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Capítulo 2: Incidência e quantificação de fungos em matérias-primas, produto final e ar

4. Discussão

No presente estudo, as farinhas integrais foram as matérias-primas que apresentaram maiores contagens de fungos, com valores médios de 4,80,70 log UFC/g e 3,10,18 log g UFC/g para farinha de milho e de trigo, respectivamente. Farinhas integrais, obtidas através da moagem de grão inteiro, apresentam maior contaminação, uma vez que é na parte externa do grão, no farelo do trigo e na casca do milho, que se encontram mais de 90% dos micro-organismos contaminantes (Sperber, 2007). Dentre as farinhas integrais, as amostras de farinha de milho apresentaram maior contamina ão f ngica (ρ<0,05). Tais resultados refletem a elevada contaminação naturalmente encontrada em grãos de milho possivelmente por falhas na secagem/estocagem deste grão (ICMSF, 2005; Pitt e Hocking, 2009). Além disso a alta contaminação do milho ocorre pois esta matéria-prima tem como maior destino a ração animal. A contaminação das farinhas de milho integral foi também elevada em relação a outros estudos de contaminação fúngica em farinhas de trigo branca (Weidenborner et al., 2000; Berghofer et al., 2003; Eglezos, 2010) e de trigo integral (Weidenborner et al., 2000). Além do elevado número de esporos, a contribuição da contaminação das matérias-primas, com foco nas farinhas, ao ambiente de processamento de pães, se deve ao fato dos esporos fúngicos serem capaz de sobreviver por longos períodos

nesta matriz (Weidenborner et al., 2000). Além disso, os esporos são facilmente dispersos através das partículas pelo ar e por sistemas de ventilação, comumente encontrados no interior das indústrias, podendo facilmente ocasionar contaminação cruzada do produto final.

A contagem de fungos filamentosos no ar do ambiente de processamento apresentou variação de 1,8 a 2,5 log UFC/m3. Estes resultados mostram que a contaminação não é uniforme e varia principalmente entre as etapas pré-processamento (sala de pesagem e masseira) e pós processamento (pós forno, resfriamento, fatiamento e em alagem) (ρ<0,05). Etapas do pré-processamento, como a sala de pesagem de micro ingredientes (conservante, aditivos, coadjuvantes,grãos) apresentaram as mais baixas contagens de fungos, com valores médios de 2,10,18 log UFC/m3. Estes resultados podem estar relacionados às mais baixas temperaturas desse ambiente e a baixa influência destes ingredientes como contaminantes do ar. Essa contagem de fungos não diferiu da etapa seguinte (ρ>0,05), onde se encontra a masseira e acontece a mistura e dosagem de macro ingredientes (água, farinhas, fermento) 2,10,15 log UFC/m3 . Nesta etapa, as amostras de ar foram coletadas tanto no instante em que a farinha era dosada, quanto no instante em que a mistura de ingredientes era realizada. As mais altas contagens de fungos filamentosos obtidas neste ponto de coleta foram relacionadas ao instante em que houve maior dispersão de pó de farinha ao ambiente.

As contagens de fungos filamentosos no ambiente das etapas do pós processamento não diferiram estatisticamente entre si em cada um dos quatro dias de coleta (ρ>0,05). Devido ao tempo de exposição dos pães (aproximadamente 80 min) ao ar do ambiente de resfriamento (contagem média de 2,40,12 log UFC/m3) e ao calor proveniente da saída do forno, a contaminação nesta etapa pode ser muito crítica. Além disso, as mais altas contagens de fungos filamentosos foram também observadas no ar das etapas seguintes, de fatiamento e embalagem, com valores de 2,5 log UFC/m30,07 e 2,4 log UFC/m30,11, respectivamente. Estes valores podem estar relacionados a proximidade ao ambiente de resfriamento e ao uso de sopradores que é comumente empregado em indústrias de panificação nas etapas pós processamento para limpeza de pisos e equipamentos, como as fatiadoras. Apesar de remover sobras e outros resíduos do ambiente de processamento, o uso de ar comprimido pode contribuir na dispersão de esporos fúngicos pelo ar. A mais crítica contaminação por fungos filamentosos nas áreas pós processsamento foi também observada por estudos recentes em indústrias de panificação (Cornea et al., 2011; Nakhchian et al., 2014).

A deterioração de pães pode ser resultado de recontaminação de esporos fúngicos entre a saída do forno e a etapa de embalagem. Através das simulações realizadas utilizando- se a equação descrita por Den Aantrekker (2003), que relaciona a distribuição da contaminação do ar durante processamento para obtenção da probabilidade de contaminação nas superfícies dos pães, cada pão pode ser contaminado com pelo menos 1,9 log UFC. Apesar deste valor estar próximo ao nível de detecção de contagem de fungos filamentosos pela técnica de diluição (2 log UFC/g), ele pode ser crítico. A presença de apenas um esporo é suficiente para causar deterioração no produto e que, em condições favoráveis, como flutuações de temperatura durante comercialização e/ou os pães serem embalados com temperatura um pouco mais elevada (resfriamento inadequado), resultará em deterioração antes de chegar ao consumidor. Uma vez que maiores contagens de fungos no ar foram encontradas nos ambientes de pós processamento, os pães quando expostos a estes ambientes também terão mais probabilidade de contaminação.

As principais matérias-primas utilizadas na produção dos pães integrais multigrãos (farinhas e grãos) apresentaram um valor médio de atividade de água de

0,520,01. Apesar da baixa atividade de água, fungos de campo, que crescem

predominantemente em maiores valores de atividade de água (AW > 0,90), pertencentes aos gêneros Alternaria e Fusarium foram isolados em amostras de grãos de linhaça e triticale (6%) e em amostras de farinha de milho integral (28%), respectivamente. A ocorrência desses fungos pode estar relacionada a contaminação dos grãos durante colheita e sobrevivência de esporos fúngicos nas etapas seguintes.

Fungos pertencentes aos gêneros Penicillium (45,6%) e Aspergillus (23,3%), capazes de crescer em menores valores de atividade de água, foram predominantes nas amostras de matérias-primas.

Apesar da variedade de espécies isoladas das matérias-primas, a ocorrência de cada espécie, bem como os aspectos de sua ecologia devem ser considerados ao se analisar a importância na deterioração dos pães integrais multigrãos. Espécies como A. candidus, E. amstelodami e A. flavus são xerofílicas, comumente presentes em regiões de clima tropical e associadas a deterioração de cereais, podendo ocorrer nos grãos, farinhas e nos pães (Weidenborner et al., 2000; Lugauskas et al., 2006; Pitt e Hocking, 2009). Espécies como P. commune e P. citrinum, apesar de alta ocorrência entre os isolados de matérias-primas, estão pouco associadas a deterioração de cereais (Ogundare et al., 2003; Pitt e Hocking, 2009). Já as espécies P. paneum, Paec. variotii, de mais baixa ocorrência e A. candidus, são espécies com potencial de deterioração de pães, uma vez que apresentam elevada tolerância a

conservantes, como ácido propiônico e/ou sorbatos e a baixos níveis de oxigênio (Samson e Frisvad, 2004; Pitt e Hocking, 2009). P. polonicum, presente tanto em farinhas integrais quanto nos grãos, foi isolada em 16% do total de amostras de matéria-prima e é reconhecida como importante espécie deterioradora e produtora de micotoxinas em cereais e produtos à base de cereais, contendo farinha de trigo (Samson e Frisvad, 2004). Outras espécies, como C. sitophila “red bread mould” e A. sydowii, de baixa frequência entre os isolados de matéria- prima, estão, entretanto, associadas a deterioração de pães e cereais (ICMSF, 2005; Pitt e Hocking, 2009).

A predominância dos gêneros Aspergillus (56,7%) e Penicillium (14,5%) entre os isolados das amostras de ar foi também observada em semelhantes estudos em indústria de panificados (Cornea et al., 2011; Nakhchian et al., 2014), como também como predominantes no ambiente de moagem de farinhas (Abdel Hameed, 2007). A ocorrência de espécies pertencentes a estes gêneros na matéria-prima pode contribuir para maior contaminação do ambiente de processamento, pois estes fungos produzem mais esporos em relação aos fungos de campo. Além disso, são em sua maioria, ubíquos, capazes de crescerem em ampla faixa de temperatura e atividade de água, sendo portanto de elevado interesse na deterioração dos produtos alimentícios, como os pães (Pitt e Hocking, 2009).

Dentre os isolados das amostras de ar, as espécies Aspergillus da seção Nigri (19,6%), A. flavus (27,2%) e fungos pertencentes ao gênero Rhizopus sp. (10,6%) foram encontradas em toda linha de processamento. Estes fungos estão associados a contaminação de cereais, pães e farinhas (Marín et al., 2002; Kumar et al., 2002; Ogundare e Adetuyi, 2003; Guynot et al., 2005; Lugauskas et al., 2006; Giray et al., 2007; Kurukshetra, 2011) e podem ocorrer no ar do ambiente de processamento de alimentos (Kure et al., 2004; Cornea et al., 2011; De Clercq et al., 2015). A alta porcentagem de distribuição de esporangiósporos por fungos pertencentes ao gênero Rhizopus através do ar ocorre facilmente, ocasionado elevado número de esporos dispersos no ambiente, facilitando a contaminação de equipamentos, superfícies e alimentos (Pitt e Hocking, 2009). De acordo com os resultados obtidos, pode-se observar que o número de isolados de A. flavus e Aspergillus da seção Nigri foi mais elevado no início da linha de processamento, em ambientes próximos a pesagem e mistura dos ingredientes. Estas mesmas espécies foram também isoladas de amostras de matérias-primas (farinhas integrais e grãos), o que reforça a importância da contribuição da matéria-prima como contaminante do ar do processamento.

As amostras de pães integrais multigrãos estocadas em diferentes temperaturas ao final da vida útil apresentaram valor médio de atividade de água de 0,957 0,01. Este valor,

em combinação com as temperaturas de estocagem em climas tropicais, é propício para o crescimento das espécies xerofílicas que foram isoladas das matérias-primas, pães e ar do processamento. O uso de barreiras, como conservantes, embalagens impermeáveis a umidade e oxigênio e de medidas de controle visando principalmente a redução da recontaminação dos pães após processamento devem portanto, ser consideradas para aumento da estabilidade microbiológica destes produtos.

A ocorrência de fungos nas amostras de pães (78%) foi observada em todas as temperaturas de estocagem. Dentre as amostras de pães pertencentes a um mesmo lote foram observadas tanto amostras que apresentaram deterioração quanto amostras que mesmo após longo período de estocagem em semelhantes temperaturas, sinais de deterioração não foram detectados. Essas observações reforçam a necessidade de se obter outros parâmetros que visem prever a contaminação dos pães no ambiente de processamento.

P. paneum foi a espécie predominante nos pães, isolada em 20% das amostras. Além da alta ocorrência nos produtos em final da vida útil, a presença desta espécie esteve também relacionada aos pães deteriorados, onde foi possível a observação de alterações nas características sensoriais (coloração, textura, odor). Fungos pertencentes a série e seção Roqueforti, como P. paneum, são comumente isolados de produtos de panificação (Nielsen e Rios, 2000; Suhr e Nielsen, 2004; Samson e Frisvad, 2004; Dantigny et al., 2005). A sua alta freqüência de ocorrência se deve principalmente à resistência destes fungos a ácidos orgânicos, como ácido propiônico e sais relacionados (como propionato de cálcio), comumente utilizados nas formulações de pães industrializados (Samson e Frisvad, 2004). Além disso esta espécie é capaz de tolerar baixos níveis de oxigênio e crescer em elevado teor de CO2 (Samson e Frisvad, 2004). Uma vez presente, e em condições favoráveis, os esporos provenientes de P. paneum poderão germinar e rapidamente ocasionar deterioração nos pães integrais, antes do final da vida útil. Devido a suas tolerâncias, esta espécie deve ser foco de estudos envolvendo conservantes, formulações de pães mais robustas, como em estudos que visem a utilização de embalagens ativas e atmosferas modificadas.

Espécies isoladas em pães (P. polonicum e Paec. variotii) são também de grande importância na deterioração dos pães integrais multigrãos. P. polonicum, segunda espécies mais isolada das amostras de pães (16%), é reconhecida como importante deterioradora e produtora de micotoxinas em cereais e produtos à base de cereais, contendo farinha de trigo e já foi isolada de grãos como trigo, centeio, cevada, aveia (Samson e Frisvad, 2004), farinhas, empanados de frango congelado (Wigmann et al., 2015) e tem o ar de ambientes internos como habitat típico (Samson e Frisvad, 2004). Apesar da baixa ocorrência nas amostras

analisadas, Paec. variotii, é resistente a conservantes, causando deterioração conhecida como “mouldy leather” e é considerado um contaminante u quo. Tem sido isolada de cereais (Loiveke et al., 2004), pães e produtos cárneos (Pitt e Hocking, 2009), cacau e chocolate em pó (Copetti et al., 2011), bebidas e também do ar ambiente das linhas de produção na indústria de alimentos (Pitt e Hocking, 2009). Além disso, a ocorrência destas espécies, tanto nas matérias-primas, quanto no ambiente de processamento, reforçam a atenção que deve ser tomada em relação ao controle das fontes de contaminação. Outras espécies isoladas dos pães, como P. spinulosum (4%), P. citrinum (4%), A. sydowii (4%), e C. sitophila (8%), tem sido isoladas e associadas a deterioração de cereais, farinhas e pães (ICMSF, 2005; Pitt e Hocking, 2009).

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