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O Brasil e suas instituições museológicas de bens culturais eclesiásticos

CAPÍTULO 2 – O PAPEL DOS MUSEUS NA PRESERVAÇÃO DOS BENS ECLESIÁSTICOS:

2.3 O Brasil e suas instituições museológicas de bens culturais eclesiásticos

Ao abordar o caso brasileiro, verificou-se desde o início do século XX o surgimento de diversas instituições museológicas destinadas à preservação dos bens culturais eclesiásticos. Inicialmente, estes espaços dedicavam-se a reunir e preservar, quase que unicamente, importantes coleções de arte sacra, algumas delas mantidas próximas dos locais de culto para as quais foram criadas, acrescidas de outros acervos derivados de compras e doações. As gestões couberam tanto às próprias entidades da Igreja, como paróquias e dioceses, além das iniciativas de irmandades, confrarias e ordens terceiras, quanto ao poder público (Federação, Estados e Municípios) e entidades privadas.

Um dos motivos para este desenvolvimento de museus desta natureza seria o crescente avanço de ideias que procuravam liberar os espaços de culto das antigas amarras que, segundo a proposta do movimento litúrgico de matriz oitocentista, não promoviam no fiel o verdadeiro sentido da liturgia católica. Frente a isso, muitos conjuntos de objetos e elementos decorativos foram, aos poucos, sendo suprimidos das igrejas e destinados à venda ou ao abandono. Contudo, diferentemente do episcopado italiano que, já em 1924, sugeriu aos bispos que promovessem e constituíssem museus diocesanos, no contexto brasileiro esta proposta só apareceu timidamente em documentos oficiais e de caráter nacional a partir da segunda metade do século XX, após o Concílio Vaticano II e os novos debates políticos promovidos por órgãos oficiais de preservação do patrimônio cultural – o que criou um território favorável à instituição destes organismos de salvaguarda por parte da Igreja. Por outro lado, não se pode esquecer que desde a década de 1920 surgem apontamentos de alguns bispados brasileiros com relação a guarda dos bens de valor histórico e artístico, porém sem prescrever um destino correto a estes bens que estavam fora do uso do litúrgico.

Assim, ao contrário de propostas estabelecidas pela Igreja de forma organizada e com normativas estruturantes, veem-se espalhadas pelo Brasil ações de autoridades eclesiásticas

em verdadeiras campanhas de salvamento de obras. Essas missões, por outro lado, devem ser também entendidas na chave de um espírito colecionista que estava imbricado em uma parcela do clero ainda de formação erudita. Entre elas, no âmbito do estado de São Paulo, podem-se apontar a do primeiro arcebispo da cidade de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva (1907-1938), que desde o início de seu episcopado começou a reunir no edifício sede da Cúria Metropolitana de São Paulo96 um importante acervo de obras vindas de igrejas mal conservadas ou em vias de demolição, com o objetivo de fundar um museu histórico arquidiocesano, inicialmente uma dependência do Arquivo da Cúria. Esta coleção deu origem, em 1970, ao Museu de Arte Sacra de São Paulo (para mais, ver PHILIPPOV, 2016).

Além dele, é importante citar a ação do Arcebispo de Campinas, Dom Paulo de Tarso Campos (1941-1968). Dom Paulo foi o responsável pela fundação do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Campinas, em 1964, a partir de peças reunidas por ele em visitas pastorais e por solicitação às paróquias. Vale destacar que tanto Dom Duarte quanto Dom Paulo doaram para as instituições museológicas por eles constituídas suas próprias coleções particulares, o primeiro de numismática e, o segundo, de tipologias variadas. Além disso, o desejo destes bispos era que as instituições tivessem um recorte territorial, referindo-se não somente à circunscrição diocesana, mas também a outras regiões.

Juntamente com estas ações, há diversas outras espalhadas pelo Brasil. Porém, é expressivo observar que este crescimento não foi acompanhado de um programa museológico que respeitasse as especificidades dos conjuntos de bens culturais eclesiásticos – inclusive porque muitas coleções da Igreja acabaram parando sob a guarda do Estado e de instituições privadas –, o que se reflete na falta de estudos sobre os acervos reunidos, ausência de recursos humanos adequados, edifícios irregulares e sistemas de segurança e preservação frágeis. Como apontou Santi para o contexto italiano, e que pode ser aplicado ao brasileiro, os museus criados "foram instituições que não eram totalmente redutíveis ao modelo museal consolidado, a partir do momento que juntamente com uma clara tentativa conservadora, apresentaram uma didática assumida e decididamente designada no sentido eclesial” (SANTI, 2012a, p. 35, tradução nossa)97. Aliado a isso, há a ausência de políticas de inventário, atividade essencial nas novas estratégias de preservação que, ao invés de tutelar apenas os

96 O prédio sede da Cúria Metropolitana de São Paulo localizava-se à Rua Santa Tereza, nº 17, tendo sido

inaugurado no dia 22 de abril de 1920 com projeto do arquiteto Abelardo Soares Caiuby.

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“erano istituzioni non totalmente riducibili al modello museale consolidato, dal momento che insieme a un chiaro intento conservativo ne presentavano uno dichiaratamente didattico e decisamente connotato in senso ecclesiale”.

bens excepcionais, buscam administrar os conjuntos culturais de maneira ampla e pluralista (AZEVEDO, 1987, p. 82).

Verifica-se, desta forma, com base nos problemas levantados, a fragilidade destas instituições e a sua limitada visibilidade. A maior parte não consegue adquirir relevância, mesmo que em nível local, apesar de existirem alguns museus e espaços expositivos com certa visibilidade. Tomando a análise de Santi para o contexto museal italiano, é possível traçar algumas similitudes que levam a esta invisibilidade: a ausência de iniciativas por parte da instituição; as fracas propostas de comunicação que não atingem, muitas vezes, as próprias comunidades locais; uma política de gestão isolada; falta de investimento e ausência de pessoas qualificadas na atuação e captação de recursos por meio de leis de incentivo ou na formatação de campanhas; falta de interesse da própria Igreja, muitas vezes responsável pela criação destes espaços, relegando-os a meros depósitos.

Especificamente no âmbito dos museus diocesanos, verifica-se que eles foram (e ainda são) criados pelos bispos com a única missão de conservar acervos raros, sem a preocupação com a dinâmica inerente à realidade destes espaços, como a pesquisa e atividades constantes de conservação. Isto se estenderia a outros locais, como os arquivos, “lugares onde podemos e, em alguns casos, temos que recolher artefatos preciosos em risco de desaparecimento, não como instrumentos ativos de cultura, mas de animação e serviço às instituições existentes no território” (SANTI, 2012a, p. 55, tradução nossa)98

. Levando em conta esta constatação, não seria incorreto afirmar o quão vulneráveis são estes espaços que, dada a falta de estratégia administrativa e de motivação institucional, em pouco tempo entram em declínio, passando a serem vistos como dispendiosos e de pouco relevância no âmbito diocesano.

Divididas entre as cinco regiões da federação, foram identificadas no Brasil atualmente cerca de 130 instituições museológicas voltadas à salvaguarda de acervos de bens culturais eclesiásticos, de um total de mais de 3100 espaços99. Levando em conta a totalidade das instituições físicas (descartando-se os museus virtuais), portanto, apenas cerca de 4,2% dos museus brasileiros voltam-se a preservar, exclusivamente, a memória e a história do catolicismo, a partir de diferentes vieses. Aponta-se que estes números são dados aproximados, em virtude da dificuldade de identificação e de localização destes espaços.

98 “luoghi dove si possono e in alcuni casi si devono ricoverare manufatti preziosi a rischio di scomparsa, non

come strumenti attivi di cultura, poli di animazione e di servizio alle istituzioni esistenti sul territorio”.

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Grande parte do levantamento das instituições foi baseado no Guia Brasileiro de Museus, datado de 2011, um produto do Cadastro Nacional de Museus promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM/Ministério da Cultura), acrescidas de outras levantadas via internet. Vale ressaltar que, entre esses espaços museológicos aparecem tanto instituições abertas quanto fechadas ao público. Aponta-se que, tendo por base o ano de 2017, é possível que haja variações nestes números, algo que, infelizmente, não foi possível constatar dada a deficiência de registro destes espaços nos cadastros nacionais e estaduais.

Variadas são as respostas a este problema, entre elas a precariedade da segurança dos acervos, o que faz com que a divulgação dos espaços e o acesso aos itens sejam, conscientemente, reduzidos.

Em linhas gerais, estas instituições poderiam ser divididas em:

 Museus de obras sacras e/ou religiosas: tais como o Museu de Arte Sacra (Oeiras, PI), o Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia (Salvador, BA), o Museu Nossa Senhora Aparecida (Aparecida, SP), o Museu de Arte Sacra de São Paulo (São Paulo, SP) e o Museu de Arte Sacra da Boa Morte (Goiás, GO);

 Museus de arte religiosa com vertente popular: como o Museu de Arte Sacra e Costumes de Água Branca (Água Branca, AL), o Museu do Homem Missioneiro Potiguar (Parnamirim, RN), o Museu de Arte Sacra e da Cultura de Pesqueira (Pesqueira, PE), o Museu de Arte Religiosa e Tradicional (Cabo Frio, RJ), a Sala dos Milagres (Trindade, GO) e o Museu de Ex-Votos ou Museu do Bonfim (Salvador, BA);

 Memoriais de personalidades religiosas de alcance local, regional e/ou nacional: entre eles, destacam-se o Museu Vivo do Padre Cícero (Juazeiro do Norte, CE), o Memorial Irmã Dulce (Salvador, BA), o Museu Nacional Padre Anchieta (Anchieta, ES), a Casa da Memória Madre Leônia Mílito (Londrina, PR) e a Casa Museu do Diácono João Luiz Pozzobon (Santa Maria, RS);

 Museus temáticos/especializados: tais como, o Museu de Sant‟Ana (Tiradentes, MG), o Museu do Divino (Pirenópolis, GO), o Museu do Círio (Belém, PA), o Museu das Missões (RS), o Museu do Oratório (Ouro Preto, MG) e o Museu Sacro do Eremitério Santo Lenho (Macaíba, RN);

 Museus de congregações e associações leigas: como o Memorial da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte (Cachoeira, BA), o Museu da Igreja do Carmo e dos Capuchinhos (São Luís, MA), o Museu Histórico das Irmãs Servas de Maria Imaculada (Prudentópolis, PR), Museu Franciscano de Arte Sacra (Recife, PE), o Museu da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha de França (Rio de Janeiro, RJ), Museus dos Capuchinhos (Caxias do Sul, RS) e o Museu de História dos Salesianos no Brasil (São Paulo, SP),

 Museus paroquiais e (arqui)diocesanos: podendo-se citar o Museu da Arquidiocese de Londrina (Londrina, PR), o Museu Sacro de Santa Maria (Santa Maria, RS), Museu Eclesiástico de Arte Sacra (São Mateus, ES), o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra

(Mariana, MG), o Museu Diocesano Dom Ernesto de Paula (Jacarezinho, PR), o Museu de Arte Sacra (Uberlândia, MG), o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Campinas (Campinas, SP) e o Museu Paroquial de São Marcos (São Marcos, RS). Ressalta-se que foram contabilizados neste estudo apenas os museus formados, em sua quase totalidade, por bens culturais eclesiásticos e que apresentam em seu escopo a missão de salvaguardar esta temática específica de itens. Tal distinção torna-se necessária, uma vez que inúmeros museus brasileiros possuem coleções de arte sacra/objetos de culto em seus acervos.

Cronologicamente100, as primeiras instituições museológicas com acervos formados em sua maioria por bens culturais eclesiásticos no Brasil começaram a ser formadas a partir da década de 1910, sendo a primeira a Sala dos Milagres do atual Santuário Basílica do Divino Pai Eterno em Trindade, Goiás, criada entre 1915 e 1920. Típico de locais de peregrinação e como marca da religiosidade popular, estes espaços congregavam ex-votos deixados pelos devotos como sinal de agradecimento por supostas graças alcançadas, neste caso por intercessão do Divino Pai Eterno, cuja devoção teria sido iniciada na região por volta de 1843. Em 1912, foi construído o primeiro santuário (conhecido como Santuário Velho ou Igreja Matriz) para o qual os fiéis passaram a acorrer, ali deixando objetos religiosos e representantes dos milagres, dando origem ao espaço museológico que é constantemente alimentado. Segue-se à Sala dos Milagres de Trindade um hiato de cerca de 20 anos, quando são criados, já na década de 1940, o Museu das Missões, em São Miguel das Missões, RS, em 1940 e o Museu de Arte Sacra e da Cultura, em Pesqueira, PE, fundado em 1947 e administrado pela Diocese de Pesqueira.

Um aspecto interessante é verificar a importância dada pelos santuários de peregrinação locais, regionais ou nacionais em compor um espaço para a exposição dos ex- votos deixados pelos fiéis. Eles configuram-se como reflexos da “manifestação de uma religiosidade, neste caso, de um catolicismo popular”, já que afirmam “uma relação direta entre o crente e a Divindade” (SCARANO, 2004, p 16), sendo ele um sinal visível da presença do peregrino no local, sobretudo para pagar alguma dívida contraída com o sagrado. Diversos são os espaços existentes no Brasil, mesmo que não oficializados como núcleos museológicos, que preservam este tipo de material, podendo-se citar aqueles existentes junto ao Memorial Frei Damião (Guarabira, PB), ao Santuário do Bom Jesus da Lapa (Bom Jesus

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Os dados relativos aos anos de fundação das instituições museológicas foram obtidos por meio do Cadastro Nacional de Museus do IBRAM, bem como dados obtidos por meio da internet. No levantamento algumas instituições não puderam ter seus dados coletados/certificados devido à falta de informações, além da presença de inconsistências no cadastro disponível pelo IBRAM. Ressalta-se também que alguns dos museus tiveram sua abertura realizada antes da criação oficial, tendo sido assumida a data de abertura ao público (apesar da data de instalação de alguns serem anteriores, compondo hiatos de até 20 anos para a abertura).

da Lapa, BA), à Igreja de São Lázaro (Salvador, BA), à Catedral Basílica de Nossa Senhora da Conceição Aparecida (Aparecida, SP), à Basílica do Senhor Bom Jesus (Iguape, SP), à Igreja São Judas Tadeu (Niterói, RJ), à Basílica de Bom Jesus dos Matosinhos (Congonhas, MG) ao Santuário de Santa Paulina (Nova Trento, SC)101.

Como espaços configurados como museus, aponta-se o caso do Museu dos Ex-votos, também conhecido por Museu Rubem Freire de Carvalho Tourinho e localizado junto à Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, Salvador, BA. Localizado acima da sala dos milagres (responsável por alimentar o acervo museológico), o espaço museológico reúne significativa coleção de objetos deixados por fiéis como materialização de graça alcançada por meio do Senhor do Bonfim, tais como placas, joias, tábuas e quadros pintados, objetos pessoais, entre outros, datados entre meados do século XVIII e os dias atuais.

Figura 18 – Vista da sala dos milagres da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Salvador, Bahia.

101 Para maiores informações acerca de estudos sobre ex-votos no Brasil, bem como sobre seus locais de

depósito, aponta-se o Projeto Ex-votos do Brasil e o Núcleo de Pesquisa dos Ex-votos (NPE) da Universidade Federal da Bahia, vinculado ao GREC – Grupo de Estudos sobre os Cibermuseus do CNPq, acessível por meio do website https://projetoex-votosdobrasil.net/.

Figuras 19, 20 e 21 – Vista das salas expositivas do Museu dos Ex-Votos da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Salvador, Bahia.

Gráfico 1 – Criação, por década, de instituições museológicas com acervos formados predominantemente por bens culturais eclesiásticos no Brasilaté 2017102.

Com base no gráfico, pode-se observar que o número de espaços museais aumenta gradativamente a partir da década de 1960, especificamente a partir de 1965 quando são criadas 2 instituições (o Museu dos Ex-votos, Salvador, BA, e o Museu Nacional Padre

102 No gráfico foram contabilizados apenas 124 museus dos 130 levantados, uma vez que não foram localizadas

Anchieta, Anchieta, ES). Tal movimento pode ser entendido como uma possível resposta de algumas dioceses e paróquias, além de órgãos públicos e privados, ao alvoroço gerado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, especificamente para a necessidade premente de dar um local correto para o espólio que estava sendo retirado das igrejas. O maior número de museus, contudo, foi criado ao longo da década de 1980, tais como o Museu de Arte Sacra do Mato Grosso, Cuiabá, MT (1980); o Museu de Arte Sacra da Arquidiocese de Curitiba, PR (1981); o Museu de Arte Sacra de Oeiras, PI (1983); o Museu do Círio, Belém, PA (1986); e o Museu de Arte Sacra do Pilar, Ouro Preto, MG (1987).

Os períodos históricos nos quais se inserem os museus ajudam a demarcar sua linha de acervo e sua política curatorial. O Museu Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida, SP, por exemplo, foi fundado em 1956, tendo como coleção original fragmentos arqueológicos do Vale do Paraíba, além de itens coletados entre as famílias da região, em sua maioria objetos de matriz eclesiástica. Tais itens foram agrupados como uma espécie de gabinete de curiosidades – como na maioria dos espaços museais criados ao longo da primeira década do século XX –, primeiramente no prédio das oficinas gráficas das Irmãs Canisianas e, depois, na Galeria do Hotel Recreio, passando para as dependências do Santuário Nacional (Torre Brasília) apenas em 1967. O museu estava organizado de modo a apresentar ao público parcelas de todas as suas coleções, que incluíam de imaginária sacra à numismática, objetos do cotidiano e arqueologia. Em 2013, sofreu uma grande mudança, de modo a recompor sua linha expográfica a partir de duas exposições permanentes: uma dedicada a Nossa Senhora Aparecida (“Rainha do Céu, Mãe dos Homens: Aparecida do Brasil”) e uma propondo uma reflexão sobre o museu e suas coleções (“O Museu e suas Histórias”).

Outras instituições recentes, possivelmente como reflexo dos novos debates históricos e museológicos, passaram a organizar suas coleções de forma monográfica, sendo interessante os casos do Museu do Oratório (1988) e do Museu de Sant‟Ana (2014), ambos constituídos pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez. Neste mesmo debate, outro espaço que merece ser destacado é o Museu da Liturgia, criado no ano de 2012 na cidade mineira de Tiradentes e mantido pela Paróquia de Santo Antônio. No contexto brasileiro é o único museu que propõe, em seu discurso curatorial, organizar o acervo de obras dos séculos XVII ao XX, além de instalações audiovisuais, com base nos eixos do ritual litúrgico católico (mistério, simplicidade, fraternidade, rito e epifania), seja em sua vertente oficial ou nas expressões da religiosidade popular imaterial. Vale ressaltar que várias das obras expostas no museu ainda são utilizadas em determinadas festas do tempo litúrgico, o que garante a vivacidade do acervo e sua inserção junto à comunidade de fiéis.

Figura 22 – Vista de expografia de sala do Museu do Oratório. Ouro Preto, MG.

Figura 23 – Vista da sala “Sant‟Ana Mestra” do Museu de Sant‟Ana. Tiradentes, MG.

Cresce também no Brasil a construção de memoriais dedicados a manutenção da memória de membros do clero ou religiosos. Na sua maioria abertos a partir da década de 1990, reúnem acervos pessoais dos titulares, bem como itens relacionados a suas obras pastorais e assistenciais. Entre eles, podemos citar o caso do Memorial Irmã Dulce103, na

103 Irmã Dulce encontra-se em processo de canonização junto à Santa Sé, tendo os trabalhos sido iniciados em

janeiro de 2000. No ano de 2008 foi concedido o voto favorável da Congregação para a Causa dos Santos e, em janeiro de 2009, foi declarada Venerável pelo Papa Bento XVI, devido ao reconhecimento de suas virtudes heroicas. Por conta disso, em 2010, como reza o costume antigo da Igreja, os restos mortais da religiosa foram

capital baiana. Localizado no Convento Santo Antônio, sede das Obras Sociais Irmã Dulce, foi aberto em 1993 (um ano após a morte da religiosa nascida em 1914), expondo um acervo de cerca de 800 peças, somados a outros mais de 30 mil objetos que se encontram em reserva técnica, em sua maioria proveniente de doações. O memorial encontra-se interligado com o hospital erguido pela beata, estendendo a visita também à Igreja da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, chamada de Santuário da Bem-aventurada Dulce dos Pobres, onde está seu túmulo. O memorial apresenta também um forte trabalho educativo, voltado, sobretudo, para as escolas. Com elementos didáticos ao longo do percurso expositivo, além de outros materiais gráficos, como uma revista em quadrinhos com a história da religiosa baiana, tem como proposta disseminar “o conhecimento acerca da trajetória de amor e serviço do Anjo Bom do Brasil, incentivando a discussão de valores universais e o resgate da história junto às novas gerações”104

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Imagem 24 – Vista da sala “Ação Social” do Memorial Irmã Dulce. Salvador, BA.

Imagem 25 – Vista da sala “Religiosidade” do Memorial Irmã Dulce. Salvador, BA.

À esquerda, veem-se relíquias de primeira e segunda ordens da beata. exumados da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia e transferidos para a Igreja da Imaculada Conceição da Mãe de Deus para veneração pública em capela construída para este fim (conhecida como Capela das Relíquias). No mesmo ano, irmã Dulce foi declarada beata ainda no papado de Bento XVI. A cerimônia de beatificação ocorreu em Salvador no dia 22 de maio de 2011, quando ela passou a ser conhecida com o título de "Bem-Aventurada Dulce dos Pobres" e cultuada liturgicamente a cada dia 13 de agosto.