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1. Introdução 11


1.5. Análise da bibliografia sobre o período 32

1.5.1. Diretrizes diplomáticas 33

O governo Figueiredo inicia-se em 1979 com a marca da continuidade na política externa, apontam de modo praticamente consensual os estudos sobre o período. O esforço para manter uma posição menos dependente dos EUA, a tentativa de ampliar as parcerias com a Europa Ocidental e a busca por uma firme relação com os países do Sul (Oriente Médio, África e América Latina) – três elementos que marcaram a guinada diplomática do governo anterior – seguiram no topo da agenda quando Figueiredo assumiu. Antes, em um contexto de agravamento da economia global, a política externa de Geisel priorizou a ampliação do comércio, a garantia de suprimentos e produtos essenciais, e o acesso à tecnologia, “agindo sem recusas a priori, nem solidariedades definidas” (CAMARGO e OCAMPO, 1988. P. 46). Seu sucessor buscará manter este rumo.

Conforme Shiguenoly Miyamoto e Williams da Silva Gonçalves (MIYAMOTO e SILVA, 1993), “a ruptura já havia sido realizada (com Geisel); o que antes fora apresentado como pragmatismo agora consolidava-se como uma estratégia articulada e coerente”. Paulo Fagundes Vizentini (VIZENTINI, 2004. P. 282) defende a mesma tese e reforça que o “universalismo” buscava seguir trilhando os caminhos abertos pelo governo anterior; Figueiredo daria continuidade a Geisel, “mas sem repeti-lo”. Em entrevistas e discursos, Guerreiro sustentava a tese de que o Brasil pertencia ao Terceiro Mundo por sua condição material de país em desenvolvimento, mas também se ligava ao Primeiro Mundo, em função de sua herança cultural ocidental (OLIVEIRA, 2002). Esse caráter híbrido do Brasil, concluia o chanceler, permitia uma dupla inserção internacional ao País. Ao analisar os princípios que regiam essa política externa, Sônia de Camargo argumenta que

O Brasil não precisava mais demonstrar que não era satelizável nem que a política de alinhamentos automáticos estava superada. O que o Brasil necessitava era afirmar sua dupla identidade de país ocidental ao mesmo tempo que terceiromundista, o que lhe permitia transitar, com certa liberdade, pelos dois mundos. (CAMARGO e OCAMPO, 1988. P. 127)

Mas, na medida em que avançava a era Figueiredo, crescia o fosso entre os planos e diretrizes diplomáticos do governo, de um lado, e a implementação objetiva dessa política externa autônoma à serviço do desenvolvimento, de outro. Os autores citados acima chamam atenção para o rápido agravamento da situação econômica internacional no início dos anos 80, combinado com o recrudescimento do embate bipolar, a partir de 1981, quando Reagan inicia seu governo. A nova política de juros dos EUA e a escassez de crédito no mercado internacional, o protecionismo contra produtos primários exportados pelo Brasil e a pressão contra políticas de reserva de mercado, o temor global provocado pelas crises no México e na Argentina, além do fim da détente, impõem duros limites à projeção internacional brasileira. Em resumo, estava em curso uma redistribuição de poder no sistema internacional, a qual era patentemente desfavorável ao Brasil. Assim, a política externa de Figueiredo foi de “continuidade”, argumenta Vizentini, mas “em condições adversas”.

Andrew Hurrell endossa a tese de que, de modo geral, a ação internacional do Brasil sob Figueiredo inicialmente manteve-se sob o signo da continuidade, mas ele apresenta três aspectos que a diferenciavam do período anterior (HURRELL, 1986). Além da piora da situação econômica internacional e da chamada “Segunda Guerra Fria” (HALLIDAY, 1985; AVILA, 2004), houve uma “mudança de estilo” no comando da política externa quando o chanceler Antonio Azeredo da Silveira deu lugar a Guerreiro, figuras com personalidades antagônicas e relações distintas com seus respectivos presidentes. Hurrell aponta ainda um terceiro elemento: o enfraquecimento da “opção pela Europa Ocidental”, com potências do velho continente – sobretudo a Alemanha Ocidental – menos inclinadas a estabelecer parcerias em setores estratégicos com o Brasil, como ocorrera no governo Geisel. A consequência dessa mudança, afirma o autor, foi o aprofundamento da retórica “terceiromundista”.

Ao observar a totalidade da política externa de Figueiredo, Hurrell defende uma importante diferenciação entre a primeira parte do governo, de 1979 a 1982, e a fase final do

mandato, até 1985. Segundo ele, de fato o último governo da ditadura, ao assumir, desenvolve uma política externa de marcada continuidade, na qual a relutância em reviver os tempos da “relação especial” com EUA, o esforço por ampliar o leque de parcerias e a retórica “terceiromundista” eram os traços mais marcantes. Contudo, a partir da segunda metade de 1982, quando o Brasil vê-se obrigado a negociar diretamente com o FMI em função do profundo desequilíbrio em seu balanço de pagamentos, e a transição política interna prova-se muito menos controlável do que previa o governo, a projeção internacional do Brasil de Figueiredo perdesse força. Com a crise da dívida, nos últimos três anos de Figueiredo no Planalto, somada à perda de autoridade do presidente em âmbito nacional, a política externa se concentrou em objetivos de médio e curto prazo, enquanto o “terceiromundismo” do Itamaraty isolava e enfraquecia internamente a Chancelaria brasileira. O Brasil viu ainda sua dependência dos EUA, o principal mercado e interlocutor na negociação da dívida, crescer e a diversificação de parcerias, retrair-se.

Hurrell resume:

Brazilian foreign policy under Figueiredo presents two sharply contrasting images. On the one hand, in the first three years of the administration the trends of the 70’s continued to develop. Brasilia remained generally resistant to American attempts to revive the “special relationship”. The process of diversification was carried still further and […] there was a further move towards the identification of Brazil as a 3rd

world country. […] On the other hand, by the end of the military republic by March 1985 the margin of autonomy that Brazil had attained in the 70’s as a result of the diversification of its international ties and the broadening and deepening of its position in the international economy appeared both narrower and precariously based. The debt crisis, coupled with the political problems of the succession, had underlined the country’s continued high level of vulnerability and exposed the hollowness of many of the grandiose visions of a wider international role for Brazil that had flourished in more prosperous times. (HURRELL, 1986. P. 283)