma agrária, por constatar irregularidades na base cadastral de dados dos beneficiários, bloqueando o acesso de aproximadamente 500 mil famílias aos serviços de crédito, assistência técnica e demais ações desenvolvidas pelo Incra. Em relação às comunidades tradicionais, o cenário não foi diferen- te. Segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), feito em agosto de 2016, 654 terras indígenas no Brasil aguardam a con- clusão dos procedimentos administrativos nos órgãos da função agrária para terem seus processos demarcatórios finalizados. Esse número cor- responde a 58,7% do total das 1.113 terras indígenas do país. Do total dessas 654 terras indígenas com pendências em seus procedimentos de- marcatórios, 348 terras – pouco mais de 50% – não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos órgãos públicos. Estados como Amazonas (130 TIs), Mato Grosso do Sul (68 TIs), Rio Grande do Sul (24 TIs) e Rondônia (22 TIs) concentram o maior número de processos administrativos sem nenhuma providência tomada.

Quanto às comunidades quilombolas, os números também não são animadores. De acordo com os dados do Incra, de 2013 a 2015, somente 13 comunidades tiveram concluídos os processos administra- tivos de titulação dos seus territórios. Em 2016 apenas 7,5% das 214.000

famílias quilombolas, reconhecidas no Brasil, contam com pelo menos parcela de sua terra titulada, e 87% dos mais de 1.500 processos de titu- lação abertos no Incra para a regularização de terras quilombolas não completaram a sua primeira fase, que é a identificação da área a titu- lar e a publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). (WROBLESKI, 2016)

Em 2016, nenhum território quilombola foi titulado e foram publi- cadas somente quatro Portarias de Reconhecimento e um RTID este ano. Em abril, a presidenta Dilma Rousseff assinou quatro decretos de desapropriação em benefício das seguintes comunidades quilom- bolas: Caraíbas (SE), Gurupá (PA), Macambira (RN) e Monge Belo (MA). Atualmente existem 2.648 comunidades quilombolas certifica- das pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Se o atual ritmo de titu- lações permanecesse na mesma frequência seriam necessários mais de 970 anos para que o Estado brasileiro cumprisse com a determinação constitucional de titular todos os territórios quilombolas. (COMITÊ QUILOMBOS, 2016)

Do ponto de vista dos órgãos responsáveis pela execução da política agrária, acompanhou-se no período recente o acirramento da desestru- turação e sucateamento dessas estruturas administrativas. Seguindo a tendência de redução do orçamento geral da função agrária, o extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) sofreu, em termos ab- solutos, uma redução de 49% do montante previsto inicialmente na Lei Orçamentária Anual de 2015. O Incra, que possuía um orçamento inicial da ordem de R$ 1,65 bilhão, atuou em 2015 com metade deste valor: R$ 874,37 milhões.

De 2012 a 2016, verificou-se uma queda vertiginosa da provisão or- çamentária do INCRA para titulação de território quilombolas, caindo de R$ 51, 68 milhões em 2012 para apenas R$ 5 milhões em 2016.

Já em relação à Funai, o contexto é bem parecido. De acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2016, o orçamento do órgão será de R$

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533,7 milhões, mas já com o anúncio de corte desse montante em torno de 40%. Este é o menor aporte de verbas para titulação das terras indíge- nas desde 2012, quando a Fundação Nacional do Índio (Funai) teve um orçamento de R$ 519 milhões. Em 2013, esse valor foi de R$ 608 milhões, R$ 589 milhões em 2014 e R$ 639 milhões em 2015. Além da redução or- çamentária, tanto o Incra quanto a Funai experimentam uma defasagem dos seus quadros técnicos, há anos sem realização de concursos públicos para recomposição das equipes, com impacto direto na capacidade de atendimento às demandas territoriais dos povos do campo.

Somado a isso, e como resultado da ofensiva da bancada ruralista no Congresso Nacional, entre 2015 e 2016, o Incra e a Funai foram alvo de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), com o objetivo de apurar supostas fraudes nos processos de reforma agrária e titulação dos territórios tradicionais. Sem apresentar fatos determinados – base legal indispensável para regularidade formal do procedimento – as CPIs conformam um cenário de avanço da criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra, com a finalidade de abalar ainda mais a já fra- gilizada política de distribuição fundiária brasileira.

a eFetivaÇÃo do GolPe JUrÍdiCo-MidiÁtiCo- ParlaMentar e a lUta Pela terra

Com a consolidação do golpe jurídico-midiático-parlamentar em maio de 2016, Michel Temer (PMDB)3 assume o comando do Governo

Federal, ampliando o horizonte de inseguranças para o conjunto dos trabalhadores e comunidades do campo e da cidade, em função da im- posição de uma agenda de aprofundamento do neoliberalismo no país,

com a previsão de redução dos direitos sociais, privatizações e desregu- lamentação agrário-ambiental.

No contexto de reestruturação administrativa, o governo de Michel Temer edita a MP nº 726/2016, executando alterações, fusões e extinções de ministérios e órgãos federais. De maneira oportunista, alimentados pelo racismo estrutural que marca a sociedade brasilei- ra e na defesa dos interesses econômicos da classe de latifundiários e multinacionais do agronegócio, o governo ilegítimo além de extinguir o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), retirou do Incra a competência para delimitação e demarcação das terras quilombolas e transferiu para o Ministério da Educação e Cultura (MEC), que não