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DCs são APCs altamente especializadas que, ao interagir com células T, podem iniciar respostas imunogênicas ou tolerogênicas (Vlad, Cortesini e Suciu-Foca, 2005). Dados da literatura mostram que as DCs podem apresentar dois tipos de perfis que levam à tolerância e essa característica envolve o estado de maturação dessas células. No primeiro caso, as DCs apresentam-se no estado imaturo e exibem redução geral nos marcadores de superfície, enquanto, no segundo caso, as DCs apresentam-se no estado semi-maduro e expressam níveis elevados ou intermediários dos marcadores de superfície (Lutz e Schuler, 2002). Na primeira parte desse trabalho observamos que o tratamento de camundongos com CQ implicou em um perfil imaturo das DCs esplênicas, verificado pelos níveis reduzidos de expressão de MHC II, CD86 e CD80 em relação a expressão observada nas DCs esplênicas obtidas de camundongos do grupo estimulado. A análise do marcador de superfície CD11c permitiu a identificação das DCs dentre as células esplênicas totais, já a análise dos marcadores MHC II, CD80 e CD86 possibilitou identificar o estado de maturação das células. Após reconhecimento do invasor, o MHC II é expresso para formar um complexo com o Ag processado. Em seguida, esse complexo é exposto na superfície da DC para ativação da célula T naive. CD80 e CD86 são moléculas coestimuladoras que são expressas após a ativação das DCs pelo Ag e que promovem o segundo sinal necessário para a ativação ou inibição dos linfócitos T (Banchereau e Steinmann, 1998).

Conforme descrito por Lutz e Schuler (2002), a indução de tolDCs decorre também da diminuição da produção de citocinas inflamatórias. Na análise da expressão gênica de citocinas, verificamos que houve um aumento nas citocinas anti-inflamatórias IL-10 e IL-27. A IL-10 é conhecida pelo seu perfil anti-inflamatório e está envolvida na indução do desenvolvimento de células T reguladoras (Tregs) (Lutz e Schuler, 2002). De acordo com Sweeney et al. (2011), o tratamento da EM com IFN-β ocasiona melhora da doença, em parte, devido a indução da produção de IL-27 pelas DCs. Como resultado, ocorre uma inibição das células Th17 de forma direta ou através da inibição da produção de citocinas relacionadas com o desenvolvimento dos linfócitos Th17. Dessa forma, a citocina IL-27 parece desempenhar um papel importante no controle da inflamação. Em relação às citocinas pró-inflamatórias TNF-α e IL-6, notou-se que, nas DCs obtidas de camundongos tratados com a CQ, a expressão gênica foi

acentuadamente menor quando comparada a expressão gênica nas DCs do grupo estimulado. A produção dessas citocinas ocorre em DCs maduras, capazes de induzir respostas imunes (Lutz e

Schuler, 2002). Em conjunto, os resultados da expressão gênica de citocinas inflamatórias indicam uma provável inibição da diferenciação de linfócitos T nos subtipos Th1 e Th17 após o tratamento dos camundongos com a CQ. A combinação dos dados obtidos nas avaliações da expressão dos marcadores de superfície e da expressão gênica das citocinas sugere que o tratamento dos camundongos com CQ produz DCs com perfil imaturo, capazes de induzir a geração de células T com perfil regulador.

Com o intuito de confirmar que o tratamento das DCs com CQ proporciona um ambiente imunológico propício para o desenvolvimento de linfócitos Tregs, foram feitas coculturas entre as DCs isoladas dos camundongos tratados e linfócitos T CD4+ naive. Nesses experimentos, verificamos que as DCs foram capazes de interferir na atividade dos linfócitos T CD4+, fato observado pela diminuição da proliferação dessas células. Além disso, os linfócitos T que ficaram em contato com as DCs obtidas do grupo DC-CQ apresentaram perfil de células Tregs evidenciado pelo aumento na produção de IL-10 e pelas reduzidas produções de IL-17 e IFN-γ. A IL-10 é uma citocina anti-inflamatória e relacionada ao desenvolvimento de Tregs; por outro lado, a IL-17 está envolvida com a ativação de linfócitos do subtipo Th17 (Awasthi et al., 2007) e; o IFN-γ está relacionado ao desenvolvimento de células do subtipo Th1 (Trinchieri, Pflanz e Kastelein, 2003), ambos promotores de inflamação.

Em suma, os achados da primeira parte deste trabalho indicaram que o tratamento in

vivo com CQ induziu a produção de tolDC com um perfil de expressão aumentado para citocinas

anti-inflamatórias e com capacidade de modular a resposta de linfócitos T CD4+ naive,

corroborando dados publicados em Thomé et al. (2013; 2014). Porém, o mecanismo envolvido na indução de um perfil tolerogênico nas DCs pela CQ ainda não está elucidado e essa questão tem sido estudada pelo nosso grupo, com pesquisas voltadas para as vias de sinalização. As pesquisas sobre o envolvimento das vias de sinalização STAT e mTOR estão em andamento. Outra via de interesse para estudo era a via do NF-B, avaliada nesse projeto de mestrado.

O NF-B pode ser ativado pelas vias canônica e não-canônica. A primeira está relacionada com a inflamação e a sobrevivência das células imunes (Gilmore e Herscovitch, 2006) e, a segunda, com a ativação de células do sistema imune, como as DCs (Burkly et al., 1995) e o desenvolvimento e manutenção de órgãos linfoides secundários (Bonizzi e Karin, 2004). O acionamento da via não canônica resulta no processamento do componente p100 em p52, que transloca para o núcleo na forma de heterodímero com o componente RelB e se liga ao

DNA (Gosh, May e Kopp, 1998). No estudo feito por Speirs et al. (2004), foi mostrado que a atividade de RelB é regulada pelo p100 através da via não canônica e que camundongos deficientes para p100 apresentam DCs com alta expressão de marcadores de superfície, portanto, no estado maduro. Posteriormente, os trabalhos de Lind et al. (2008) e Maney et al. (2014) indicaram que a ativação da via não canônica é necessária para a maturação das DCs. Shih et al. (2012) citam que, além das vias canônica e não canônica, existe uma via adicional de ativação do NF-B formada pelo complexo p50-RelB. Ainda nesse estudo, os autores observaram um aumento na expressão de RelB durante a diferenciação das DCs, indicando que essa via adicional também está relacionada com a maturação das DCs. Assim, o resultado do processamento do componente p100 é a formação do componente p52 e ativação de RelB. Com isso, o dímero p52- RelB é formado translocando para o núcleo para se ligar ao DNA ou, ainda, RelB pode se ligar à subunidade p50 e ser translocado para o núcleo das DCs promovendo a ativação das mesmas. Dessa forma, a presença do componente p52 no núcleo das DCs indica que a via não canônica do NF-B está ativada e, indiretamente, que RelB está ativado podendo formar um complexo com o p50 e resultar na ativação das DCs.

Primeiramente foi investigado qual o tempo de tratamento necessário para verificar a ativação da via não canônica. Para tal, foram feitos ensaios de imunofluorescência para detecção nuclear do p52, um componente específico dessa via, utilizando o LPS como controle positivo de ativação da mesma. Os resultados mostraram níveis mais baixos de fluorescência do p52 no núcleo das DCs tratadas com CQ em relação às DCs tratadas apenas com LPS, indicando que a CQ age sobre essa via nas DCs. Dessa forma, os dados da imunofluorescência sugerem que a CQ pode estar promovendo uma diminuição na conversão de p100 em p52. Isso porque quanto maior a quantidade de p100 disponível, maior a supressão de RelB e, consequentemente, não ocorre a maturação das DCs, tornando-as tolerogênicas. Entretanto, estudos sobre o p100 são necessários para confirmar essa hipótese. O pico nos níveis de p52 nuclear foi observado com 18h de tratamento, indicando que essa via tem um perfil de ativação lento e que este tempo de tratamento permite uma comparação da ação da CQ sobre a via. Essa característica corrobora os resultados do estudo de Mordmuller et al. (2003), no qual é demonstrado que as DCs apresentam uma ativação da via não-canônica do NF-B em resposta ao LPS. Dessa forma, para os experimentos subsequentes definiu-se que 18h de tratamento proporcionaria uma melhor avaliação da participação da via não canônica na indução de tolDCs pela CQ.

Em seguida, análises de citometria de fluxo foram feitas em extratos nucleares obtidos de DCs tratadas in vitro a fim de comparar a expressão do componente p52. Os resultados confirmaram que a CQ promove uma redução na ativação da via não canônica em comparação a DCs tratadas com LPS, corroborando os resultados da imunofluorescência. Após verificar que a ativação da via não canônica é diminuída pela CQ, ensaios foram feitos para avaliar se os efeitos da CQ sobre as DCs observados na primeira parte do trabalho se mantinham na presença de um agente ativador da via não canônica. Deste modo, é possível avaliar se o efeito indutor de tolDCs pela CQ observado na primeira parte do trabalho tem relação com a diminuição da ativação da via não canônica. Então, foram feitas avaliações do perfil de maturação, da expressão gênica de citocinas e da modulação de células T em experimentos utilizando DCs tratadas in vitro com CQ, LPS e também com CQ + LPS.

A avaliação do estado de maturação das DCs foi feita através da análise expressão dos marcadores de superfície nessas células. Notou-se uma diminuição na expressão de MHC II e CD86, mas não de CD80, nos grupos DC – CQ e DC - CQ + LPS. As funções de CD80 e de CD86 têm sido estudadas, pois ainda não foi determinado se suas ações se sobrepõem ou são distintas. Hathcock et al. (1994) demonstraram que a expressão de CD86 nas APCs está relacionada com a produção das citocinas IL-2 e IFN-γ e com a proliferação de células T. Borrielo et al. (1997) relatam que há uma diferença temporal na expressão dessas moléculas durante a maturação, na qual CD86 é expressa antes que CD80 por estar relacionado ao início da resposta imune. De acordo com Inaba et al. (1994), a expressão de CD86 é mais elevada em relação à expressão de CD80 em DCs de camundongos. Tomados em conjunto, os relatos acima sugerem que a expressão de CD86 é mais significativa que a de CD80 para a maturação das DCs e, consequentemente, para a função de APC. Portanto, a redução observada na expressão de CD86 e de MHC II indicam que as DCs tratadas com CQ não estão aptas a iniciar respostas imunes, apresentando um perfil característico de tolDCs. Observamos também que o perfil de maturação das DCs não se alterou na presença do LPS, reforçando os resultados da imunofluorescência e da citometria do p52 que indicaram uma inibição da ativação da via não canônica do NF-B pela CQ. Na sequência, a expressão gênica de citocinas inflamatórias foi investigada para verificarmos se, de fato, a indução de um perfil tolerogênico após tratamento com a CQ implica em uma menor ativação da via não canônica do NF-B.

A expressão gênica das citocinas TNF-α, IL-6, IL-10, IL-12 e IL-27 nas DCs tratadas com a CQ e CQ + LPS foram comparadas com a expressão gênica das DCs tratadas apenas com LPS. Os dados indicaram que a CQ manteve a característica de aumentar a expressão gênica das citocinas anti-inflamatórias e diminuir a expressão gênica das citocinas pró- inflamatórias, tal qual observado nas DCs provenientes de camundongos tratados com a CQ. De modo análogo ao que se verificou no estudo do estado de maturação das DCs, o ensaio da expressão gênica de citocinas indicou que a CQ induz a diferenciação de DCs com características de tolDCs, devido ao perfil imaturo e à alteração da expressão gênica de citocinas inflamatórias. Além disso, foi possível confirmar que o efeito da CQ ocorre, em parte, devido à diminuição da ativação da via não canônica do NF-B. Posteriormente, tais DCs foram colocadas em cocultura com linfócitos T CD4+ naive e encefalitogênicas com o propósito de investigar seus efeitos em relação à capacidade proliferativa e ao tipo de célula T diferenciada.

Na avaliação da proliferação dos linfócitos T CD4+ naive e encefalitogênicos, observou-se que as DCs tratadas com CQ e CQ + LPS modularam as células T diminuindo sua propagação. Outro efeito observado na cocultura entre DCs tratadas com a CQ e linfócitos T CD4+ se refere ao perfil de linfócitos T diferenciados. As DCs tratadas com CQ induziram um ambiente anti-inflamatório típico de células Tregs, enquanto as DCs tratadas apenas com LPS induziram a diferenciação em linfócitos com perfis Th1 e Th17. Essa capacidade de induzir células Tregs é interessante, pois, tais células estão relacionadas com a terapia de doenças autoimunes devido as suas características.

Pesquisas têm identificado DCs em lesões de diversas doenças autoimunes, tais como artrite reumatoide (Tomas, Davis e Lipsky, 1994) e psoríase (Nestle, Turka e Nickoloff, 1994). DCs também têm sido relacionadas com o início de doenças autoimunes. Knight et al. (1988) mostraram que DCs desempenham uma função na iniciação e na manutenção da tireoidite, devido ao fornecimento de estímulos Ag-específicos para linfócitos T. Assim, o uso de DCs como terapia para doenças autoimunes tem sido amplamente estudada, seja para inibir sua imunogenicidade ou para aumentar o potencial tolerogênico (Comabella et al., 2010). Dentre as doenças autoimunes candidatas ao tratamento com tolDCs, destaca-se a Esclerose Múltipla, que apresenta características anti-inflamatórias e cujo modelo animal utilizado para estudo é a EAE. Neste sentido, após verificarmos que as DCs tratadas com CQ apresentaram alteração nos marcadores celulares necessários para ativação dos linfócitos T CD4+, expressão gênica com

perfil anti-inflamatório e modulação de linfócitos T CD4+ para um perfil regulador, em parte, devido à supressão da ativação da via não canônica do NF-, foram conduzidos ensaios para avaliar a relação dessa supressão com o efeito terapêutico dessas tolDCs na EAE. Para tanto, fez- se a avaliação do escore clínico e do peso corporal de camundongos nos quais foi induzida a EAE, após transferência adotiva das DCs moduladas in vitro. O desenvolvimento da doença nos animais que receberam DCs moduladas com CQ e CQ + LPS foi mais brando em relação aos animais que receberam DCs moduladas apenas com o LPS, sugerindo que o efeito da CQ de inibir a via não canônica nas DCs está entre os mecanismos responsáveis pelo potencial terapêutico de tais células.

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