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Discursos da memória em Inventario secreto de La Habana

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 59-74)

Apesar de ter sido alvo de inúmeras críticas quando da publicação de O Pacto

Autobiográfico, em 1975, Philippe Lejeune continua sendo referência incontestável

para o estudo do gênero autobiografia na atualidade. Impelido a se defender e a reformular seu estudo, volta a se debruçar sobre a teoria em O pacto autobiográfico

(bis), edição de 1982, onde define e distingue a autobiografia de outros gêneros:

“Relato retrospectivo em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, pondo ênfase em sua vida individual e, em particular, na história de sua personalidade” (LEJEUNE, 1994, p.50)

Tal definição, segundo o próprio autor, põe em manifesto quatro condições para que haja autobiografia: a primeira delas diz respeito à forma da linguagem, que deve ser a narrativa em prosa; em segundo lugar o tema tratado é a vida individual e a história de uma personalidade; na terceira condição existe uma identidade do autor

43 Trad.: Cada período tem sua própria concepção da escritura autobiográfica e, mais precisamente,

sua própria concepção da memória, das maneiras de recordar que farão com que a escrita do eu coincida com o que a época espera do gênero.

44 Trad.: É uma pena que os historiadores se ocupem somente dos grandiosos acontecimentos,

(cujo nome remete à pessoa real) e do narrador; e por último, existe uma identidade do narrador e do personagem principal e uma perspectiva retrospectiva da narração. Uma autobiografia somente pode ser classificada como tal se reconhecemos que cumpre simultaneamente estes quatro requisitos.

Mais que um modo de escrita a autobiografia é um modo de leitura. Uma vez que o autor afirma em seu texto que irá tratar de sua vida, automaticamente o leitor ativa um modo de leitura tendencioso à confrontação extra textual, numa espécie de jogo dos sete erros onde o mínimo deslize entre a realidade e a escrita dessa realidade, acaba por romper o contrato textual dialógico pré-estabelecido entre autor e leitor.

Trata-se do pacto autobiográfico: “a afirmação, no texto, da identidade entre autor-narrador-personagem, remetendo em última instância ao nome do autor, inscrito na capa do livro.” (Lejeune, 2008, p.14) Numa de suas formulações mais concisas o pacto autobiográfico é “o enganjamento de um autor em contar diretamente sua vida (ou uma parte, ou um aspecto de sua vida), num espírito de verdade”. (Lejeune, APUD Pace, 2012, p. 57)

O fato de que dita categoria nominal seja nula em Inventario secreto de La

Habana, não impede que reconheçamos em diversos fragmentos da obra uma

equivalência entre as três instâncias discursivas. Da mesma forma que o fato de não existir pseudônimo nem nome fictício na obra garantindo uma identidade assumida, não representa um afastamento do gênero autobiográfico. Não podemos, é claro, classificar Inventario secreto de La Habana, como texto autobiográfico, mas não restam dúvidas que, se assumimos o desafio – deixado entreaberto pelo autor que não firma nenhum pacto, podemos entrever as marcas do autobiográfico em sua narrativa.

Leonor Arfuch (2002), diante desse deslocamento de referencialidade estável para as diversas estratégias de auto-reapresentação do sujeito coloca em cheque a própria noção de “pacto autobiográfico” entre leitor e autor. Tentando dar conta desse novo cenário onde as formas discursivo-genéricas clássicas começam a se hibridizar e o valor biográfico se ressemantiza, surge um terreno ao qual denomina como “espaço biográfico” (uma alusão a Lejeune), destacando o “horizonte de inteligibilidade e não a mera somatória de gêneros já conformados em outro lugar.” (ARFUCH, 2002, p.16)

O espaço biográfico ao qual nos remete a escritora argentina se compõe de múltiplas vozes; ao mesmo tempo em que se destaca a heterogeneidade genérica também se ressalta a sua relativa estabilidade. As constantes misturas e hibridizações vão muito além da classificação genérica engessada referente aos componentes do espaço biográfico de Lejeune.

Também a noção de pacto de leitura se flexibiliza na cena contemporânea. De Man (APUD Arfuch, 2002, p.74) propõe que a consideremos, antes de tudo, uma figura do entendimento ou da leitura. Indo de encontro à noção contratual/ jurídica encerrada no pacto, ocorre na verdade um “momento autobiográfico”, resultado de um “alinhamento entre dois sujeitos envolvidos no processo de leitura, no qual ambos se determinam mutuamente por uma substituição reflexiva” (1984, p. 68)

O que anseio destacar com esse aporte teórico é a importância de se olhar para as narrativas do eu e seus desdobramentos na cena contemporânea como num minucioso estudo de casos. Não por me restringir às suas particularidades, mas sim cuidando para não perder de vista a dimensão relacional, de articulação, tão ressaltada pela teórica argentina.

Deja la autobiografia progresivamente de ser una comunicación de un yo con un tú para construirse, en buena parte de la bibliografia que la recorre, en la relación de ese yo con ese texto; mejor: en el modo como el texto construye ese yo. Un verdadero, tardio y redivivo triunfo de la textualidad y de la lectura inmanente.45

Nessa mudança de perspectiva, identifico a presença autobiográfica em

Inventario secreto de La Habana. Muito mais que um desejo de afirmação, exaltação

ou desvelamento do “eu” para um “tu”, o autobiográfico se assoma à narrativa com evidente singularidade.

José Maria Pozuelo (2013) recorre ao sintagma “figuraciones del yo”46 para se

remeter à apropriações autobiográficas ou simuladas como tais e se pergunta se haveria uma forma de existir uma voz pessoal sem interferência biográfica, isto é, de ser voz de quem escreve e não constituir-se como experiência vital concreta. A resposta à pergunta aparece em seguida: por meio do que denominou “voz reflexiva”, responsável por realizar essa figuração pessoal. Trata-se de uma voz que permite ao eu construir um lugar discursivo, pertencente ou não ao autor, ou instaura um pertencimento diferente do referencial. Desse lugar emerge uma voz figurada, que por sua vez se divide entre a voz de um eu pensante e um eu narrante. Em

Inventario secreto de La Habana, então, é possível verificar uma aproximação ao

que Pozuelo chama de um eu narrativo- reflexivo figurado.

A questão da figuração de José Pozuelo passa pela linha de definição de María Moliner: Figurar; “Hacer algo con apariencia de lo que se expresa” e remete a “aparentar, fingir, simular”. Também inclui “imaginarse”, “presumir”, ou “suponer”. De acordo com o autor: “dibujo imaginativo, fantasía de algo o bien su representación,

45 Trad.: A autobiografia deixa de ser progressivamente uma comunicação de um eu com um tu para

se alimentar, em boa parte da bibliografia que a recorre, na direção desse eu com esse texto; melhor: no modo como o texto constroi esse eu. Um verdadeiro, tardio e reaparecido triunfo da textualidade e da leitura imanente.

algo que sin serlo, o sin ser de una manera determinada, lo suplanta o figura, esto es, representa imaginariamente como tal.47” (POZUELO, 2013, p.23).

Neste sentido, a narrativa de Abilio Estévez também nos deixa entrever uma outra possível textualização do autobiográfico: uma aproximação ao âmbito da

autoficção. A escolha por uma aproximação da autobiografia ao invés de se valer

por completo do gênero, também se justifica pela visão anti-autobiográfica (seja ela acadêmica ou jornalística) que considera a autobiografia como sinônimo de literatura de segunda divisão, num patamar muito abaixo das obras de ficção. Iluminando o contexto da autobiografia no cenário espanhol, Manuel Alberca constata que “Esta opnión, que no por ser aceptada es menos injusta, adquiere en España una tonalidad más peyorativa aún que la tiñe de rechazo moral.”48 (2009, p.1).

Estando Abilio Estévez instaurando sua obra em Barcelona, também esse tipo de negociação deve ser feita para que haja tanto um interesse editorial quanto de público em relação à obra. Observo então que a opção pela hibridização genérica responde também a uma necessidade de atender a uma expectativa mercadológica múltipla que corresponde o contexto das editoras catalanas.

Neste ponto vemos uma aproximação à autoficção em sua narrativa. Valendo- se do interesse que suscita o autobiográfico e se esquivando da sua desvalorização literária, a autoficção volta à cena pós-moderna. A autoficção tal qual como concebida por Doubrovsky seria “uma variante pós-moderna” da autobiografia na medida em que ela não acredita mais numa verdade literal, numa referência

47 Trad.: desenho imaginativo, fantasia de algo ou mesmo sua representação, algo sem sê-lo, ou

sem ser de uma maneira determinada, o suplanta ou figura, isto é, representa imaginariamente como tal.

48 Trad.: Esta opinião, que não por ser aceitada é menos injusta, adquire na Espanha uma tonalidade

indubitável, num discurso histórico coerente e se sabe reconstrução arbitrária e literária de fragmentos esparsos de memória. (APUD Vilain, 2005, p.212) A autoficção seria um romance autobiográfico pós-moderno, com formatos inovadores: são narrativas descentradas, fragmentadas, com sujeitos instáveis que dizem “eu” sem que se saiba exatamente a qual instância enunciativa ele corresponde. (FIGUEIREDO, 2013).

À primeira vista, a classificação de uma obra como autobiográfica a partir da definição do gênero, poderia ser bem simples, se dependesse exclusivamente do cumprimento exato dos quatro tópicos elencados por Lejeune, como visto anteriormente. No entanto, no contexto contemporâneo da escrita autobiográfica, não só a definição genérica torna-se conflituosa como resulta difícil apontar, no interior do próprio discurso da memória, os limites imprecisos entre as memórias e o autobiográfico, a autoficção e outros discursos da memória como os inventários, o diário e a crônica, também presentes no corpus desta pesquisa.

Segundo Luana Soares de Souza, “A escrita do Eu pode ser definida como uma forma de salvação do homem dos nossos dias em um mundo que já descrê de projetos de salvação coletiva” (SOUZA, 1997, p. 126). Pensando o contexto triunfal revolucionário cubano de 1959 e a posterior frustração desse projeto nacional, Abilio Estévez de certa forma é o resultado desse quadro político- cultural apontado por Souza, panorama que o leva pelos mais variados caminhos discursivos. A fluidez com que transita por tais universos, portanto, se justifica na medida em que o autor encontra novas formas de ancoragem do eu.

De acordo com Maria José Furió (2004), em texto publicado na Revista Renacimiento (Sevilla):

La Revolución ha dado lugar a ese espécimen característico que es el escritor exiliado. Resistente o peleón, expulsado o invitado a marcharse, o del tipo me- voy- porque- quiero, lo que escribe el escritor exiliado pocas veces carece de interés.49

Sem a intenção de discutir a relevância do que escreve um sujeito exilado, nem de discutir aqui a preferência pelo termo diaspórico em substituição de exiliado para definir o estatuto de Abilio Estévez (tema discutido no primeiro capitulo desta dissertação), a citação se justifica pela inauguração de uma subjetividade na cena literária, uma presença autobiográfica menos centrada no eu e mais voltada para o seu entorno; uma janela aberta para a descoberta e ativação de novas escritas de si, resignificadas pelo meio. Refiro-me a discursos como o memorialista, o inventário, o diário de viagem e a crônica que funcionam como portos de ancoragem do autor.

Classificar sua obra quanto ao gênero é tarefa árdua; neste desafio, Estévez faz um inventário de sua Havana marcadamente subjetivo, organizado basicamente em três níveis narrativos, segundo Palmero González (2012, p. 63):

Por um lado, um registro de lugares, personagens e lembranças que conformam uma cidade secreta, íntima e pessoal; reflexões do escritor que, concretizado na figura de um eu narrativo oscilante entre o testemunhal e o ficcional, realiza um passeio pelas ruas havaneiras, seus monumentos, suas esquinas, seus parques, destacando o anônimo e habitualmente silenciado da cidade. Esse inventário de bens culturais se aproxima da autobiografia e do relato memorial, se consideramos os longos capítulos em que conta sua vida e a relação pessoal que teve com escritores e intelectuais cubanos dos anos setenta e oitenta, por exemplo.

Cabe aqui importante observação de Boltansky y Grenier (2011) APUD Leonor Arfuch (2013) sobre os inventários:

49 Trad.: A Revolução cedeu espaço a essa espécie característica que é o escritor exilado.

Resistente ou “brigão”, expulso ou convidado a se retirar, ou do tipo vou-porque-quero, o que escreve o escritor exilado poucas vezes carece de interesse.

La idea (de los inventarios) fue reunir todo lo que queda de alguien y hacer con eso un retrato negativo […]. Los inventarios no enseñan nada sobre nadie. Su único interés es que cada persona que los vea encuentre allí su propio retrato, ya que todos poseemos los mismos objetos- todos tenemos una cama, un cepillo de dientes, un peine…-. Aprendemos más sobre nosotros mismos que sobre la persona a quien concierne el inventario.50 (ARFUCH, 2003, p.45)

Sendo assim, Inventario secreto de La Habana mistura na sua textualidade múltiplas lendas de Havana, por meio de um inventário de textos que contam nostalgicamente histórias da cidade, costumes literários e tradições. Assim, o texto de Abilio Estévez recupera uma verdadeira galeria literária de textos organizados cronologicamente com citações que começam em 1800 e terminam em 2002.

Mas Inventario secreto de La Habana é também um inventário de lembranças de Abilio: becos, ruelas, cafés, praças, um inventário de lugares que existem, mas que também não existem, porque estão recriados pela imaginação do escritor distante. Esse inventário de Cuba acaba representando, ao final, mais que um simples guia turístico, indo muito além da exploração física, territorial, chegando a desbravar o humano de uma cidade que reúne vazios, sucata, memórias, ruínas, através de um diversificado entrelaçamento de vozes que compõem sua narrativa.

Uma terceira interpretação do inventário advém da leitura da resenha crítica da obra, feita por Maria José Furió, quem destaca que Estévez hace un inventario de exilios. Desde Barcelona hasta Stuttgart, la condición de trasterrado es la que hace sensible a todas esas figuras extrañas o perdidas, como el trompetista de Stuttgart o

50 Trad.: A ideia (dos inventários) foi reunir tudo o que fica de alguém e fazer com isso um retrato

negativo. [...] Os inventários não ensinam nada sobre ninguém. Se único interesse é que cada pessoa que os veja encontre ali seu próprio inventário- todos temos uma cama, uma escova de dente, um pente... Aprendemos mais sobre nós mesmos que sobre a pessoa a quem concerne o inventário.

el mimo de Barcelona”51 […] Inventariar desde o meio físico até espaços intocáveis.

Nada espaça ao olhar atento de um sujeito deslocado.

Outra presença incontestável na obra é o discurso do diário. A partir da definição de autobiografia proposta por P. Lejeune podemos conceber uma definição também para o diário. Nas palavras de Sheila Dias Maciel,

Trata-se de um relato fracionado, escrito retrospectivamente, mas com um curto espectro de tempo entre o acontecido e o registro, em que um “eu”, com vida extratextual comprovada ou não, anota periodicamente, com o amparo das datas, um conteúdo muito variável, mas que singulariza e revela, por escolhas particulares, um eu-narrador sempre muito próximo dos fatos. (MACIEL, 2011, p.11)

Pensando no contexto da obra, percebemos que a mesma se aproxima do diário também na medida em que restitui a lembrança, por meio da narração, na medida também em que promete uma maior profundidade do eu: “uma escrita desprovida de amarras genéricas, aberta à improvisação, a inúmeros registros de linguagens e do colecionismo [...]” (ARFUCH, 2002, p.143) Interessa-me em especial a aproximação feita pela a autora entre a biografia e o diário ao destacar o passo maior dado por este em direção a um íntimo menos “biográfico”, que cede espaço à angústia, o medo e o erotismo, por exemplo: “Apesar de luces, espejos e insomnios, si cerraba los ojos volvía a sentirme en el cuartico (tan pobre) de mi casa en el reparto Hornos, donde la sensación de aislamiento poseía, en aquellos años de mi niñez, la misma intensidad que ahora.52 (p.88)

51 Trad.: Estévez faz um inventário de exílios. Desde Barcelona até Stuttgart, a condição de

trasterrado é a que torna sensível a todas essas figuras estranhas ou perdidas, como o trompetista de Stuttgart ou ator de rua de Barcelona.

52 Trad.: Apesar de luzes, espelhos e insônias, se fechava os olhos voltava a me sentir no quartinho

(tão pobre) da minha casa no bairro Hornos, onde a sensação de isolamento possuía, naqueles anos de minha infância, a mesma intensidade de agora.

Além disso, os diários, de um modo geral, criam a ilusão da espontaneidade por meio das fragmentações e das elipses. A sua característica mais marcante, segundo a autora, entretanto, diz respeito à presença do cotidiano, uma vez que só há escrita em forma de diário se houver referências ao calendário, marcação cronológica do tempo. Na obra, a referência ao final do texto de um lugar e data precisos, nos faz ter a sensação de que acabamos de ler um diário pessoal: “Barcelona, Palma de Mallorca, Flaçà, 2003- 2004.” (p.340)

A ausência de marcação temporal ao longo da obra, entretanto, juntamente com a ausência nominal, nos conduz a ler as revelações com incontestável liberdade e beleza, como se de fato estivéssemos lendo um diário de um sujeito que escreve durante a viagem: “Hace apenas una hora he andado por el paseo marítimo de Palma de Mallorca […] y ahora estoy en un café desaliñado, bebiendo un vaso de vino tinto frente a un camarero magrebí.”53 (p.17). Estas são as primeiras palavras

da obra, por onde reconhecemos a presença do diário íntimo, o que sugere também uma prática solitária do narrador que logo se modifica para o encontro com a cidade, por meio de uma espécie de diário íntimo de viagem:

Por ejemplo, viajero, ahí tienes a La Habana, tanto tiempo descuidada, con tantos lugares que no son el casco histórico, o donde se hace amable la estancia a los turistas, tantos lugares como Luyanó o Marianao o El Cerro (en la zona del Canal), y donde, no obstante, los cuerpos humanos, por extraña paradoja, se han ido volviendo cada vez más hermosos. En ningún otro lugar del mundo los hay tan bellos […]54. (p.321/ 323)

53 Trad.: Faz apenas uma hora que andei pelo passeio marítimo de Palma de Malhorca [...] e agora

estou em um café desalinhado, bebendo um copo de vinho tinto em frente a um garçom magrebino.

54 Trad.: Por exemplo, viajante, aí você tem Havana, tanto tempo descuidada, com tantos lugares

que não são o casco histórico, os centros onde se faz amável a estadia dos turistas, tantos lugares como Luyanó ou Marianao ou El Cerro (na zona do canal) e onde, entretanto, os corpos humanos, por estranho paradoxo, foram se tornando cada mais belos.

Por extensão também vemos uma aproximação, como o próprio escritor atestou, ao guia de viagens:

Quería escribir un libro de viajes. Me había hecho un propósito tal vez harto desatinado, o pretencioso, si bien se mira, que consistía en orientar al turista, al turista menos adocenado, reconducirlo, hacer que, en lugar de visitar los monumentos monumentos, visitara los otros, los monumentos no monumentos.55 (p.304)

O guia de viagem que se propõe a escrever, entretanto, desde outro ângulo, não tão objetivo (como é próprio do gênero), ilumina espaços pouco visitados, até então não mapeados pelas agências de turismo. Para o autor, o verdadeiro livro de viagens deveria narrar as possíveis paixões, as emoções, enfim, o vivido, experimentado nesses espaços, ao invés de se preocuparem com os possíveis e encantadores lugares para visitar:

Hubiera sido muy útil un libro sobre los rincones ocultos, los baños públicos y las ruinas siniestras, que indicara donde has de ir para saber que se vive y se muere de otro modo, y aprender cómo tiene lugar esa tragedia sin visos de tragedia, a veces con tono de comedia de costumbres.56 (Habana p.305)

O livro de viagem, nesse caso, resultaria muito mais produtivo e original, pois estaria oferecendo ao leitor a possibilidade de experiências mais autônomas e genuínas. Utilizo o futuro do pretérito, no entanto, pois o resgate desses espaços por meio da subjetividade correria o risco de tornar frívolo ou mecânico também o olhar que se venha a lançar sobre o lido. Ao fim e ao cabo, cairia na mesma questão

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 59-74)

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