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Conforme já apontado anteriormente, o comércio internacional apresentou grande desenvolvimento, porém seu traço fundamental manteve-se inalterado, qual seja, a constante busca de novos mercados, a contínua tentativa de comercializar o excedente e, ao mesmo tempo, fomentar as produções internas, protegendo-a dos produtos externos, de modo a atender e conciliar os interesses nacionais (BECHARA, 2002, p. 61).

Desde a Segunda Guerra Mundial, as barreiras alfandegárias foram paulatinamente reduzidas. Outros elementos também auxiliaram o incremento do comércio internacional, tais como a redução dos custos de transportes, da mão-de-obra, da melhora dos meios de comunicação, a redução do tempo e do custo das transações comerciais. A eliminação das barreiras naturais ao comércio impulsionou a globalização

e quis fazer crer que os benefícios advindos atingiriam a todos. Contudo, o processo tem produzido ganhadores e perdedores. Nessa linha de raciocínio, Roberto Di Sena Júnior (2003, p. 48) pondera acerca do atual papel da OMC:

É impossível saber se a OMC está efetivamente preparada para enfrentar os novos problemas que emergem do comércio internacional. Entretanto, é sabido que a forma como os acordos comerciais têm sido utilizados por países industrializados não agrada nem os países em desenvolvimento, nem os defensores autênticos do livre-comércio. A simples abordagem das novas formas de protecionismo, não obstante dominarem a agenda contemporânea da OMC, não reflete as reais preocupações e necessidades dos países em desenvolvimento e de sua população, já cética em relação aos benefícios pretensamente advindos da liberalização comercial. Atacar esses problemas será de crucial importância para garantir e reafirmar a legitimidade da OMC como instância para regulamentar o comércio internacional

O ponto fundamental para a discussão sobre o sistema do comércio internacional nos moldes atuais reside na compreensão da expressão “livre-comércio”, que se baseia na teoria da minimização da interferência estatal no fluxo comercial por meio das fronteiras nacionais. A idéia de livre-comércio sempre vem acompanhada da noção de que a livre circulação de bens e serviços promove a divisão mutuamente lucrativa de trabalho, amplia consideravelmente a produção interna de todos os países envolvidos e torna possível a elevação do padrão de vida daqueles que aplicam tal teoria. Do ponto de vista eminentemente teórico, o comércio internacional objetiva promover o bem-estar dos povos por meio da expansão do fluxo comercial entre as nações (DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 49).

Os defensores do livre-comércio argumentam que, sob a motivação do interesse das trocas (exportação/importação), a produção de bens de cada país aumenta de acordo com as vantagens comparativas de que ele dispõe. Também se poderia supor que há custos sempre crescentes, o que resultaria na tendência para aumento dos preços dos bens exportáveis e declínio dos preços dos importáveis. Essa variação nos preços provocaria mudanças nos padrões de consumo, uma vez que os consumidores passariam a dar preferência aos produtos importados, em detrimento dos exportáveis.

Continuando o processo, os preços dos bens comerciais estariam em equilíbrio e se tornariam iguais em todo o mundo (DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 50).

Analisando a teoria acima apresentada, pode-se dizer que a prática do comércio internacional resultaria em variações de produção e de consumo em todos os países, provocando reflexos sobre a distribuição de renda e favorecendo aqueles que produzem bens exportáveis e consomem bens importáveis.

Toda essa análise encontra-se no campo teórico; porém, entre os modelos econômicos e a complexidade do mundo real há um grande espaço, constantemente preenchido por interesses locais e políticas econômicas protecionistas, que tornam o resultado menos previsível.

Ao levar em consideração uma economia aberta, na qual o valor dos recursos segue as regras do mercado e os preços por este estabelecidos refletem os custos reais (ou sociais) da mercadoria, o livre-comércio poderia ser analisado como um modelo eficiente; entretanto, se os mercados não trabalham da forma correta ou são incapazes de estabelecer o custo real (ou social) da coisa, o livre-comércio pode não ser a melhor escolha (BHAGWATI, 2006, p. 10).

A Rodada de Doha, que teve duração de 2001 a 2008, buscou um acordo de liberalização do comércio mundial diminuindo os entraves ao comércio internacional, mas restou infrutífera, tendo em vista as divergências sobre o nível de abertura em setores de interesse de países centrais e semiperiféricos, especialmente no diz respeito às commodities15.

15 Commodities é o plural de commodity, termo inglês que significa mercadoria e é comumente utilizado para

transações de matéria-prima no comércio internacional. A importância desse produto bruto reside no volume que é negociado nas importações e exportações, movimentando as bolsas de valores. “[...] Centros financeiros onde são negociadas as commodities (produtos primários de grande importância econômica, como algodão, soja e minério de ferro). Por serem as commodities produtos de grande importância no comércio internacional, seus preços acabam sendo ditados pelas cotações dos principais mercados: Londres, Nova York e Chicago. A grande maioria dos negócios é realizada a termo, isto é, acerta-se o preço para pagamento e entrega da mercadoria em data futura.” (SANDRONI, 1994, verbete “Mercado de Commodities”). A China e a Índia, por exemplo, temem a abertura de mercado para seus pequenos agricultores, idéia impulsionada pelos Estados Unidos.

Países semiperiféricos como a Índia e a China alertaram que não vislumbram possibilidade de promover a completa abertura de seus mercados, e que os países centrais é que deveriam fazê-lo. Notadamente o G-816 propunha que os impostos de importações sobre diversos setores da economia fossem eliminados. Na oportunidade, os países semiperiféricos pleiteavam maior abertura, pelos países centrais, no setor agrícola, incluindo a redução ou o fim de subsídios. Entretanto, os países centrais pressionaram por maior abertura nos setores da indústria e serviços.

A idéia difundida no comércio internacional, de cooperação e interdependência, convive simultaneamente com a idéia de proteção da produção e do mercado interno. Nesse cenário, cabe à OMC a gestão dessa relação simultânea de conflito, como em um jogo com normas e regras compartilhadas por todos. Entretanto, a OMC tem sofrido críticas por não conseguir finalizar de forma bem-sucedida a Rodada de Doha. De certa forma, a atual crise internacional mostrou a incapacidade das instituições internacionais do pós-guerra de disporem de ideologias e rumos consistentes para os atuais problemas apresentados.

Com efeito, dada a heterogeneidade de seus membros e dos temas discutidos, o processo de consenso pretendido pela OMC é complexo e ambicioso. Para promover os interesses comuns e administrar a interdependência, as regras da organização abrangem muito mais do que a redução tarifária.

16 O Grupo dos Oito (G-8) é composto por Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Japão, França, Itália, Canadá e

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