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Capítulo 3. Efeito do processamento do leite por alta Pressão isostática e

3.4 Discussão

Este estudo avaliou a consistência e estrutura de iogurte feito com leite processado termicamente, API ou HAP adicionado de transglutaminase. Os resultados de EOBA mostraram que a tecnologia que apresentou maior consistência foi a API adicionado de TGase, principalmente para os iogurtes preparados com 1,5% e 3,0% de gordura (Figura 3.1). Para os resultados de EREE o processo térmico com adição de TGase apresentou maior viscosidade aparente (Figura 3.2). Por outro lado, a HAP prejudicou a atuação da TGase, não contribuindo para o aumento da consistência e viscosidade aparente. Essa diferença na atuação da TGase após cada processo (térmico, API e HAP) é explicada pela alteração causada nos constituintes do leite, principalmente na proteína e gordura (CIRON et al., 2010; HARTE et al., 2002; OLIVEIRA et al., 2014; PENNA; SUBBARAO-GURRAM; BARBOSA-CÁNOVAS, 2007; ZAMORA et al., 2012b). A Figura 2.6 apresentada no Capitulo 2 contribui para o entendimento das discussões que serão abordadas neste capítulo.

3.4.1 Processo térmico

O aumento da consistência do iogurte produzido com o leite processado termicamente ocorre devido à desnaturação de proteínas do soro, em especial β-lactoglobulina (β-lg) que interage com a κ-caseína por ligações dissulfeto. Durante a formação do gel, a interação β-lg-κ-caseína limita a proximidade entre as micelas de caseína no ponto isoelétrico (pH 4,6), contribuindo para o aumento da consistência e redução da sinérese (LEE; LUCEY, 2010b; TAMIME; ROBINSON, 2007). Além disso, o aumento da concentração de gordura favorece o aumento da consistência por elevar o teor de sólidos do iogurte (Capítulo 2; TAMIME; ROBINSON, 2007).

A adição de TGase após o processo térmico aumentou a consistência (Figura 3.1) e a viscosidade aparente (Figura 3.2) do iogurte quando comparada com a amostra sem TGase. A enzima aumenta a consistência do iogurte porque atua na formação de ligações covalentes entre lisina e glutamina (LOVEDAY; SARKAR; SINGH, 2013; O’SULLIVAN; KELLY; FOX, 2002). Esta ligação covalente entre proteínas ocorre com maior frequência entre caseínas do que proteínas do soro, formando uma rede estrutural de proteínas (LORENZEN et al., 2002; LOVEDAY; SARKAR; SINGH, 2013). Desta forma, durante a formação estrutural do iogurte ocorre efeito sinergístico da interação β-lg-κ-caseína causada pelo PT e caseína-caseína pela atuação da TGase (ANEMA et al., 2005; ERCILI- CURA et al., 2013; LAUBER et al., 2003; LAUBER; HENLE; KLOSTERMEYER, 2000; LOVEDAY; SARKAR; SINGH, 2013). O comportamento reológico desta estrutura (teste de EOBA e EREE), em especial os valores de tensão inicial de escoamento (σ0; Tabela 3.1) dos ensaios ao fluxo, demonstrou que essas ligações

covalentes são bem estáveis e não são rompidas após a quebra do gel, ocasionando alta resistência a deformação e, por isso, viscosidade aparente elevada (Figura 3.2).

A TGase pode ser utilizada em iogurte de duas formas, (i) antes do processo térmico (incubação 40 °C a 43 °C por 120 a 180 min), no qual a enzima será inativada durante o aquecimento do leite para a fabricação do iogurte (85°C a 95°C por 3 a 10 min) (BÖNISCH et al., 2007a; LAUBER; HENLE; KLOSTERMEYER, 2000; LORENZEN et al., 2002; OZER et al., 2007); ou (ii)

durante a fermentação em conjunto com a cultura starter, neste caso a atividade de TGase será reduzida gradativamente durante a acidificação (pH < 5 com atividade residual da enzima inferior a 8% a 40° C) (BÖNISCH et al., 2007a, 2007b; LORENZEN et al., 2002). Contudo, é relatado que a adição da TGase em conjunto com a cultura starter melhora a CRA e a consistência do gel durante a estocagem (BÖNISCH et al., 2007b; LORENZEN et al., 2002; SANLI et al., 2011). Além da elevada consistência a adição de TGase também favoreceu a CRA (Figura 3.3) especialmente em iogurte com 0,5 % de gordura. Resultados semelhantes para iogurte feito com leite desnatado (0,5 % de gordura) foram relatados por Ercili-Cura et al. (2013). Os autores justificaram este resultado devido a maiores interações entre as proteínas e estrutura mais homogênea com poros reduzidos. Contudo, no presente estudo não foi observado modificação no número e tamanho da área do poro quando a TGase foi adicionada ao leite processado termicamente (Figura 3.4 e Tabela 3.2). Segundo, Jaros, Jacob, Otto, & Rohm, (2010) a capacidade de reter água em gel ocorre devido ao aprisionamento físico dentro de capilares finos e não pelo aumento da interação de água com proteína. Contudo, a maior quantidade de gordura no leite prejudicou o aumento da CRA quando a TGase foi utilizada. Lorenzen et al., (2002) também reportaram que o aumento na quantidade de gordura (0.5% a 3.5%) prejudicou o aumento na CRA atribuída pela TGase (adição de TGase em iogurte com 0,5% de gordura aumentou em 11% a CRA e em iogurte com 3,5% de gordura aumento em apenas 2,2% a CRA).

3.4.2 Alta Pressão Isostática (API)

Avaliando o processo de API sem TGase observa-se que o iogurte apresentou maior consistência do que o processo térmico (Figura 3.1). Isso ocorre porque durante API há (i) interações β-lg-κ-caseína por ligações dissulfeto, semelhante ao processo térmico (BRAVO et al., 2015; HARTE et al., 2002; LÓPEZ-FANDIÑO, 2006), além de (ii) parcial fragmentação da micela de caseína e (iii) parcial solubilização de fosfato de cálcio coloidal (FCC) (BRAVO et al., 2015; HARTE et al., 2002; NEEDS et al., 2000a; UDABAGE et al., 2010). Essas alterações na proteína favorecem a dispersão da caseína e aumenta a

probabilidade de interações caseína-caseína por interações eletrostáticas e hidrofóbicas (HARTE et al., 2002; LÓPEZ-FANDIÑO, 2006) e reduzindo o tamanho médio da área do poro (Figura 3.4 e Tabela 3.2). Estas interações foram ainda maiores quando a TGase foi adicionada ao leite processado por API, que acrescentou ligações covalentes entre caseína-caseína na estabilização da estrutura do iogurte.

Quando a TGase foi adicionada ao leite, o processo de API permitiu maior atuação da enzima do que no processo térmico, consequentemente conferindo maior aumento da consistência (Figura 3.1), aumento da CRA (Figura 3.3) e redução na área média dos poros (Figura 3.4 e Tabela 3.2). Este fenômeno ocorreu porque a maior exposição da caseína aumentou a disponibilidade de resíduos de lisina ou glutamina (fragmentação e solubilização de FCC causada pela API) propiciando maiores interações entre caseína-caseína por ligações covalentes (ANEMA et al., 2005; LAUBER et al., 2001). Sendo assim, a estrutura do iogurte processado por API com TGase é estabilizada pela maior probabilidade de interações eletrostáticas e hidrofóbicas (causada pelo processo de API) e ligações covalentes entre caseína-caseína (causada pela TGase) (LAUBER et al., 2001). Esta maior interação entre proteínas pode ser visualizada na microscopia confocal (Figura 3.4), no qual a atuação da TGase em iogurte API reduziu o número de poros, apesar de ter aumentado ligeiramente a área média do poro, quando comparada com a amostra API sem TGase (Tabela 3.2).

Além disso, a atuação da TGase em leite processado por API se mostrou menos afetada pelo aumento na quantidade de gordura do que o PT. Esse fato só é possível porque a estrutura da gordura é pouco alterada durante o API (Capítulo 2; UDABAGE et al., 2010), sendo as alterações causadas na proteína o fenômeno mais importante. Resultados semelhantes foram encontrados em outros trabalhos, no qual API com TGase favoreceu a consistência do produto, tanto em gel ácido feito com glucona-δ-lactona e baixa concentração de gordura (<0,5% de gordura; 400 MPa por 60 our 120 min a 40°C) (ANEMA et al., 2005) quanto em iogurte firme feito com cultura termofílica e alta concentração de gordura (4,0 % de gordura; 600 MPa por 10 min a 55°C) (TSEVDOU; ELEFTHERIOU; TAOUKIS, 2013).

Para a análise de EREE o PT com TGase foi mais eficiente no aumento da consistência do que API com TGase.

3.4.3 Homogeneização por Alta Pressão (HAP)

Comparando os processos sem TGase verificou-se que HAP apresentou viscosidade aparente elevada apenas para o iogurte com 3,0% de gordura (Figura 3.2). Este aumento na viscosidade aparente do iogurte após HAP é causada basicamente pelas alterações causadas na proteína (CIRON et al., 2010; ROACH; HARTE, 2008; SANDRA; DALGLEISH, 2005) e gordura do leite (CIRON et al., 2010; HAYES; KELLY, 2003b; ZAMORA et al., 2012b). Na micela de caseína ocorrem duas alterações principais: (i) fragmentação parcial da micela de caseína (HAYES; KELLY, 2003b; ROACH; HARTE, 2008; SANDRA; DALGLEISH, 2005) e (ii) solubilização parcial do FCC (ROACH; HARTE, 2008; SANDRA; DALGLEISH, 2005), que contribuem para melhorar a distribuição homogênea dos poros com área muito reduzida (Figura 3.4 e Tabela 3.2). Porém, não ocorre formação do complexo β-lg-κ-caseína pela desnaturação de β- lactoglobulina (Hernández & Harte, 2008; Serra et al., 2009; Serra, Trujillo, Jaramillo, Guamis, & Ferragut, 2008). Apesar das alterações causadas na micela de caseína pela HAP, a pouca formação do complexo β-lg-κ-caseína prejudica a consistência do iogurte, fato observado nas amostras desnatadas (0,5% de gordura; Figura 3.1 e 3.2). A desnaturação de β-lg é inferior a 10% em processos a 150 MPa (Capítulo 2; GRÁCIA-JULIÁ et al., 2008; SERRA et al., 2008). Contudo, o processo de HAP também atua sobre a gordura reduzindo muito o tamanho dos glóbulos e favorecendo sua interação com a micela de caseína (CIRON et al., 2010; OLIVEIRA et al., 2014; ZAMORA et al., 2012). Desta forma, no momento da quebra do gel (5 °C) essa estrutura de proteína-gordura cristalizada limita a reorganização da estrutura e contribui para aumentar a viscosidade aparente do iogurte (Capítulo 2).

Quando a TGase foi adicionada ao leite observou-se que a HAP prejudicou a atuação da enzima e não houve aumento expressivo da consistência (Figura 3.1) e viscosidade aparente do iogurte (Figura 3.2). Destaca-se ainda que quanto maior a quantidade de gordura menor a atuação da enzima. Este fato

pode ser justificado pela adsorção de gordura sobre as proteínas que podem bloquear lisina e glutamina dificultando a atuação da enzima (LORENZEN et al., 2002). Outra justificativa é que o leite pasteurizado ou leite não processado termicamente (< 80° C) possui inibidores de TGase que impedem a atuação desta enzima (BÖNISCH; TOLKACH; KULOZIK, 2006; JONG; WIJNGAARDS; KOPPELMAN, 2003) e podem não ter sido inativados pela HAP. Para solucionar este problema deve ser adicionado glutationa junto com a TGase (BÖNISCH et al., 2007a; BÖNISCH; LAUBER; KULOZIK, 2007). De forma geral, o uso do processo de HAP com adição de TGase não é vantajosa para o aumento da consistência e viscosidade aparente do iogurte.

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