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É impossível falar de Foucault sem entrar em detalhes na questão do discurso; pois os discursos tornaram-se um dos principais objetos de estudo do filósofo.

Para Veyne (2008), quando Foucault volta-se para os discursos, ele não está trabalhando com algo novo. Conforme o autor, se o pesquisador preocupa-se não com aquilo que fazem as pessoas, mas, sim, com aquilo que dizem, é quase que natural pensar que o pesquisador ocupar-se-ia, aqui, com discursos.

Assim, os discursos apresentam preconceitos, reentrâncias, saliências, que estão presentes sem que, necessariamente, haja uma consciência do locutor sobre eles. Assim, quando os indivíduos produzem discursos, eles os fazem de forma livre. (Veyne, 2008).

Para Foucault, o discurso é uma ordenação de objetos que não pode ser vista apenas como um grupo de signos, mas também como relações de poder. Dessa forma, pode-se estudar as relações de poder em todos os discursos, e não mais as encontrar apenas nos locais comuns, mas, sim, em todas as partes (Barros, 2004).

Para Vilas Boas (1993), o discurso não é um saber que se refere a um objeto, pois ele é constituído no momento em que o sujeito produz o enunciado, assim, o discurso é uma prática de um sujeito. Já para Revel (2005), o discurso em Foucault é um conjunto de enunciados, que podem ou não pertencer a campos diferentes, mas, que obedecem a regras comuns.

Ramos (2007) aponta que os discursos são noções de práticas discursivas, incorporadas em conjuntos técnicos e esquemas de comportamento que podem atravessar diversas ciências. Para Foucault, o discurso parece ser pouca coisa, mas:

[...] as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (Foucault, 2010, p. 10)

Para a análise dos discursos, conforme a teoria foucaultiana, é necessário, primeiro recusar as interpretações fáceis e a busca de sentido último ou de sentido oculto, como é comum em práticas que estudam um discurso. Portanto, é preciso trabalhar com o próprio discurso para que ele se revele na complexidade que lhe é peculiar (Fischer, 2012).

Foucault considera que o discurso não traz, por trás de si, um significado oculto que será desvelado pelo pesquisador. Conforme ele, analisar o discurso nada mais é do que se dar conta das relações históricas, das práticas que vivem no discurso. Para ele, o discurso é uma prática social que sempre se produzirá em função das relações de poder (Fischer, 2012).

A análise do discurso formula regras que são capazes de reger a formação dos discursos. Contudo, essas regras são também as condições de existência do discurso, pois devem explicar como eles aparecem e distribuem-se no conjunto. Estas são chamadas, por Foucault, de regras de

formação (grifo nosso). São regras que, por sua vez, disciplinam objetos,

temas e conceitos e caracterizam o discurso como uma regularidade. Esta regularidade é chamada formação discursiva (grifo nosso) (Foucault, 2008; Machado, 2009; Freitas, 2011).

Para Foucault (2008), as regras de formação estão no discurso, em lugar de existirem nas mentalidades, e elas se impõem todas as vezes que tentamos falar a partir de um determinado campo discursivo.

Dessa forma, pode-se dizer que são essas regras de formação que vão determinar os enunciados. Para Machado (2009), é o conjunto de enunciados que explicita suas possibilidades e suas formas discursivas.

Foucault (2008) considera que o enunciado é uma unidade do discurso, cuja função pode ser caracterizada por quatro elementos: uma referência; um sujeito (alguém que de fato pode afirmar aquilo); um campo associado, pois o enunciado nunca está isolado dos demais e uma materialidade específica (coisas efetivamente ditas, escritas, gravadas em algum tipo de material, que trata daquilo que efetivamente foi dito ou escrito (Fischer, 2001).

No livro Arqueologia do Saber (Foucault, 2008), o filósofo- historiador apresenta a dificuldade em delimitar o que é o enunciado. Dessa forma, ele prefere delimitar o problema do enunciado afirmando:

[...] enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da frase, proposição ou ato de linguagem; não se apoia nos mesmos critérios; mas não é tampouco uma unidade como um objeto material poderia ser, tendo seus limites e sua independência. Em seu modo de ser singular (nem inteiramente linguístico, nem exclusivamente material), ele é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase, proposição, ato de linguagem; e para que se possa dizer se a frase está correta (ou aceitável, ou interpretável), se a proposição é legítima e bem constituída, se o ato está de acordo com os requisitos e se foi inteiramente realizado. […] O enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que

regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita) (Foucault, 2008, p. 97-8).

Por sua vez, o enunciado é parte do discurso, porém não constitui uma unidade, pois encontra-se transversal nas frases, proposições e atos de linguagem. Ele é um acontecimento que não pode ser esgotado (Fischer, 2001).

Foucault explica que, ao analisar os enunciados, se deve também analisar as formações discursivas, pois elas estão relacionadas. Para ele, a formação discursiva prescreve o que deve ser correlacionado em uma prática discursiva. Dessa forma, pode-se definir um sistema de formação que vai caracterizar um discurso ou até mesmo um grupo de enunciados, pela regularidade de uma prática. Ela é o princípio pelo qual se determina aquilo que se sabe que pode ser dito dentro de um campo, assim, os sujeitos se reconhecem nela (Foucault 2008; Foucault, 2010).

As práticas discursivas, então, são as regras que expõem as relações que acontecem no discurso, elas dizem respeito ao poder e ao saber daquele tempo. Além disso, elas perpassam diversos campos de relações, ocupando diferentes lugares nesses campos, lugares esses que dependerão das relações de poder (Fischer, 2001)

Dessa forma, Fischer (2001) esclarece que o discurso, para Foucault, é um conjunto de enunciados no qual se pode definir condições de existência. Já Revel (2005) afirma que os discursos podem pertencer a campos diferentes, mas vão responder a regras comuns.

Para Veyne (2008), Foucault revoluciona a história, pois nega teorias totalizantes que expliquem as relações sociais e nega também a ideia de que o presente apresenta-se em relação de progresso e superioridade ao passado, buscando discutir as práticas sociais que estão mergulhadas nas relações de poder, que são produzidas por meio de discursos e que produzem, dessa forma, discursos e saberes.