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1 TERRITÓRIO E PODER: APORTES CONCEITUAIS PARA

1.4 Discurso e disputas territoriais

Para Arendt (2010) a pluralidade entre os homens e a sua identificação enquanto tal é condição fundamental da vida humana6, esta pluralidade torna-se patente na ação e no discurso, de modo que

a vida sem discurso e sem ação ± único modo de vida em que há sincera renúncia de toda a vaidade e aparência na acepção bíblica da palavra ± está literalmente morta para o mundo, deixa de ser uma vida humana, uma vez que já não é vivida entre os homens (ARENDT, 2010, p. 189).

6A expressão vida humana pode ser compreendida enquanto sociedade.

Assim, para a autora, a ação e o discurso são condições de existência da vida humana, considerando que não há vida social em que estes não se apresentem. Por sua vez, Foucault (2012) assevera que

o discurso ± como a psicanálise nos mostrou ± não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que ± isto a história não cessa de nos ensinar ± o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (p. 10).

Pensando nas relações sociais, Foucault (2004) avalia a importância dos discursos, ao afirmar que

em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso. Não há possibilidade de exercício de poder sem certa economia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência (p. 179-180).

Assim como as demais relações de poder, as disputas territoriais desenvolvem certas condições de produção e disseminação dos discursos, conforme explicita Tuathail (2006) ³GLVFXUVRV JHRSROtWLFRV RSHUDP GHQWUR GH UHGHV de poder e aqueles que prevalecem refletem a influência daquela estrutura de poder, de fato, estes discursos fazem parte de muitas operações destas estruturas de SRGHU´7.

Uma definição da noção de discurso é apontada por Rose (2001) FRPR³XP grupo de declarações que estrutura a forma como algo é pensado e como agimos sobre este pensamento, em outras palavras, é um entendimento especifico sobre o PXQGRTXHOKHFRQIHUHIRUPDHDVFRLVDVQHOHLQVHULGDV´8 (p. 136).

Considerando esta questão devemos discutir a análise do discurso enquanto aporte metodológico a pesquisa empreendida. Segundo Gill (2003) a análise do discurso surge a partir de diversas correntes teóricas, que apesar de suas diferenças

7 Geopolitical discourses operates within networks of Power and the discourses that emerge as the prevailing ones in any state reflect the influence of that Power structure; indeed, these discourses are part of the very operation of this power structure.

8 Discourse has a quite specific meaning. It refers to groups of statements which structure the way a thing is thought, and the way we act on the basis of that thinking. In others words, discourse is a particular knowledge about the world which shapes how the world is understood and how things are done in it.

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partilham alguns pontos básicos: (a) a postura crítica em relação ao conhecimento dado e a postura empirista, (b) o entendimento do mundo é condicionado a história e a cultura, (c) a concepção do conhecimento como socialmente produzido e (d) a perspectiva de explorar outras formas de conhecimento. A autora destaca três grandes linhas de desenvolvimento metodológico e teórico da análise do discurso, a primeira, vinculada a linguística, conhecida como linguística crítica, semiótica social ou estudos de linguagem, caracterizada por deslocar o centro da análise da relação entre significado e significante para a relação entre a palavra e o objeto, a segunda vinculada a teoria do ato da fala, a etnometodologia e a análise da conversação tendo como principal interesse a orientação para ação imbuída nos discursos e, por fim, a análise pós-estruturalista, tendo como principal expoente Michel Foucault, centra o interesse nas construção social e histórica dos discursos. Esta terceira vertente é a qual vincularemos nossas leituras.

Analisando os procedimentos relativos ao controle dos discursos, Foucault (2012) conclui que estes podem se caracterizar como formas de exclusão, sendo o mais comum a interdição, por sua vez dividida em três tipos, não excludentes, tabu do objeto, ritual da circunstância e direito exclusivo do sujeito que fala, por outro lado há também procedimentos de separação, que segrega determinados sujeitos da condição de produtor do discurso, como foi o caso do louco na idade média, o terceiro tipo de procedimento de exclusão, característico a partir do século XIX, repousa na vontade da verdade, principalmente com a institucionalização das ciências, em que o discurso científico, se impõe aos demais enquanto verdadeiro.

Além dos procedimentos de exclusão o autor destaca outros procedimentos, sendo estes diferentes dos primeiros à medida que são internos ao discurso, enquanto aqueles são externos, em outras palavras nestes o próprio discurso exerce seu controle. Quanto a estes procedimentos Foucault (2012) elenca os seguintes:

(a) comentário, sendo estes

narrativas maiores que se contam, se repetem e se fazem variar; fórmulas, textos, conjuntos ritualizados de discursos que se narram, conforme circunstâncias bem determinadas; coisas ditas uma vez e que se conservam, por que nelas se imagina haver algo como um segredo ou uma riqueza (FOUCAULT, 2012, p. 21).

São estes os textos religiosos e jurídicos e em alguma medida os científicos;

(b) auWRUFRPSUHHQGLGRFRPR³princípio de agrupamento do discurso, como unidade HRULJHPGHVXDVVLJQLILFDo}HVFRPRIRFRGHVXDFRHUrQFLD´(FOUCAULT, 2012, p.

25), assim é a marca determinante da identidade da emissão do discurso que define o autor, (c) as disciplinas, por sua vez, se opõem ao princípio do autor, de maneira que se define a partir de certo grupo de proposições, regras, técnicas e instrumentos, destituindo do caráter individualizante do autor, mas também se diferencia do comentário, posto que não mais a repetição é o objeto de interesse, mas a construção de novos enunciados, derivados dos iniciais, assim as disciplinas se definem como um campo de produção de regras para o discurso.

Outros grupos de procedimentos diferem-se por impor um conjunto de regras para que os sujeitos possam acessá-los. Compõem estes procedimentos o ritual, definindo a qualificação do sujeito, os gestos que acompanham o discurso, bem como todo o conjunto de circunstâncias interligadas; as sociedades de discurso, restringindo o círculo no qual são produzidos e distribuídos os discursos, podemos citar as sociedades secretas como exemplos deste procedimento; as doutrinas, apesar de em uma primeira apreensão se diferenciar das sociedades de discurso por seu caráter universalista, abertos a aceitação, cria uma identificação exclusiva do sujeito em relação a outras doutrinas de mesma natureza, a exemplo das doutrinas religiosas, por exemplo, por um lado unificam a identidade dos diferentes sujeitos que lhe são adeptos, mas ao mesmo tempo os diferencia daqueles que não o são; por fim podem ser destacadas as formas de apropriação social do discurso, estes representando delimitações em escala ampliada do discurso que é apropriado.

Estes procedimentos devem ser observados no momento em que os discursos e seus mecanismos de controle estiverem sendo debatidos. Neste sentido importa reconhecer algumas proposições metodológicas apontadas por Foucault (2012) a partir dHWUrVGHFLV}HV³TXHVWLRQDUQRVVDYRQWDGHGDYHUGDGHUHVWLWXLUDR discurso seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a soberania do VLJQLILFDQWH´ (FOUCAULT, 2012, p. 48). Neste sentido, são destacados quatro princípios metodológicos: a inversão, no sentido em que ao invés de reconhecer a origem dos discursos e suas condições de expansão, reconhecer o jogo de rarefação imposto, da descontinuidade, em que devem ser pensados como práticas

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eventuais, que não necessariamente sejam contínuos no tempo, ou estejam em estágio de latência até serem descobertos, a especificidade, em que não há significação prévia a ser decifrada, mas como uma prática que demonstra seu significado no momento do acontecimento e da exterioridade, entendendo o discurso a partir de sua própria aparição, de sua regularidade e suas condições de acontecimento. Por fim, o autor propõe que quatro noções devem nortear a análise dos discursos: o acontecimento, a série, a regularidade e a condição de possibilidade.

'HVWH PRGR D DQiOLVH GR GLVFXUVR HQTXDQWR IHUUDPHQWD PHWRGROyJLFD ³QmR desvenda a universalidade de um sentido; ela mostra à luz do dia o jogo da UDUHIDomRLPSRVWDFRPXPSRGHUIXQGDPHQWDOGHDILUPDomR´(FOUCAULT, 2012, p.

66).

Ao longo dos capítulos subsequentes discutiremos, no segundo, as diferentes maneiras que o poder local e a criação de novas unidades foram pensadas no Brasil, enfocando ao final a discussão entre as diferentes visões sobre o processo de emancipação municipal e, no terceiro, as disputas entre os discursos veiculados pela mídia local a época do plebiscito de emancipação do Alcântara, com suporte teórico e metodológico da análise do discurso, bem como uma leitura das transformações espaciais e sociais posteriores ao processo e a possibilidade de insurgência deste movimento em um cenário atual.

2. REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA TERRITORIAL BRASILEIRA E SUA