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Fonoaudiologicamente conceituada como um distúrbio que afeta a fluência da fala, a gagueira é clinicamente uma doença comum, porém com fatores genéticos pouco conhecidos. Além de comprometer a fluência da fala, é responsável por uma série de outros problemas que afetam a qualidade de vida de ao menos, dois milhões de brasileiros ou, aproximadamente, 70 milhões de pessoas em todo o mundo (1% da população) que neste momento gaguejam de forma crônica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, através da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) (disponível em http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm), a gagueira é identificada pelo código F98.5 e classificada no grupo referente a “Outros transtornos comportamentais e emocionais com início habitualmente durante a infância ou a adolecência” e definida como “A gagueira é caracterizada por repetições ou prolongamentos freqüentes de sons, de sílabas ou de palavras, ou por hesitações ou pausas freqüentes que perturbam a fluência verbal. Só se considera como transtorno caso a intensidade de perturbação incapacite de modo marcante a fluidez da fala.”

Assim, situações como a descrita logo abaixo são muito mais comuns na sociedade do que se imagina:

“Em visita domiciliar a uma família, composta de um casal e quatro filhos...o agente comunitário de saúde...percebe que....Adelmo, de 12 anos, apresenta gagueira. Adelmo está na 4ª série, tendo repetido uma vez a 2ª série e uma vez a 3ª série. Diz que não gosta da escola, porque quando a professora pede que leia em voz alta, sente a respiração presa, principalmente no final da leitura, ficando nervoso e tenso, o que provoca muitos risos na turma. Nessas ocasiões a professora procura ajudá-lo, finalizando as palavras que ele não consegue completar. Sua família não valoriza o problema. Os pais simplesmente mandam que ele fale devagar, tranqüilizando-o. Para eles, isso é normal e com o tempo vai passar. Adelmo não sabe precisar o início da gagueira, mas há muito tempo é apelidado pelos amigos de "gaguinho". Diz querer ficar bom logo porque com a tosse, seu problema de fala está pior. O agente comunitário de saúde marca uma consulta para o adolescente na Unidade de Saúde da Família.”

Fonte:Modificado e adaptado da Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde

Estudar a gagueira desenvolvimental persistente em famílias brasileiras do Estado de São Paulo trata-se antes de tudo de um assunto de saúde pública e que exige o envolvimento de uma extensa e preparada equipe profissional multidisciplinar. Além das dificuldades, inerentes dos estudos com doenças complexas, em que a gagueira se enquadrada perfeitamente, o caráter pioneiro e inédito deste estudo envolve grandes desafios.

O mapeamento genético através de estudos por análise de ligação em doenças monogênicas com padrão de herança claramente definido, regidos pelas clássicas leis de Mendel, há anos têm sido amplamente explorados e bem sucedidos, para a identificação dos fatores genéticos diretamente relacionados ao fenótipo. No entanto, para as doenças complexas, com o nítido envolvimento de fatores genéticos e ambientais os resultados não têm sido completamente satisfatórios. Um exemplo se refere à gagueira desenvolvimental que por apresentar também um elevado nível de recuperação espontânea, fator complicador crítico, tem exigido um tempo muito maior de investigação.

Os resultados até então obtidos para a identificação clara dos componentes genéticos e o exato padrão de herança têm apresentado baixos rendimentos, apesar dos esforços empregados no diagnóstico, caracterização clínica dos pacientes, identificação de famílias potencialmente favoráveis para as análises de ligação e o uso de inovadores métodos analíticos.

Atualmente, estão identificadas aos menos 16 regiões do genoma como ligadas à gagueira desenvolvimental persistente familial (RAZA, M. H. et al., 2011; RAZA, M. HASHIM et al., 2012; RAZA, M. H. et al., 2010; RIAZ et al., 2005; SHUGART et al., 2004; SURESH et al., 2006; WITTKE-THOMPSON et al., 2007) no entanto, destas apenas uma delas, no cromossomo 12 (RIAZ et al., 2005) foi confirma por Kang et al. (2010) com a identificação do gene GNPTAB . Desta forma, tal situação pode estar fundamentada em ao menos três hipóteses: a) problemas de diagnóstico e classificação atribuídos ao elevado nível de recuperação espontânea, sexo e idade; b) tratar-se de fato de uma provável doença poligênica e padrão de herança, variável em diferentes populações e, c) suplementando às anteriores, as limitações das análises de ligação neste contexto, em vista da presença de diversas famílias pequenas em detrimento de poucas, maiores, envolvidas com o fenótipo.

Ao considerarmos o fato de que os outros dois genes (GNPTG e NAGPA) descritos por Kang et al. (2010) como também envolvidos com a gagueira

desenvolvimental persitente familial foram identificados, exclusivamente, através do reconhecimento das vias bioquímicas envolvidas pelo gene GNPTAB pois, não havia evidência alguma de ligação no cromossomo 16, fundamenta, mesmo que parcialmente, as hipóteses anteriormente sugeridas. Apesar de provado o envolvimento dos três genes com o fenótipo em questão, até o momento pouco se sabe sobre as razões pelas quais quando alterados são responsáveis pelo desencadeamento da doença.

As indefinições são também ampliadas ao consideramos trabalhos envolvendo neuroimagem na compreensão dos centros neurais envolvidos com a fluência de fala. Diversas publicações (CHANG et al., 2008; CHANG et al., 2011; CHANG et al., 2009; CHOO et al., 2012; CHOO et al., 2011; CYKOWSKI et al., 2010; CYKOWSKI et al., 2008; DE NIL et al., 2008; INGHAM et al., 2012; JIANG et al., 2012; LU; NING et al., 2009; LU; PENG et al., 2009; SOMMER et al., 2002; WATKINS, K., 2011; WATKINS, K. E. et al., 2008) apontam, a partir de diferentes metodologias, para uma ampla gama de regiões neurais que podem estar envolvidas com a fala, porém não estão claramente caracterizadas quanto aos aspectos da fluência.

É nítido que os estudos por análise de ligação apesar de consagrados, têm se mostrado ineficientes em apontar com precisão, regiões com significativas evidências de ligação em doenças complexas, como a gagueira desenvolvimental persistente familial. Entretanto, isso em absoluto, a invalida.

O advento de avançadas ferramentas para a análise do DNA, como o sequenciamento de nova geração combinado a sofisticadas formas de seleção das variações podem auxiliar na identificação mais rápida e acurada dos componentes genéticos envolvidos. Porém, a gagueira desenvolvimental persistente por ter ainda um padrão indefinido de herança e indícios de penetrância e expressividade variável, torna praticamente indispensável primeiro, o sequenciamento pelos métodos convencionais (eletroforese capilar) de bancos de DNA genômico de doentes e de indivíduos controles em diferentes populações e, em número suficiente para estimar as frequências das variações identificadas de modo a relacioná-las com segurança ao(s) gene(s) envolvido(s); e segundo, talvez ainda mais ousado, referente-se ao uso de modelos animais adequados que permitam testes biológicos capazes de auxiliar na compreensão dos mecanismos envolvidos com a fluência da fala tanto em pessoas fluentes quanto gagas.

1. Foi possível identificar dentre 43 famílias com gagueira desenvolvimental persistente selecionadas, duas (BRPD47 e BRPD50) com sugestivas evidências de ligação na região cromossômica 10q21;

2. Foi possível realizar o sequenciamento de nova geração de todos os éxons disponíveis e selecionar, através de ferramentas de bioinformática, potenciais variações envolvidas com a doença;

3. A partir do sequenciamento por eletroforese capilar do DNA genômico dos indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente familal, não relacionados, e do grupo controle foi possível validar as variações previamente selecionadas e estimar suas frequências nas amostras brasileiras:

a. A variação identificada no éxon 9 do gene FAM190B (ou CCSER2) pertime considerá-la como um potencial gene envolvido com a doença.

b. O gene CCSER2, é reponsável por codificar a proteína Serine-rich coiled-coil domain-containing protein 2 (Q9H7U1) (disponível em http://www.ebi.ac.uk/interpro/ISearch?query=Q9H7U1) da qual não se tem informações precisas quanto ao seu papel dentro processo biológico. É expresso em diversos tecidos como, por exemplo: cérebro, medula espinhal, tecidos embrionários, nervos, laringe, esôfago entre outros (disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ UniGene/clust.cgi?UGID=677147&TAXID=9606&SEARCH=).

4. Para cada um dos genes candidatos, todos os éxons disponíveis foram sequenciados nos indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente, não relacionados, e do grupo controle sendo que nos genes:

a. GNPTAB, GNPTG, NAGPA foram identificados diversas variações porém sem consistência estatística significativa para atribuí-las como determinantes da doença. Nenhuma das mutações identificadas por Kang et al. (2010) foram observadas na população brasileira estudada.

b. CNTNAP2 também foram identificados diversas variações porém sem consistência estatística significativas para atribuí-las como envolvidas com a doença na população brasileira estudada.

c. FOXP2, apontado na literatura como um gene evolutivamente conservado, foram identificados apenas cinco variações pontuais sendo quatro mutações silenciosas, entre os afetados, e apenas uma mutação missense, entre os controles não demostrando assim, consistência estatística significativa para relacioná-las à doença na população brasileira estudada.

d. DRD2 (variações rs6275 e rs6277), não foram observados associação entre essas variações em casos de gagueira desenvolvimental persistente familial (KANG et al., 2011), publicados anteriormente por Lan et al. (2009) na população chinesa Han.

Os resultados obtidos neste trabalho permitirão, num futuro próximo orientar novas pesquisas que busquem responder a perguntas não respondidas aqui de forma que milhares de crianças, adolescentes e adultos como Adelmo, possam ter, senão a cura, uma fluência de fala melhor e claro, uma melhor qualidade de vida. Muito ainda há de ser feito.

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