• Nenhum resultado encontrado

A DISCUSSÃO DO TEMA NAS REUNIÕES DA OIT E DA OMC

A OIT baseia suas atividades na negociação de convenções sobre o trabalho por meio de conferências mundiais – as Conferências Internacionais do Trabalho – realizadas geralmente uma vez ao ano em Genebra, Suíça. Uma das características essenciais da

OIT é o fato de ser constituída por representantes dos governos, dos empregadores e dos trabalhadores dos Estados-membros, ou seja, por sua organização tripartida. Os votos são independentes, ou seja, cada delegação possui quatro votos (VON POTOBSKY; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, 1990, p. 9).

A Conferência Internacional do Trabalho é responsável pela elaboração e adoção de instrumentos internacionais de caráter normativo, quais sejam, as Convenções e as Recomendações, bem como os relatórios das Convenções ratificadas pelos Estados- membros (VON POTOBSKY; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, 1990, p. 9).

Na Segunda Convenção de Lomé, em 1979, houve a tentativa de se estabelecerem cláusulas sociais nos acordos comerciais firmados entre a União Européia e os países da África, Caribe e Pacífico. Esses países não apoiaram a iniciativa daquele bloco, restando sem sucesso tal tentativa (VON POTOBSKY; BARTOLOMEI DE LA CRUZ, 1990, p. 32).

Na análise da autora Vera Thorstensen, o tema cláusulas sociais ainda não foi desenvolvido de forma definitiva na OIT por desacordo entre as três partes envolvidas:

Uma das questões básicas é a que os direitos dos trabalhadores são problemas entre empresas e trabalhadores, devendo constar de acordos para o estabelecimento de princípios comuns. Por outro lado, a liberalização do comércio contribui para o desenvolvimento econômico, conseqüentemente para a melhoria dos padrões de trabalho e para o aumento do emprego. O dilema da OIT é de como defender a equalização dos custos sociais entre seus membros, e o grande problema, no caso do comércio internacional, seria de como aplicar sanções aos membros que violassem tais princípios, uma vez que a organização está baseada na cooperação entre seus membros e não na coerção. (THORSTENSEN, 2001, p. 360)

Na OIT, a questão da cláusula social está sendo estudada por um grupo de trabalho (THORSTENSEN, 2001, p. 360), criado em 1994, que concentra sua atenção nas dimensões sociais do processo de liberalização no comércio internacional. Há uma ênfase maior no respeito às liberdades de associação e negociação coletiva e no combate ao trabalho infantil.

Nesse sentido, na Conferência sobre o Trabalho Infantil realizada em 1997, a OIT deu destaque à conexão entre o trabalho e o comércio internacional. Naquela oportunidade, entendeu-se ser urgente a adoção de novas medidas visando banir as intoleráveis formas de trabalho infantil e visando, também, a necessidade de uma nova convenção internacional proibindo todos os meios de trabalho infantil.37

A OIT tem revelado sua preferência pela “pressão moral” em detrimento da utilização de sanções comerciais contra os países que não respeitam as normas trabalhistas. Nesse sentido, as Convenções Internacionais do Trabalho promovidos pela OIT são a primeira e a mais desenvolvida de todas as intenções de se criar uma rede normativa internacional de alcance mundial. As conveções da OIT tendem a incorporar padrões mínimos trabalhistas dentro de ordenamentos nacionais, os quais, contudo, não possuem a natureza de cláusula social em seu papel de condicionante regulador do comércio internacional.

Muito é feito da fraqueza da OIT e da falta de força de seus poderes. Entretanto, uma visão mais caridosa da agência é que os padrões de trabalho têm sido alocados para a OIT precisamente porque ela não tem o poder de punir. O baixo poder dos incentivos usados pela OIT é inteiramente apropriado, dado a inabilidade geral para identificar um conjunto de uniformidades de padrão de trabalho que podem ser solicitados em todos os locais.38(BROWN, 1999, p. 9, tradução nossa)

O preâmbulo da Constituição da OIT estabelece que, “se qualquer nação não adotar um regime de trabalho realmente humano, esta omissão constituirá um obstáculo aos esforços de outras nacionalidades que desejam melhorar a sorte de seus trabalhadores em seus próprios países” (OIT, 1946).

37 Disponível em: <http://www.ilo.org/public/english/protection/safework/publicat/iloshcat/childlab.htm>. Acesso

em: 20 ago. 2008.

38 “Much is made of the weakness of the ILO and the absence of enforcement powers. However, a more charitable

view of the agency is that labor standards have been allocated to the ILO precisely because is has no power to punish. The low power of the incentives used by the ILO is entirely appropriate given the general inability to identify a set of uniform labor standards that can be applied in all settings.”

Nesse contexto, a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho proclama solenemente que, por integrar a OIT, todo Estado-membro está obrigado a cumprir os princípios contidos naquelas convenções qualificados como “fundamentais”. Mas há, para Paulo Nogueira Batista (2008, p. 76-77), uma razão forte para que haja pontos de vista diferentes sobre o tema:

No caso dos trabalhadores dos países em desenvolvimento, a relativa ineficácia das convenções da OIT na efetiva promoção dos direitos sociais faz com que se inclinem, pelo menos numa primeira reação, a ver com simpatia as propostas de inclusão de uma “cláusula social” na OMC, como um possível instrumento de avanço na promoção das suas reivindicações de classe. Esta pareceria ser a motivação, por exemplo, das centrais sindicais brasileiras, em manifestações públicas e em comunicações do próprio governo.

Nos países desenvolvidos, os empregadores com grandes investimentos nos países em desenvolvimento se associam aos empregadores destes últimos no combate à “cláusula social”. Em nome do livre comércio, os primeiros vêem nessa cláusula uma limitação a sua capacidade de buscar mão-de-obra mais barata onde melhor lhes convenha, numa estratégia de global sourcing, os segundos, isto é, os empresários dos países em desenvolvimento, por entenderem ser essa mão-de-obra de baixo custo a melhor vantagem comparativa de que dispõem para competir nos mercados externos.

A posição dos governos dos países em desenvolvimento é em especial difícil. A maioria tende a defender o argumento de que só pelo desenvolvimento se conseguirá elevar o nível de vida das classes trabalhadoras. Baseiam-se, para tanto, na experiência histórica dos países industrializados, cujo desenvolvimento econômico foi acompanhado e, como regra, não precedido pelo desenvolvimento dos padrões sociais.

Já a OMC, o FMI e o Bird formam as organizações internacionais mais atuantes na economia. Entretanto, o fator mais importante da OMC dentro dessa perspectiva econômica é seu sistema sancionador. Dentro da OMC, cabe ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) advertir Estados que venham a descumprir suas diretrizes, e assim, afetem diretamente a economia e a posição destes dentro do cenário internacional; portanto, por mais que se tenha em mente que cabe à OIT a tutela das relações de trabalho em âmbito mundial, a questão da sanção acaba modificando todo o enfoque da discussão aqui estabelecida.

A dimensão institucional da OMC incorpora normas de comportamento e normas de organização que visam conectar economias nacionais distintas no mercado globalizado. O desenvolvimento de uma legislação que alie normas de proteção aos direitos humanos na área do Direito Internacional do Trabalho (preconizadas pela OIT) e as regras do livre-comércio (preconizadas pela OMC) costuma chamar a atenção, por ser considerado positivo. Entretanto, corre-se o risco de essa atitude ser rotulada de protecionista, alertando para os riscos envolvidos na liberalização do capital, levando a investimentos estrangeiros e gerando muita instabilidade no fluxo especulativo do capital. A procura por mercados consumidores e por mercadorias que possam competir no campo internacional por meio de uma concorrência acirrada coloca as normas trabalhistas, especialmente nos países exportadores, sob grande pressão.

No plano teórico, Daniel Ehrenberg, propõe uma solução para o impasse entre a OMC e a OIT acerca da competência para a análise do tema. Para tanto, o autor sugere a criação de um sistema organizacional multilateral entre ambas organizações internacionais, contando com a experiência e cooperação, com vistas a prevenir e reprimir a violação dos direitos dos trabalhadores na conjuntura do comércio internacional. Sob esse modelo, a OIT disponibilizaria seu conhecimento acerca da matéria dos direitos dos trabalhadores no campo internacional, enquanto que a OMC contribuiria com seu conhecimento sobre o comércio internacional, além do sistema de soluções de controvérsias já estruturado dentro da organização; ou seja, estabelecer- se-ia uma parceria entre organizações. Além dos Estados-membros, associações de empregados e empregadores poderiam utilizar os procedimentos para denunciar infrações. Tal abertura nas participações tem a sua razão de ser, uma vez que os Estados, por cuidados diplomáticos, às vezes, têm receio de denunciar determinado país junto às organizações internacionais, especialmente nas matérias que compreendem direitos humanos. O comitê responsável para a análise da admissibilidade das queixas seria formado por nove membros da OIT e nove membros da OMC, escolhidos dentre seus membros (EHRENBERG, 1996, p. 163-168).

A execução desse modelo proposto operaria em duas vertentes: a primeira fase do procedimento seria responsável por definir se efetivamente houve relação entre a exportação de produtos e a violação de direitos dos trabalhadores internacionalmente reconhecidos (determination phase). A segunda fase seria responsável por reparar o dano e determinar qual a medida necessária com vistas a eliminar certas práticas sob um certo tempo razoável para as medidas de cooperação entre as organizações, procedimentos de certificação e possíveis penas (remedial phase). Apesar do procedimento bifurcado, ambas organizações com os seus conhecimentos específicos devem trabalhar juntas tanto na primeira quanto na segunda fase. As medidas concernentes à sanção econômica seriam as últimas a serem utilizadas, devendo-se valer delas apenas se outras medidas mais brandas já tivessem sido aplicadas e se o país infrator não tivesse se adequado dentro do tempo delimitado (EHRENBERG, 1996, p. 165).

Percebe-se que a questão passa por uma mudança de foco. Não se está analisando apenas a relevância e a legitimidade do tema perante a OIT e a OMC, mas também, e principalmente, analisa-se a eficácia das propostas da utilização de sanções para que as distorções decorrentes do comércio internacional nas relações de trabalho sejam corrigidas pelas sanções comerciais.