• Nenhum resultado encontrado

FOUCAULTIANO”

O filósofo francês Paul-Michel Foucault (1926-1984) ficou conhecido por sua extensa pesquisa na história do presente. Dentre sua história acadêmica, destacam-se seus trabalhos nas áreas da filosofia e psicologia, disciplinas que lecionou ao longo de seus anos de trabalho.

Foucault fez parte da terceira geração da Escola dos Annales, movimento responsável por pensar e estabelecer uma nova maneira de fazer história, conhecida hoje como Nova História (Fillingham, 1993; Strathern, 2003; Carvalho et al., 2012).

Burke (1991) refere que o movimento dos Annales provocou uma revolução na historiografia francesa e difundiu-se para outras partes do mundo. Assim, com a criação da Revista dos Annales e a publicação de seu primeiro número, em janeiro de 1929, as ideias e diretrizes dessa escola do pensamento foram divulgadas para a sociedade. Entre elas, discutia-se a substituição da tradicional narrativa dos acontecimentos por uma história- problema; a história de todas as atividades humanas e não apenas a história política; o enfoque interdisciplinar; a colaboração com outras disciplinas, tais como a geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a linguística e a antropologia social, além de outras áreas do conhecimento.

Nessa perspectiva, o filósofo Michel Foucault pontuou em seus estudos que tudo é história, todas as práticas são construídas dentro da história, e sua análise permite não só compreender o passado, mas iluminar o presente e pensar as questões que guiarão o futuro.

Conforme Fischer (2012), Foucault acreditava ser possível fazer história, tanto partindo-se do presente como a partir de épocas mais distantes. Sua obra pode ser dividida em três grandes eixos: poder, saber e sujeito, em que é sempre primordial problematizar o presente, buscando aquilo que se entrelaça intimamente com as questões gerais.

O trabalho de Foucault perpassou diferentes campos do conhecimento, concentrando-se, em especial, na filosofia, na história, na psicologia, na sociologia, na medicina e no direito. Dessa mesma forma, observa-se a grande influência de seu trabalho em diversas áreas e a possibilidade de aplicação de suas ideias em campos distintos do saber.

Independente do campo de estudo e sua aplicação, pode-se dizer que os trabalhos de Foucault pautaram-se, em especial, em seu interesse pelo

poder, pelo saber e pela relação entre eles, por meio da análise dos discursos (Dreyfus, Rabinow, 1995; Veyne, 2008).

As ideias do filósofo permitem dar respostas para antigas perguntas ou, até mesmo, formular novas perguntas para buscar outros significados (Azevedo, Ramos, 2006), pois leva a uma compreensão crítica das relações de poder e das práticas discursivas e não discursivas que as sustentam. Assim, a utilização do referencial foucaultiano permite pensar a história e as sociedades em suas relações, tensões e conflitos (Deleuze, 1988).

Para Veyne (2008, p. 239), Foucault é mais do que um pensador e um filósofo, ele é o “historiador acabado”. Conforme o autor, Foucault não descobriu algo novo, nem fala de coisas distintas do que falam os outros historiadores, porém, diferente dos outros, Foucault esforça-se para ver aquilo que chamou de prática tal qual ela é, assim, para Foucault, o historiador ocupa-se não daquilo que fizeram as pessoas, mas, do que é dito.

Fischer (2001) explica que, para Foucault, tudo é prática, ou seja, os discursos, os enunciados, as falas, tudo constitui uma prática social que está sempre amarrada às relações de poder. Para Azevedo (2005), a trajetória do filósofo demonstra que ele buscou sempre problematizar questões de poder e saber, buscando analisar criticamente o mundo e as ciências que compõem as verdades conhecidas sobre os homens, as sociedades e sobre nós mesmos.

Dessa forma, pode-se dizer que Foucault ocupa-se a fazer perguntas como: “por que isso é dito aqui, deste modo, nesta situação e não em outro tempo e lugar, de forma diferente?” (Fischer, 2001, p. 2005). Assim, Foucault instiga a olhar para o passado, buscando pensar as questões que, nesse momento presente, são evidentes, de diferentes formas. Buscando sempre uma nova perspectiva de nós mesmos (Fischer, 2001).

Os estudiosos dividem a obra de Foucault em três eixos: a arqueologia, a genealogia e a ética, esta última é também chamada de arqueogenealogia (Veiga-Neto, 2004).

No primeiro momento, Foucault estuda as ciências que envolvem o homem, entre elas, a história. Para Vilas Boas (1993), nessa primeira fase, da arqueologia, Foucault busca estabelecer o nível de articulação do que chama de “discurso de verdade”. Para Dreyfus e Rabinow (1995), nessa fase, Foucault busca mostrar que as ciências humanas podem ser analisadas baseadas em regulações internas, evitando afirmar aquilo que é verdade. Para estes autores: “o arqueólogo estuda os enunciados mudos evitando assim envolver-se com a pesquisa séria da verdade e do significado que ela descreve” (Dreyfus, Rabinow, 1995, p. 97).

Para Azevedo (2005), a arqueologia volta-se para a formação política discursiva, buscando explicar o que está por trás do conhecimento e apontando que, o que está em jogo, aqui, é uma luta de poder.

Para Veiga-Neto (2004), essa fase de Foucault preocupa-se em perguntar: o que posso saber? (grifo nosso), e baseia-se na construção de uma teoria do discurso, observando a relação do ser/saber e definindo o sujeito, como sujeito de conhecimento, sendo ele um produto dos saberes. Nessa fase, Foucault investiga as condições que possibilitam o surgimento e a transformação de um saber.

Nas palavras de Foucault (2008, p. 156-8):

Ora, a descrição arqueológica é precisamente o abandono da história das ideias, recusa sistemática de seus postulados e de seus procedimentos, tentativa de fazer uma história inteiramente diferente daquilo que os homens disseram. [...] [Tem por] princípios: 1) [...] definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras; 2) [...] não procura encontrar a transição contínua e insensível que liga, em declive suave, os discursos ao que os precede, envolve ou segue; 3) [...] não é ordenada pela figura soberana da obra; [...] ela define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras individuais; [...] 4) finalmente, a arqueologia não procura reconstruir o que pôde ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso. [...] Em outras palavras, não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o em sua própria identidade. [...] Não é nada além e nada diferente de uma reescrita, quisto é, na forma mantida da exterioridade, uma

transformação regulada do que já foi escrito. [...] é a descrição sistemática de um discurso–objeto.

Pode-se dizer que a arqueologia é marcada pela publicação das obras “História da Loucura” (1961), “O nascimento da clínica” (1963), “As palavras e as coisas” (1966) e “Arqueologia do Saber” (1969) (Veiga-Neto, 2004; Azevedo, 2005).

Em sua segunda fase, a fase genealógica, Foucault busca a relação entre poder, saber e verdade (Vilas Boas, 1993); para ele, naquele momento, era preciso analisar os porquês dos saberes, assinalando a singularidade dos acontecimentos. Era preciso também trabalhar a descontinuidade, desfazendo os pontos fixos (Azevedo, Ramos, 2006). Para Dreyfus e Rabinow (1995), com a genealogia, Foucault busca compreender, como a objetividade da ciência e as intenções subjetivas aparecem em um espaço que foi estabelecido pelas práticas sociais.

Veiga-Neto (2004) cita que a genealogia vai se preocupar em perguntar: o que posso fazer? (grifo nosso), baseando-se na teoria do poder, observando a relação do ser/poder e definindo o sujeito como sujeito de ação. Nessa fase, a busca é pelo entendimento dos processos pelos quais os indivíduos tornam-se sujeitos. É um interesse pelo poder como elemento capaz de explicar como se produzem os saberes e como o sujeito constituí- se na articulação entre ambos. Dessa forma, a genealogia vai além de buscar conhecer o passado, ela também permite que o pesquisador releia e questione o presente.

Para Azevedo (2005), a genealogia vai escrever a história efetiva, aceitando o fato de que nada somos além da história, assim, nunca iremos nos desvincular completamente daquilo que somos e de nossa história, por isso, as práticas culturais são muito importantes.

A História Cultural é pautada em noções de representação e práticas e, como dito anteriormente, busca identificar como uma realidade cultural se constrói e é pensada (Chartier, 1992). Barros (2004) explica que as

representações e práticas são noções do campo da História Cultural, pois podem ser apropriadas ou imprimidas de uma direção social. Essas relações são, de acordo com Boccega (1989, apud Freitas, 2011), uma construção coletiva que está baseada na memória social de um determinado grupo e que permeia o modo como os sujeitos vão observar suas ações em relação aos demais e às instituições.

Dessa forma, pode-se afirmar que, em seu trabalho, Foucault analisa o que seriam, para a História Cultura, as práticas e as representações por meio da análise dos discursos.

É, em especial, na fase genealógica que Foucault ocupa-se da relação do poder/saber. Para o filósofo, essa relação precisa ser buscada nos locais menos previsíveis. Como dito anteriormente, para Foucault, o poder e o saber não podem existir separadamente, porém, também não podem ser explicados um a partir do outro. Dessa forma, Foucault (1999a, p. 31) explica que:

Temos antes que admitir que o poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o porque o serve ou aplicando-o porque é útil); que poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder. Essas relações de “poder- saber” não devem então ser analisadas a partir de um sujeito do conhecimento que seria ou não livre em redação ao sistema do poder; mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito que conhece, os objetos a conhecer e as modalidades de conhecimentos são outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas transformações históricas.

Para Azevedo (2005), quando se trabalha com o poder em Foucault devem se colocados em foco não os aspectos negativos das relações de poder (como por exemplo, a negação e a exclusão), mas, sim, os aspectos positivos dessa relação, como a produção do saber, as técnicas e as estratégias de resistência. Além disso, é necessário atentar-se para as dinâmicas das relações de poder, pois elas permitem que os indivíduos reajam ao poder exercido sobre eles.

Foucault alerta, ainda, para as precauções metodológicas que devem ser tomadas quando se trabalha com o poder em que se deve buscar o poder nas relações menores e mais extremas; não o analisar no campo das intenções, mas estudar os efeitos e o relacionamento dele com o campo; não o olhar como modo de dominação, mas, sim, como algo que acontece como rede; analisá-lo de forma ascendente, buscando apontar como ele se desloca e modifica-se; lembrando que o poder sempre produz saberes, que devem ser vistos por meio de métodos de verificação (Azevedo, 2005; Foucault, 2010; Freitas, 2011).

A divisão apresentada por Veiga-Neto (2004) mostra que a última fase do pensamento de Foucault ocupa-se da questão: quem sou eu? (grifo nosso), buscando assim uma teoria da subjetivação, observando a relação ser/consigo pela ação do sujeito para consigo próprio, definindo os sujeitos como constituídos por uma moral. Nessa fase, Foucault não se interessa em estudar os comportamentos ou práticas sexuais em si, ele se interessa em como elas permitem que o sujeito experimente a subjetivação; dessa forma, a sexualidade funcionaria como um sistema que os sujeitos falam deles mesmos, em termos de desejos, sucessos e insucessos, e nos quais ocorrem fortes proibições de fazer isso ou aquilo.

Dreyfus e Rabinow (1995), em uma entrevista realizada e editada com Foucault, levantam a questão desse momento em Foucault. Para o filósofo, seus estudos nesse período estão voltados aos problemas das técnicas de si. Nessa mesma entrevista, Foucault explica que a genealogia possui três domínios possíveis, que são:

Primeiro, uma ontologia17 histórica de nós mesmos em relação a verdade através da qual nos constituímos como sujeitos de saber; segundo, uma ontologia histórica de nós mesmos em                                                                                                                          

7 Para o dicionário online Michaelis (2014), ontologia é a ciência do ser em geral; é a parte da metafísica que estuda o ser em geral e suas propriedades transcendentais. Para Santos (2010), ontologia é o estudo do ser e das essências. Contudo, quando Foucault propõe fazer uma ontologia, ele está indo na contramão da ontologia metafísica, que busca, nas palavras de Pimentel Filho (2012, p. 21) “capturar os acontecimentos numa doutrina”, para Foucault, sua função seria “de tornar o sujeito incapturável por qualquer doutrina que apreende os acontecimentos num SER exclusivo”.

relação a um campo de poder através do qual nos constituímos como sujeitos de ação sobre os outros; terceiro, uma ontologia histórica em relação a ética através da qual nos constituímos como agentes morais (Dreyfus, Rabinow, 1995, p. 262).

Para Lamas e Silva (2010), a ontologia a que Foucault se propõe está sempre revestida de crítica, cujos modos de perceber o presente estão, inevitavelmente, perpassados por questionamentos sobre as possibilidades de o tempo analisado ter sido, de alguma forma, diferente.

De acordo com Fisher (1996), Foucault vai se definir como um historiador do presente, pois trabalha com aquilo que acontece no hoje, pela descrição de práticas sociais e da descontinuidade histórica das mesmas, uma vez que são perpassadas por relações de poder que são produzidas e produtoras de discursos e de saberes. Para ela, os temas que buscam saber a verdade do sujeito, constituem sujeitos como lugar de verdades e constroem discursos verdadeiros.

Já para Azevedo (2005), o objetivo de Foucault foi traçar uma história de como os sujeitos, relacionando as disciplinas por eles criadas (também chamadas de ciências) com as técnicas usadas por eles, entendem a si mesmos.

Machado (2000) explica que, para Foucault, não se trata de saber qual é o poder que emana das ciências, mas, sim, quais os regimes, como e por que eles se modificam.

Dessa forma, para este estudo buscou-se colocar o pressuposto do poder-saber como ponto de partida, mesmo o estudo não visando, em sua totalidade, a descrever essas formas de poder, pode-se pontuar que as relações entre as enfermeiras americanas e brasileiras basearam-se em relações de poder, em especial, em relações dentro do dispositivo poder/saber.

Assim, cabe salientar que o método e o referencial propostos por Foucault não devem engessar a análise dos dados, pois, o filósofo opôs-se, mais de uma vez, em se tornar um modelo a ser seguido, contudo, ele

propôs que suas pesquisas fossem como ferramentas para ajudar em outras investigações. Segundo Deleuze, no capítulo “Os intelectuais e o poder” (Foucault, 1984, p. 71):

Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o significante... É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá−la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem-se outras; há outras a serem feitas. [...] A teoria não totaliza; a teoria se multiplica e multiplica.