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CAPÍTULO 1 – A IGREJA E SEUS BENS CULTURAIS NA CONTEMPORANEIDADE:

1.2 Diretrizes e ações da Igreja para os bens culturais

Após a promulgação da Sacrosanctum Concilium, a Igreja dispensou certa atenção ao tema dos bens culturais25. Uma das primeiras iniciativas foi tomada no papado de Paulo VI

23 “Si tratta di non soffocare lo spirito e la fede che hanno dato origine ai meravigliosi capolavori del passato e

che di questi hanno costituito, e costituiranno per i secoli, il principio inspiratore, una testimonianza che fa parte, oltre tutto, della gloriosa storia della pietà e del culto”.

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“qualche ponderato sacrifio in quegli elementi estetici o storici che non sopravvanzano, sai per il loro valore intrinseco che in rapporto all‟integrità del complesso monumentale, il peso e l‟urgenza di una sufficiente rispondenza alle fondamentali esigenze lirtugico-pastorali dell‟ora presente”

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É importante ressaltar que no ano de 1924, o Papa Pio XI criou o Pontificium Consilium Centrale pro Arte Sacra in Italia, por meio da Circolare della Segreteria di Stato del 1.º Settembre 1924 a tutti gli Ecc.mi Vescovi d’Italia con la quale Veniva Instituita la Pontificia Commissione Centrale per l’Arte Sacra. Como um órgão

(1897-1978), por meio da Constituição Apostólica Regimini Ecclesiae universae, de 15 de agosto de 1967, quando este reorganizou a Cúria Romana conforme as novas disposições emanadas pelo Concílio Vaticano II. Entre as diversas ações, creditou à Sacra Congregatio

Concilii, agora denominada Sacra Congregatio pro Clericis, o trabalho por zelar pela

administração dos bens temporais da Igreja, entre eles o patrimonium artisticum

ecclesiasticum (PAULO VI, 1967). Frente a este desígnio, a referida comissão encaminhou

aos presidentes das Conferências Episcopais, em 11 de abril de 1971, uma carta circular intitulada Opera Artis. De cura patrimonii histórico-artistici Ecclesiae, na época em que era prefeito o Cardeal John Joseph Wright (1969-1979).

Na carta, há um apelo para que os bens sagrados que compõem o patrimônio histórico e artístico da Igreja26 fossem preservados, não só porque se configuram como sinais e símbolos das realidades extraterrenas, mas também por serem herança do esforço e intelectualidade humanos que, por séculos, serviram a Igreja – sendo, em última instância, patrimônio de toda a humanidade. Em linhas gerais, é perceptível que o documento nasceu como forma de tentar defender a importância e chamar a atenção do clero para a salvaguarda de obras de arte e monumentos de cunho religioso que estavam desaparecendo frente a alienações indébitas, roubos, usurpações, destruições e falta de zelo por parte dos sacerdotes.

Um aspecto interessante é que o texto deixa claro que muitos destes graves danos e alterações inadequadas que atingiram os bens de interesse histórico e artístico da Igreja, sejam móveis ou imóveis, haviam sido justificados pelo pretexto da reforma litúrgica proposta pelo Concílio Vaticano II. A crítica estava, justamente, ao clero que, mesmo apontando o texto conciliar, se esquecia de que o magistério da Igreja já havia promulgado diversos princípios e normas gerais jurídicas acerca do tema (IGREJA CATÓLICA, 1971)27.

Levando em conta tal situação, vista como alarmante, bem como sua missão, a Sagrada Congregação para o Clero retomou na carta algumas orientações acerca da temática: consultivo e executivo, tinha o objetivo de tutelar e incrementar a arte sacra, incluindo bens móveis e imóveis, apoiando, dirigindo e inspecionando as comissões diocesanas e regionais. Segundo Costa, “Embora criada na dependência da Santa Sé, esta comissão central tinha um âmbito geográfico muito delimitado – o território italiano –, não deixando, contudo, de ser um arquétipo da intensa preocupação pelo património artístico da Igreja em Itália”. (A. M. R. P. COSTA, 2011, p. 46). A atuação da Comissão foi grande, fortalecendo e criando museus diocesanos, organizando eventos de formação, publicando obras de referência. Suas atividades cessaram em 1989, por iniciativa do Papa João Paulo II, em prol de um novo organismo que tutelasse os bens da Igreja não somente no contexto italiano, a Pontifícia Comissão para a Conservação do Patrimônio Artístico e Cultural da Igreja.

26 Apesar da Convenção Internacional de Haia, de 14 de maio de 1954, já utilizar o termo bens culturais, esta

ampliação conceitual só será usada em documentos pontifícios nos anos 1980.

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“Multi, immo, immemores monitionum et dispositionum, quae Sancta Sedes impertita est, ex ipsa restaurationis liturgicae executione praetextum sumpserunt peragendi incongruas mutationes in locis sacris, pessumdandi et dispergendi opera inaestimabilis valoris”. (IGREJA CATÓLICA, 1971).

que fossem selecionados e admitidos nos templos apenas as melhores obras de arte, capazes de nutrir a fé e a piedade dos fiéis, em manutenção à ação educativa da Igreja; que as antigas obras de arte devessem ser mantidas para veneração das comunidades, sem exceção, ajudando-as a participar ativamente nas celebrações litúrgicas; que as administrações diocesanas atuassem de modo a fiscalizar e supervisionar tais questões, legislando localmente e fortalecendo a fatura de inventários dos livros sagrados, bem como de todas as obras artísticas e históricas, mantendo uma cópia na Cúria (que deveria gerar outra para arquivo na Biblioteca Apostólica Vaticana) e outra perto do local de guarda dos itens.

Segundo o texto, os bispos deveriam estar cientes das disposições do Concílio Vaticano II e de outros documentos acerca deste tema, devendo eles, portanto, garantir a boa e correta utilização das normas e da intervenção nos lugares sagrados no momento da reforma litúrgica, contando com o apoio de comissões especializadas, como de Arte Sacra, de Música Sacra e de Liturgia. Além disso, apontava-se que a legislação civil dos países referentes ao patrimônio histórico e artístico fosse também respeitada, a fim de ajudar a preservar os bens da Igreja; que o patrimônio da Igreja fosse cuidado, pois se configurava como testemunho da ação da instituição sobre a terra, mas que os usos destes espaços respeitassem as práticas litúrgicas ainda em atividade; que os antigos e novos objetos sacros fossem usados juntos, sem acarretar prejuízo a um ou a outro e que, quando qualquer item não mais servisse ao culto, fosse inserido em museus diocesanos ou interdiocesanos para que as comunidades pudessem ter acesso a eles. Da mesma forma, que os edifícios religiosos com valor histórico e artístico, quando perdessem suas funções originais, não fossem abandonados e, muito menos, alienados sem a permissão da Santa Sé, devendo, mais uma vez, possuir avaliação prévia das comissões relativas ao tema, ou ainda, de especialistas externos (IGREJA CATÓLICA, 1971).

Os debates em torno da legitimação jurídica do tema do patrimônio histórico e artístico da Igreja foram retomados no ano de 1983 com o novo Código de Direito Canônico. O anterior, também chamado de Pio-Beneditino, havia sido promulgado em 27 de maio de 1917, durante o papado de Bento XV (1854-1922), iniciado em 1914 e que se estendeu até 1922. Nele, especificamente no segundo livro, já se legislava sobre o patrimônio histórico e artístico da Igreja, sendo assumida como matéria primeira a realização de inventários atualizados para a preservação destes bens.

O atual Código de Direito Canônico, promulgado pelo Papa João Paulo II (1920-2005) em 1983, retoma os mesmos pontos do Código anterior, dedicando todo o quinto livro (“Dos bens temporais da Igreja”) ao tema dos bens temporais da Igreja. Um entendimento

necessário, apresentado logo no início do capítulo, é que, independente da tipologia ou recorte histórico, “Todos os bens temporais que pertencem à Igreja universal, à Sé Apostólica ou a outras pessoas jurídicas públicas na Igreja, são bens eclesiásticos e regem-se pelos cânones seguintes e pelos estatutos próprios” (CDC, cân 1257, § 1). Os bens eclesiásticos, por sua vez, distinguem-se em duas classes: os res sacrae, como coisas e lugares sagrados “que, mediante consagração ou bênção, foram dedicados ao culto divino” e os bona pretiosa, caráter que lhes são creditados devido a “seu valor artístico e histórico, unido a uma função cultural e ao valor econômico” (SALVADOR e EMBIL, 1993, p. 92).

Para tanto, aponta-se o empenho do clero, secular ou regular, e dos leigos que tomarem parte neste processo em manter tudo o mais administrado, organizado e preservado possível. Como primeiro dever dos administradores está a realização de inventários, como apontado no cân. 1283, parágrafo 2º: “redija-se um inventário exacto e discriminado, por eles assinado, das coisas imóveis, e das móveis quer preciosas quer de qualquer modo respeitantes aos bens culturais ou de outras coisas, com a sua descrição e avaliação; depois de redigido esse inventário, confira-se” (CDC 1283, § 2). Tais levantamentos devem ser sempre atualizados, escritos em duas vias, tanto para depósito no arquivo administrativo quanto no da Cúria. Um aspecto interessante refere-se a como a ideia de bens culturais é tratada conceitualmente no texto do CDC, por vezes como “Patrimônio Histórico e Cultural”, “Patrimônio Histórico Artístico”, “Patrimônio Histórico”, além de “Bens Culturais” e “Bens de Interesse Cultural”.

Outro aspecto refere-se ao cuidado para que os bens eclesiásticos não sejam dispersos ou alienados:

O vigário forâneo, quando souber que os párocos do seu distrito se encontram gravemente doentes, procure que não careçam dos auxílios espirituais e materiais, e que se celebrem dignamente os funerais dos que faleceram; providencie ainda por que, quando eles se encontrarem doentes ou falecerem, não desapareçam nem sejam desencaminhados os livros, documentos, alfaias sagradas e demais coisas pertencentes à Igreja (CDC, cân 555, § 3).

O mesmo se aplica aos procedimentos de uma alienação ou de qualquer negócio em que se “exceda a soma determinada pela Santa Sé para cada região, ou de ex-votos oferecidos à Igreja, ou de coisas preciosas pela sua arte ou história, requer-se também licença da mesma Santa Sé” (CDC, cân 638, § 3).

O cân. 1283 é o primeiro a apresentar a ideia de bens culturais (bona culturalia) e não mais de patrimônio artístico e histórico, como em outros documentos emanados pela Santa Sé. No Código de 1983, outros pontos levantados fazem referência, mesmo que implicitamente, ao patrimônio cultural da Igreja, como ao tratar dos arquivos paroquiais e das

cúrias, apontando que os registros (especialmente os mais antigos) devem ser conservados diligentemente e protegidos em lugar seguro; da conservação e do decoro das alfaias (sacra

supelex) e espaços de culto; da conservação de imagens preciosas notáveis pela sua

antiguidade e que, expostas à veneração da comunidade em igrejas ou oratórios, no caso de serem restauradas, o ordinário local consulte peritos antes de dar a devida licença; da conservação, da exposição e da proteção dos bens sagrados e preciosos, bem como dos documentos votivos da arte popular e da piedade. Vale apontar que, unido a estas normativas institucionais, “embora não tenha sido incorporado ao Código, o conjunto dos princípios e normas gerais jurídicas preexistentes, sintetizado na Carta Circular da S. C. para o Clero (11- 4-1971) continua a obrigar, na medida em que não tiver sido ab-rogada ou derrogada pelo atual Código” (SALVADOR e EMBIL, 1993, p. 92).

No papado de João Paulo II (1978-2005), contudo, procurou-se criar um organismo abrangente que pudesse propor políticas de salvaguarda e orientar a missão da Igreja Católica frente a esses conjuntos de bens espalhados pelos cinco continentes. Foi instalada então, em 1988, por meio da Constituição Apostólica Pastor Bonus, quando de uma nova reforma da Cúria Romana, a Comissão Pontifícia para a Conservação do Patrimônio Artístico e Histórico da Igreja (Pontificia Commissio de Patrimonio Artis et Historiæ Ecclesiæ), junto da Congregação para o Clero. Entre as atribuições do organismo estava presidir “a tutela do património histórico e artístico de toda a Igreja”, sendo que,

“pertencem a este património, em primeiro lugar, todas as obras de qualquer arte do passado, que deverão ser guardadas e conservadas com a máxima diligência. Aquelas, porém, cujo uso específico tenha cessado, sejam convenientemente expostas nos museus da Igreja ou noutros lugares” (IGREJA CATÓLICA, 1988).

Insere-se no texto da Constituição o valor de se preservar, entre os bens históricos, o patrimônio documental da Igreja disperso em arquivos e bibliotecas, sendo o mesmo importante ao relatar e testemunhar a vida e o cuidado pastoral das comunidades. Sobre o último, o texto é categórico: deve “em toda a parte ser confiados a pessoas competentes, a fim de que tais testemunhos não se percam” (IGREJA CATÓLICA, 1988).

Presidida pelo Cardeal Prefeito da Congregação para o Clero, a abrangência da nova Comissão é expressa ao demonstrar que é também seu objetivo oferecer ajuda às Igrejas particulares e aos organismos episcopais, buscando formar espaços oficiais de tutela do patrimônio da Igreja, como museus, arquivos e bibliotecas. Estes locais, assim, devem salvaguardar a totalidade do patrimônio artístico e histórico em todo o território da Igreja, devendo, inclusive, realizar trabalhos de coleta de itens dispersos. Ao mesmo tempo, deve valorizar a ação educativa, a fim de que “o Povo de Deus se torne cada vez mais consciente da

importância e necessidade de conservar o património histórico e artístico da Igreja” (IGREJA CATÓLICA, 1988).

A Comissão Pontifícia para a Conservação do Patrimônio Artístico e Histórico da Igreja iniciou suas atividades em março de 1989, tendo como prioridade compor diretrizes acerca da preservação dos bens culturais de importância para a história da Igreja Católica, sejam aqueles dispostos nos templos, sejam em museus da instituição ou externos a ela. Sua atuação ocorreu na forma de cartas circulares, versando sobre temas como o inventário particularizado das obras e a formação do clero e dos leigos para o assunto. Com o tempo, percebeu-se que a Comissão havia começado, pouco a pouco, a se distanciar da Congregação para o Clero, justificado pela diferença de prioridades de cada dicastério. Desta forma, frente à importância assumida pelo patrimônio cultural na contemporaneidade, e seu valor como instrumento de evangelização, em 1993, por meio do Motu Próprio Inde a Pontificatus Nostri

initio, o papa João Paulo II resolveu modificar a estrutura da Comissão, dando a ela caráter

isolado e alterando seu nome para Comissão Pontifícia para os Bens Culturais da Igreja. As mudanças na concepção e no nome, ocorrida em 1993, eram reflexo direto de uma discussão ampla no campo das questões patrimoniais: o conceito de Histórico e Artístico em contraponto ao de Patrimônio Cultural, noção já incorporada no Código de Direito Canônico de 1983 (cân. 1283, nº 2). O “histórico” referia-se a uma noção de história centrada em fatos singulares capazes de revelar a evolução das ações humanas e o “artístico” concebido a partir de critérios que preconizavam a beleza plástica das formas artísticas. De outro modo, as categorias preservadas remeteriam, seja em história ou em arte, a uma ideia semelhante de acabamento e conclusão. A grande mudança nos debates, e que influenciou as posições adotadas pelo Vaticano, referia-se à inserção de uma noção de patrimônio mais amplo e que abarcasse bens culturais de outras naturezas, incorporando questões de valor cultural e suas dimensões simbólicas (produção e reprodução das culturas).

Para a Pontifícia Comissão, os bens culturais eclesiásticos se configuravam como elementos que deveriam ser conservados materialmente, tutelados sob o ponto de vista jurídico e valorizados pastoralmente no âmbito da cada comunidade, a fim de que se pudesse cultivar a memória do passado e continuar a expressar, no presente, o que estava orientado para a missão da Igreja. Esta ideologia se baseava em “uma lição de história”, desenvolvida por meio da contemplação da arte e fortalecida por meio de um pensamento profético. Segundo ela, a instituição eclesiástica, “mestra de vida”, não poderia deixar de assumir também o ministério de ajudar o homem, na contemporaneidade, a reencontrar o aspecto religioso diante do fascínio causado por uma ideia de verdadeira beleza. Essa tarefa exigiria

um assíduo trabalho de orientação, de encorajamento e de intercâmbio cultural, como preconizava o Papa João Paulo II em seus escritos.

Assim, apesar das mudanças de nome, a Comissão Pontifícia consolidou-se como um organismo independente com seu próprio presidente, mantendo as competências de presidir a tutela do patrimônio cultural de toda a Igreja (obras de arte, documentos históricos e aqueles que se conservam nos museus, bibliotecas e arquivos); colaborar na conservação deste patrimônio com as Igrejas particulares e os respectivos organismos episcopais; e promover uma sensibilização cada vez maior do clero e das comunidades sobre estes bens, apoiada pelas Congregações para a Educação Católica e para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.

O intento deste organismo, como visto, não era criar pontos novos ou concepções diferenciadas em relação aos bens culturais, e sim chamar a atenção da Igreja, na figura de seus dirigentes, para um problema que por muito tempo havia passado despercebido: a salvaguarda de seu próprio patrimônio. Na época, com quase dois mil anos de história, a Igreja Católica, como uma das organizações religiosas mais importantes do mundo, detinha um conjunto de bens imóveis, móveis e integrados de valor inigualável, custodiado em igrejas paroquiais, mosteiros, basílicas, abadias e capelas. A atuação da Pontifícia Comissão dava-se por meio de documentos que tratavam de variados temas relativos aos bens culturais eclesiásticos, porém sempre de forma aberta e genérica, os quais deveriam ser lidos e adaptados às necessidades das comunidades locais.

Promulgado ainda antes da alteração do nome, o primeiro documento do dicastério foi datado de 15 de outubro de 1992 e direcionado aos bispos diocesanos. Intitulado La

formazione dei futuri presbiteri all'attenzione verso i beni culturali della chiesa (A formação

dos futuros presbíteros à atenção para com os bens culturais da Igreja), foi assinado pelo então secretário da Cúria romana Francesco Marchisano28 (1929-2014). É possível apontar que a publicação da referida carta esteja ligada ao empenho da Igreja Católica em propor reflexões acerca da formação dos presbíteros no início dos anos 1990. Iniciada com a VIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, de 28 a 30 de outubro de 1990, cujo tema era La

formazione dei sacerdoti nelle circostanze attuali (A formação dos sacerdotes no momento

atual), tal discussão teve suas considerações publicadas pelo Papa João Paulo II na “Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores Dabo Vobis ao Episcopado, ao Clero e aos Fiéis sobre a formação dos Sacerdotes nas circunstâncias actuais”, de 25 de março de 1992.

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Na época, o bispo Marchisano ocupava o cargo de presidente da Comissão Pontifícia da Sagrada Arqueologia e, em 4 de março de 1993, tornou-se presidente da Comissão Pontifícia para os Bens Culturais da Igreja, posição que ocupou até o ano de 2003.

No início do texto, a Comissão propõe uma explicação acerca de sua criação e alcances:

O Santo Padre João Paulo II, zeloso pela valorização frutífera dos bens culturais da Igreja na obra de evangelização demandada pelo presente momento histórico, e preocupado com a salvaguarda deste precioso patrimônio artístico e histórico da Igreja e de toda a humanidade, quis imprimir um renovado dinamismo a estes valores, constituindo um novo organismo na Cúria Romana, que tratasse desse setor explícito de atividade pastoral e cultural (IGREJA CATÓLICA, 1992, tradução nossa)29.

Assim, o objetivo central da carta é deixar claro que a preservação dos bens culturais da Igreja só seria possível se houvesse um renovado empenho por parte dos sacerdotes na proteção destes acervos. Do mesmo modo, que fossem valorizados cultural e pastoralmente, refletindo acerca do papel deles na evangelização, na liturgia e no aprofundamento da fé – caso contrário, não se poderiam atingir as propostas da Constituição Pastor Bonus. Da mesma forma, o texto procurava propor linhas operativas e orientações sobre como inserir o tema no itinerário formativo natural do clero (visto não apenas como uma operação intelectual, mas devendo atingir raízes da educação pessoal do candidato), estimulando uma reflexão aprofundada sobre a situação, as necessidades e os recursos disponíveis, de modo a criar condições para o início de iniciativas concretas de modo consciente e gradual (IGREJA CATÓLICA, 1992).

Não somente para a Igreja, a preservação dos bens culturais eclesiásticos era mais do que necessária, haja vista a importância destes conjuntos que se constituem como um grande tesouro da ação humana e da sua adesão à fé na contemporaneidade (IGREJA CATÓLICA, 1992). Como instrumentos de evangelização, atuariam na manutenção das identidades, sobretudo no contexto da época, marcado pela relação com os novos fluxos migratórios que levariam as populações a perderem suas referências, seu humus.