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O sentido de discurso aqui aceito não é o de uma “fala proferida para o público, exposição didática de um assunto46”, mas “efeito de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 1999, p. 21). Discurso significa “o efeito produzido pela inscrição da língua na história regida pelo mecanismo ideológico. Em decorrência, estou pensando a interpretação, pois a interpretação torna visível a relação da língua com a história, o funcionamento da ideologia” (ORLANDI, 2008, p. 63), sendo múltiplos e diversos os sentidos e efeitos da linguagem. O discurso:

[...] supõe um sistema significante, mas supõe também a relação deste sistema com sua exterioridade já que sem história não há sentido, ou seja, é a inscrição da história na língua que faz com que ela signifique. Daí os efeitos entre locutores. E, em contrapartida, a dimensão simbólica dos fatos. (ORLANDI, 1994, p.52).

No entanto, os sentidos (e a ideologia) não se aprendem, mas são constituídos por filiações a redes de memória, concebida na AD como o interdiscurso (ORLANDI, 1999, 2008). Para Pêcheux (197547, apud ORLANDI, 1999, p. 44):

O sentido é sempre uma palavra, uma expressão ou proposição por uma outra palavra, uma outra expressão ou proposição; e é por esse relacionamento, essa superposição, essa transferência [metaphora] que elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um sentido. Ainda segundo esse autor, o sentido existe exclusivamente nas relações de metáfora (realizadas em efeitos de substituição, paráfrases, formação de sinônimos) das quais uma formação discursiva vem a ser historicamente o lugar mais ou menos provisório.

Orlandi, (1999, p. 54) explica que os sentidos têm uma natureza incompleta e se filiam a uma rede de constituição como deslocamentos, ou tendendo à estabilização impossibilitando assim que o sujeito se desloque. Nesse caso não se cria um dizer para fazer sentido, mas apenas se repete. A autora considera que há três formas de repetição:

a. repetição empírica (mnemônica), que é a do efeito papagaio, só repete. b. repetição formal (técnica) que é um outro modo de se dizer o mesmo.

c. a repetição histórica, que é a que desloca, a que permite o movimento porque historiciza o dizer e o sujeito, fazendo fluir o discurso, nos seus percursos,

46 DISCURSO: DICIONÁRIO. Michaelis. Melhoramentos. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues- portugues&palavra=discurso Acesso: janeiro: 2010

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PÊCHEUX, M (1975). Les Verités de la Palice, Maspero, Paris. Trad. brasileira. Semântica e Discurso. E. Orlandi et al. Editora da Unicamp, citado por ORLANDI, E. Análise de discurso. Campinas, SP: Pontes, 1999.

trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido” onde acontecem deslocamentos.

A AD entende que a linguagem não é a expressão de pensamentos, ou apenas forma de comunicação ou fator da interação social. No funcionamento da linguagem a interpretação está sempre presente, sendo que "a vida é função da significação e de gestos de interpretação cotidianos, ainda que não sentidos como tal” (ORLANDI, 1996, p. 10). Como defende a autora esse gesto irá decidir em qual direção irão os sentidos e também os sujeitos. Essas decisões sobre a direção dos sentidos são inconscientes e o sujeito não tem controle, nem acesso total a elas. Há a evidência então de um sentido entre vários possíveis pela existência e ação da ideologia. É a ideologia que conduzirá o rumo da interpretação. Orlandi explica que apesar de se estar interpretando, nega-se isso, acabando por naturalizar-se algo construído pelo histórico e pelo simbólico. Entendo então,

[...] que as palavras não refletem o que são as coisas, os fatos, a realidade. Olhar para elas e pensar sobre elas e com elas não significa que estamos enfim “traduzindo” o mundo. Coisas e fatos são falados, explicados, em determinadas circunstâncias que influenciam em seus significados. A linguagem não reflete os fatos, mas participa de sua construção (PESSOA, 2010, p. 71).

Dessa forma, os dizeres entendidos a partir da AD não são apenas mensagens “a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios [...]” (ORLANDI, 1999, p. 30). A autora explica que estas pistas podem ser seguidas ao se buscar compreender os sentidos. Estes, por sua vez, relacionam-se ao mesmo tempo, com o que foi dito em determinada circunstância e também em outros lugares, com o não dito, e com o que poderia ter sido falado, mas não foi. Dessa forma, vão além das intenções dos sujeitos. Para se compreender os sentidos é necessário colocar-se em relação o dito e sua exterioridade, ou seja, suas condições de produção.

Orlandi (1999) coloca que as condições de produção dos dizeres são os sujeitos, a situação e a memória. Em sentido estrito estas condições são as circunstâncias em que ocorrem as enunciações, ou seja, o contexto imediato, e em sentido amplo, o contexto sócio-histórico e ideológico. No nosso caso, as condições de produção imediata dos dizeres dos professores do CEEJA são os locais e as circunstâncias em que estes ocorrem, ou seja, a escola, as reuniões de ATPCs, de Planejamento, de Replanejamento e Avaliação Institucional, Oficina sobre a Dengue e atividades de campo (mapeamento socioambiental em setembro

de 2013 e observação de focos da dengue no bairro em novembro do mesmo ano). Incluem-se também os tipos de atividades desenvolvidas durante a pesquisa como questões colocadas pela professora coordenadora/pesquisadora, desenhos de mapas-sínteses do entorno, palestras da orientadora desse trabalho, discussões em reuniões, registro de imagens pelos docentes, materiais produzidos por eles para a Oficina sobre a Dengue. Da mesma forma, a professora coordenadora e pesquisadora, e os professores da escola (sujeitos) e seus saberes, podem ser pensados como condição imediata.Importante frisar que ao dizer “sujeitos” refiro- me à posição-sujeito, ou seja, posição que o sujeito assume para ser sujeito do que diz.

Já o contexto amplo que participa da produção de significados são os elementos presentes na organização da sociedade, as suas instituições, ou seja, a escola estadual onde os docentes, gestores, alunos e funcionários se encontram, e suas especificidades, a forma como o poder é organizado nesse espaço através dos diferentes cargos, funções e posições. Este contexto amplo está relacionado com o contexto imediato, como por exemplo, quando se refere à história de vida dos sujeitos.

Ainda no endosso das ideias de Orlandi lembramos a importância da memória, aqui entendida como interdiscurso ou memória discursiva. Esta seria o já-dito sobre determinado assunto, dizeres disponibilizados que acabam por afetar a forma como o sujeito significa numa situação discursiva. Ou seja, o que já foi falado sobre pesquisas acadêmicas em escolas, relação professor coordenador/professor, ATPCs, formação docente, atividades de campo, e outros assuntos, produz efeitos sobre os significados produzidos pelos docentes. São, portanto, as memórias implicadas nos lugares que têm sido reservados às falas de professores sobre seu trabalho, seus saberes e suas práticas.

Quanto ao já dito sobre o lugar em sua relação com o ambiente lembramos os efeitos das diferentes abordagens trabalhadas pelas disciplinas oferecidas na educação básica das escolas estaduais paulistas com base no Currículo Oficial, os materiais didáticos (livros e apostilas) utilizados, o papel da mídia que tem dado grande destaque aos aspectos ambientais e também às formas como significamos o “lugar” em nosso cotidiano e em nossas histórias de vida.

Há outros fatores que entram na constituição das condições de produção dos discursos. Um deles é a relação que todo dizer estabelece com outros dizeres

possíveis ou imaginados, ou seja, há uma relação de sentidos. A relação de forças implica considerar que o lugar a partir do qual o sujeito fala entra na constituição do discurso, já que existem as hierarquias sociais e estas repercutem na forma de se dizer. Outro fator, o mecanismo de antecipação, se estabelece, pois, o sujeito coloca-se no lugar do outro se antecipando aos sentidos que suas palavras produzem no interlocutor. Dessa forma o dito leva em consideração o efeito que as palavras poderão produzir no outro, havendo uma regulação da argumentação (ORLANDI, 1996).

Nesta pesquisa ao propormos uma aproximação dos docentes com o lugar da escola levou-se em conta a ausência de tal prática, a importância da mesma, e as relações e contribuições que podem ser tecidas numa formação para a cidadania. Nesse sentido considerou-se a possibilidade de atuar no contexto imediato, na formação continuada dos docentes da escola. Isso repercute num contexto específico para a produção de sentidos sobre o lugar, marcado por atividades de formação. Entende-se que os significados produzidos podem contribuir com os discursos e com as práticas docentes gerando deslocamentos e avanços nos mesmos.

Quanto à produção de sentidos (ou interpretação) Almeida et al. (2009, p.97-98) consideram que:

[...] esta obedece a condições específicas de produção, que aparecem como se fossem naturais. Ou seja, o sujeito quando fala está interpretando, atribuindo sentido às suas palavras em condições específicas, e ele o faz como se os sentidos estivessem nas palavras, desaparecendo suas condições de produção.

Para a autora, e como já colocado de outro modo anteriormente, as condições de produção envolvem o contexto histórico social em que o texto foi formulado, o autor e a quem ele se dirige (interlocutores), as posições em que os interlocutores se colocam e em que são vistos e também as imagens que fazem dos outros e de si próprios e do referente (objeto da fala).

Vemos então a importância que é dada à “produção” dos enunciados, como processo descentrado em relação aos sujeitos. Isso traz implícita a ideia de que o dito não é apenas “conteúdo”, mas também “interpretação” que tem relação com as circunstâncias. Ocorre então uma valorização das formas de produção da linguagem e das condições em que a mesma ocorreu.

A concepção de linguagem que se tem influencia diretamente na metodologia de um trabalho de pesquisa e na análise dos dados. Esse fato

evidencia-se na forma com que os procedimentos metodológicos são elaborados e os dados empíricos analisados. Isto se torna ainda mais relevante nesta pesquisa já que trabalhamos com dados de linguagem. Ao coletar e analisar, por exemplo, as falas dos professores, tentei compreender “como um objeto simbólico produz sentidos” (ORLANDI, 1999, p. 66), ou seja, busquei evidências de como aconteceram as interpretações, o que levou o professor a interpretar numa direção e não em outra, considerando que nisso intervêm de maneira constitutiva as condições de produção.

Para a análise de discurso francesa, “[...] discursos de sujeitos dentro de um contexto histórico determinado lidam com interpretações cujos sujeitos não são a origem e, portanto, não são transparentes para o próprio sujeito” (SILVA, 2006, p.360). Orlandi (2008) coloca que qualquer objeto simbólico tende a levar o homem a significar, dizer o que tal objeto quer dizer. Para dizer ele irá interpretar. A história, a produção da interpretação é apagada e o sentido é reduzido a um conteúdo. Esta redução acaba por produzir o efeito de evidencia dos sentidos, sendo este um importante mecanismo ideológico. O sentido vem então dessa ilusão, ou seja, do “conteúdo”, gerado pelo funcionamento da linguagem, que “apagou” a construção do sentido ao transformá-lo em conteúdo. “Como só uma parte do dizível é acessível ao sujeito – as diferentes posições dos sujeitos resultam de sua inscrição em diferentes regiões de sentidos (diferentes formações discursivas) [...]” (Ibid, p.60). Estas formações são:

O conjunto de enunciados marcados pelas mesmas regularidades, pelas mesmas regras de formação. A formação discursiva se define pela sua relação com a formação ideológica. Isto é, os textos que fazem parte de uma formação discursiva remetem a uma mesma formação ideológica. A formação discursiva determina “o que pode e deve ser dito” a partir de um lugar social historicamente determinado. Um mesmo texto pode aparecer em formações discursivas diferentes, acarretando, com isso, variações de sentido (BRANDÃO, 1991, p.90).

Gregolin destaca a relação entre formação discursiva e interdiscurso (já dito, memória discursiva) ao endossar que “o próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que aí se forma [...] o fato de que isso ‘fala’ sempre, antes, fora, ou independentemente [...]” (PÊCHEUX, 198848

, apud

48 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso. Uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Ed. da Unicamp, 1975; 1988, citado por GREGOLIN, M. R. Formação discursiva, redes de memória e trajetos sociais de ensino: mídia e produção de identidades. II SEMINÁRIO DE ANÁLISE DO DISCURSO (SEAD), UFRGS, Porto Alegre, 2005.

GREGOLIN, 2005, p.2). As diferentes formações discursivas criam regiões de posições dos sujeitos como saberes discursivos determinantes de formulações que se assentam pelo interdiscurso (ORLANDI, 2008).

Conforme comentamos, Orlandi fala do papel da ideologia no processo de significação. Quando o sujeito interpreta se submete à ideologia, pois faz uso dos sentidos como algo evidente, como se a linguagem não tivesse sua materialidade e história. Para a análise de discurso “não há realidade sem ideologia. Enquanto prática significante, a ideologia aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história para que haja sentido” (ORLANDI, 1999, p.48). Ela pode ser compreendida como o imaginário que faz a mediação do sujeito com suas condições de existência e com o mundo. É pelo discurso que o sujeito apreende o mundo. No entanto, as “coisas” do mundo e a linguagem, têm naturezas diferentes e incompatíveis e a relação entre ambas se torna possível por meio da ideologia sendo justamente ela que nos faz interpretar os sentidos numa determinada direção. Apesar de linguagem e mundo não terem então relação direta, funcionam como se assim fosse, por causa do imaginário. Ainda para Orlandi é pela dimensão imaginária que um discurso é remetido à realidade, o que é um efeito de evidência.

CAPÍTULO 3: PROCESSOS E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DOS