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Capítulo 1. Revisão Bibliográfica e Objetivos

1.3 Processos de alta pressão e utilização industrial

1.3.2 Homogeneização por Alta Pressão

O processo de homogeneização por alta pressão (HAP), também citado na literatura como alta pressão dinâmica, baseia-se no mesmo princípio

dos homogeneizadores tradicionais, mas operam em níveis de pressão da ordem de 10 a 15 vezes superiores (400 MPa). A Figura 1.4 apresenta o sistema de HAP no qual o fluido é pressurizado por poucos segundos e forçado a passar por um orifício estreito regulado por uma válvula, o que resulta em alto gradiente de pressão em um curto período de tempo (10-4 segundos), gerando desta forma

aumento de velocidade (150 a 300 m.s-1) e aumento de temperatura (12 °C a 19

°C a cada 100 MPa, dependendo do equipamento) (BOUAOUINA et al., 2006; PEREDA et al., 2009). Após a passagem do líquido pela válvula ocorre imediata descompressão e rápida formação de bolhas (ou cavidades), que crescem no corpo do líquido, e o colapso de tais cavidades pode transmitir várias forças localizadas para as superfícies das partículas causando danos à sua estrutura (LANCIOTTI et al., 2004). Além disso, outros fenômenos físicos como turbulência, forças de impacto e cisalhamento contribuem para este efeito (BOUAOUINA et al., 2006).

Diversos estudos apontam a utilização de HAP na destruição microbiana, sendo capazes de inativar bactérias vegetativas, leveduras e fungos (CAMPOS; CRISTIANINI, 2007; PEDRAS et al., 2012; PINHO et al., 2015; TRIBST; FRANCHI; CRISTIANINI, 2008). Além desta utilização, a HAP vem sendo investigada na alteração de macromoléculas, sendo capaz de alterar sua funcionalidade. A ação sobre proteínas pode alterar sua conformação, propiciando maior susceptibilidade à proteólise (GARCÍA-RISCO et al., 2000), aumento do número de interações hidrofóbicas (GRÁCIA-JULIÁ et al., 2008; SANDRA; DALGLEISH, 2005), aumento do teor de fragmentos protéicos. (SANDRA; DALGLEISH, 2005; SERRA et al., 2008). Além disso, tem a capacidade de reduzir o tamanho de gotículas de emulsões, incluindo gordura do leite (CIRON et al., 2011; OLIVEIRA et al., 2014; ZAMORA et al., 2012a). Contudo, estes efeitos geram um novo campo de estudo, uma vez que as alterações moleculares causadas por HAP podem alterar estruturalmente os alimentos (AUGUSTO; IBARZ; CRISTIANINI, 2012; ESCOBAR et al., 2011; SERRA et al., 2007). Entretanto estes efeitos possuem intensidades diferenciadas em detrimento à pressão utilizada, sendo que, quanto maior a pressão e/ou a temperatura do produto durante a homogeneização, maior o efeito (GRÁCIA- JULIÁ et al., 2008; PEREDA et al., 2009).

Figura 1.4. Esquema de operação do equipamento de homogeneização por alta pressão.

1.3.2.1 Efeito da homogeneização por alta pressão na fabricação de iogurte e bebida láctea

A HAP tem sido amplamente estudada na modificação da textura de iogurte e lácteos fermentados, extensão do shelf-life e melhoria de diversas outras características, tais como, retenção de água, textura, viscosidade, densidade do gel e redução de pós-acidificação (GRÁCIA-JULIÁ et al., 2008; HAYES; FOX; KELLY, 2005; PATRIGNANI et al., 2007; SERRA et al., 2009). Esses fatores contribuem para o interesse das indústrias em eliminar o uso de amido, pectina, gelatina e /ou misturas desses estabilizadores (MASSON et al., 2011; TAMIME; ROBINSON, 2007), seguindo a tendência para a elaboração de alimentos funcionais de alta qualidade e redução de custos.

O aumento na consistência do iogurte feito com leite processado por HAP pode ser conferido por duas alterações principais que ocorrem na proteína (i) fragmentação parcial da micela (CIRON et al., 2010; ROACH; HARTE, 2008; SANDRA; DALGLEISH, 2005) e (ii) solubilização de FCC (ROACH; HARTE, 2008; SANDRA; DALGLEISH, 2005). Essas alterações aumentam a superfície total das micelas de caseína e favorecem as interações entre caseína-caseína durante a formação do gel por interações hidrofóbicas e eletrostáticas (CIRON et al., 2010; SERRA et al., 2007, 2009). Porém é importante destacar que na HAP há pouca desnaturação das proteínas do soro, em especial a β-lactoglobulina (DUMAY et al., 2013; GRÁCIA-JULIÁ et al., 2008; SERRA et al., 2008, 2009), com desnaturação inferior a 10 % a 150 MPa (Capítulo 2).

Além das alterações causadas na proteína, a gordura do leite quando submetida ao processo por HAP também desempenha função importante na formação da estrutura do iogurte. Os glóbulos de gordura quando processados por HAP sofrem intensa fragmentação e são adsorvidas na superfície hidrofóbica das proteínas do leite, incorporando de forma mais efetiva a gordura na estrutura proteica do iogurte (CIRON et al., 2011; OLIVEIRA et al., 2014; ZAMORA et al., 2012b).

Alguns estudos na literatura indicam o aumento da consistência do iogurte firme ou batido feito com leite processado por HAP. Serra et al., (2007) processaram leite (3,5% de gordura) a 100 MPa, 200 MPa e 300 MPa (30 e 40 °C) e relataram que a taxa de agregação do gel não diferiu entre as amostras, porém a firmeza do iogurte firme feito com leite processado a 200 MPa e 300 MPa apresentou resultados superiores quando comparado com iogurte feito pelo método convencional (90 °C por 90 segundos), além de redução na sinérese. Em continuação ao trabalho anterior, Serra et al. (2008) avaliaram a consistência de iogurte desnatado (<0.1% de gordura) feito com leite processado a 100 MPa, 200 MPa e 300 MPa (30 °C) e concluíram que a firmeza do gel foi inferior à do gel obtido com leite submetido ao processo térmico (90° C por 90 s). A diferença entre os dois estudos foi basicamente a quantidade de gordura no leite (3,0 e 0,5%), evidenciando a participação da gordura na estrutura do iogurte (interação proteína-gordura e proteína-proteína). Além disso, mostra que a baixa

desnaturação de β-lactoglobulina prejudicou a firmeza do gel sem gordura (13% a 100 MPa, 20% a 200 MPa, e 25% a 300 MPa; Serra et al., 2008).

Estes efeitos causados pela HAP são reforçados por Ciron et al., (2010) que avaliou iogurte batido elaborado com leite contendo 0 % e 1,5 % de gordura e submetidos a 150 MPa (60° C). Os autores verificaram que o iogurte com 1,5% de gordura apresentou consistência igual ao do obtido por processo térmico (95° C por 2 min) enquanto o iogurte desnatado apresentou uma consistência inferior.

Outro resultado importante, publicado por Serra et al. (2008), foi a taxa de agregação do gel em leite desnatado, que foi 54% mais rápida na amostra processada a 300 MPa do que no processo térmico (90° C por 90s). Os autores justificaram este resultado devido à parcial fragmentação da micela de caseína e solubilização de fosfato de cálcio coloidal, que aumenta a superfície total das micelas e aumenta a susceptibilidade das interações entre as proteínas. Outros estudos também reportaram a redução da micela de caseína e solubilização de fosfato de cálcio coloidal após processo por HAP superior a 100 MPa (CIRON et al., 2010; ROACH; HARTE, 2008; SANDRA; DALGLEISH, 2005). Contudo, alguns trabalhos relatam que essa maior susceptibilidade à agregação proteica favorece a presença de grumos quando são utilizadas pressões superiores a 200 MPa e temperaturas elevadas (>60° C), especialmente em leite com baixo teor de gordura (CIRON et al., 2010; SERRA et al., 2009). Desta forma, para leite desnatado são recomendados processos com pressões inferiores a 200 MPa (MASSON et al., 2011; SERRA et al., 2009).

Para aumentar a consistência de iogurte feito com leite desnatado Hernández e Harte (2008) sugerem a aplicação simultânea do processo térmico seguida de HAP (200 MPa a 350 MPa). Neste trabalho os autores avaliaram a consistência do gel ácido feito com leite desnatado coagulado com glucono-δ- lactona e concluíram que o processo térmico em sinergia com o processo por HAP (processo térmico seguido de HAP; ou HAP seguido de processo térmico) apresentaram consistência superior ao controle (térmico 90° C por 5 min).

Na avaliação comparativa entre iogurte firme e batido com 3,5% de gordura realizada por Serra et al., (2009) os autores mostraram que a HAP (200

MPa e 300 MPa) é eficiente apenas para o iogurte batido. No iogurte firme a consistência apresentada foi inferior ao processo térmico (90° C por 90s).

Contudo, para esta tecnologia também há divergência nas condições dos experimentos descritos na literatura (condições de processo de HAP: pressão e temperatura; composição do leite: teor de gordura e proteína; fortificação do leite com adição de leite em pó; tipo do iogurte: firme ou batido; dentre outras), tornando necessário realizar experimentos controlando essas variações para compreender melhor o efeito da HAP em comparação a outros processos, entre eles a API.

1.4 Efeito da transglutaminase na fabricação de iogurte e bebida láctea

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