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A qualidade vocal representa uma das questões centrais no treinamento e na construção da proficiência no canto e é um recurso fundamental para a expressividade e a construção do discurso artístico (LAVER, 1980; SUNDBERG, 1987; BJORKNER, 2006). Diferentes qualidades vocais são solicitadas e utilizadas durante a voz cantada e acontecem pela integração de múltiplos fatores, em função da demanda expressiva e da técnica da performance musical. Demandas estas que exigem capacidade de controle ou administração das variáveis corporais envolvidas na produção do canto (ADLER, 1965; APPELMAN, 1986; SCARPEL, PINHO, 2001; BJORKNER, 2006; PINHO, 2007; SALOMÃO, 2008; MELLO, 2008).

As condições para a produção e o controle da voz cantada podem ocorrer por meio de vários comportamentos respiratórios (SUNDBERG, 1992; THOMASSON, 2003; STARK, 2008), mas é perceptível que cada manobra de respiração utilizada, dentro de um contexto ou de uma demanda de canto, pode resultar em qualidades vocais diversas, sugerindo correlação entre estratégia respiratória utilizada e qualidade vocal resultante.

A relação entre a respiração e a produção vocal é amplamente descrita na literatura fonética a partir da função exercida pelo aparato respiratório como provedor do suprimento aéreo e da pressão subglótica adequada à fonação (VAN DEN BERG, 1958; ABERCROMBIE, 1967; LAVER, 1980; LADEFOGED, 1996; MASSINI-CAGLIARI, 2001; SILVA, 2002).

Embora esta seja uma importante função do aparato respiratório para a fonação, as relações entre a respiração e a produção da voz ainda não são completamente conhecidas. Como descrito neste estudo, tal fato deve-se à natureza multifuncional das estruturas integrantes do aparelho fonador e de suas interações biomecânicas de extrema complexidade e difícil observação direta. A observação ou inferência de alguns desses processos, muitas vezes, depende por completo de instrumental tecnológico (SUNDBERG, 1987; FOURCIN, ABBERTON, 1999; PINTO, 2012).

Há, portanto, um princípio de que, tanto para a fala, quanto para o canto, existindo uma sobrepressão controlada nos pulmões, a produção vocal acontece independentemente do comportamento, do tipo ou da estratégia de respiração empregada. Tal pressuposto é corroborado pelo fato de que a pressão subglótica pode ser alcançada por meio da contração de diferentes grupos de músculos respiratórios, que se mobilizam e se adaptam a fim de promover a pressão subglótica suficiente para colocar as pregas vocais em movimento, com diferentes recursos de volume pulmonar (SUNDBERG, 1992; IWARSSON, THOMASSON, SUNDBERG, 1998; BJORKNER, 2006).

Por outro lado, a possibilidade da fonação acontecer por meio da mobilização e adaptação do aparelho fonador a partir de diferentes recursos aéreos aponta para características inerentes ao mecanismo vocal: a plasticidade das estruturas e a capacidade de diversidade das interações pneumofonoarticulatórias que o aparelho é capaz de realizar (LAVER, 1980; BJORKNER, 2006).

Tal condição dos sistemas envolvidos permite o controle e a variação da qualidade e dos aspectos da dinâmica vocal na fala e no canto. Ou seja, a fonação acontece independentemente da estratégia respiratória que a gerou, mas o produto vocal final é passível de variações.

No presente estudo, foi possível verificar, por meio dos dados acústicos e perceptivos, a coexistência destes dois aspectos que permeiam as relações entre respiração e produção vocal: a relativa independência fonatória e a interação das estruturas que a produzem.

A relativa independência da fonação sobre a respiração pode ser observada a partir da competência apresentada por todos os sujeitos de pesquisa em produzir, independentemente da estratégia respiratória utilizada, as tarefas solicitadas com emissão de voz cantada, assim como as intensidades propostas.

As interações, possivelmente promovidas pela respiração no aparelho fonador, foram reveladas por dados de natureza acústica, perceptiva e integrada das diferentes estratégias respiratórias. Tais dados evidenciaram diferenciações da qualidade vocal, em função da estratégia respiratória utilizada para a emissão do canto. A relação entre essas variáveis acústicas associadas às condições laríngeas

e à estratégia respiratória acionada também apontou para a relação entre a respiração e a qualidade vocal da voz cantada.

Pode-se deduzir que a diferença entre as estratégias tenha promovido condições variadas de volume de ar nos pulmões e alteração do posicionamento laríngeo, já que esta estrutura está ligada biomecanicamente aos pulmões pela traqueia, podendo sofrer tracionamentos diferenciados, dependendo do grau de ampliação dos pulmões. Um volume maior de ar inspirado (mobilização relacionada à estratégia respiratória costodiafragmática abdominal) está associado a um abaixamento mais significativo da laringe. Tal evento é denominado de “tracheal pull” ou tração da traqueia e oferece a correlação provável entre a estratégia respiratória, os dados acústicos e as condições laríngeas correspondentes apresentadas nesta pesquisa (SUNDBERG 1992; THOMASSON 2003; BJORKNER, 2006; CRUZ, 2006; CORDEIRO, PINHO, CAMARGO, 2007).

As análises realizadas nas amostras de voz cantada, representativas de trechos de canção e vocalizações, com solicitações respiratórias e intensidades diversas, permitiram estabelecer tais correlações entre as esferas de produção e percepção, sugerindo essa relação entre as estratégias respiratórias utilizadas e a qualidade vocal dos sujeitos de pesquisa.

Discutiremos, a seguir, o detalhamento dos achados que indicam esta possível interação da respiração e da qualidade vocal, em seus aspectos acústicos e perceptivos. Dessa forma, a discussão proposta buscará expor a reflexão acerca dos resultados da investigação realizada, a respeito dos efeitos acústicos e perceptivos que diferentes estratégias respiratórias podem promover na qualidade da voz cantada.

A separação das amostras entre as estratégias respiratórias clavicular (identificada nos resultados como alta) e costodiafragmática abdominal (identificada nos resultados como baixa) constituiu o ponto de partida para análise dos dados obtidos, a partir das amostras das tarefas de canto compostas por trechos de canção e vocalizações.

Durante a análise de resultados do presente estudo, o conjunto de medidas extraídas por meio do script ExpressionEvaluator (BARBOSA, 2009) permitiu a descrição das características acústicas das amostras de canto coletadas, a partir de

estratégias respiratórias diferentes. Além da extração das medidas acústicas, foi possível associarmos os resultados acústicos com a esfera perceptiva.

Aspectos da dinâmica vocal, como a intensidade e a altura (afinação), também revelaram resultados que reforçam a relação com a estratégia respiratória empregada.

A qualidade vocal, como resultante de um conjunto de ajustes recorrentes das esferas articulatória, fonatória e de tensão do trato vocal (LAVER, 1980), não pode ser traduzida em uma única medida acústica. Mas suas descrições, em termos das esferas acústica e fisiológica, são plausíveis se considerarmos os achados de correlações entre as variáveis relativas às medidas acústicas de declínio espectral e ao grau de tensão laríngea (LAVER, 1980; HAMMARBERG, GAUFFIN, 1995; CAMARGO, 2002; QUEIROZ, 2012).

Sob esse prisma, podemos verificar os resultados obtidos na análise discriminante de estratégia respiratória (Tabela 2), a qual apresenta um “efeito” acústico que será reiterado em outros dados: a possibilidade de diferenciação dos componentes acústicos da qualidade vocal das amostras emitidas, dependendo da estratégia respiratória acionada.

Como mencionado, efeitos promovidos pelas estratégias respiratórias na qualidade da voz cantada não apresentam correspondência direta com medida acústica específica. Mas as medidas acústicas da qualidade vocal podem revelar a relação entre as instâncias respiratória e fonatória. Tal interação é expressa, por exemplo, nos resultados obtidos para as medidas acústicas de desvio-padrão de declínio espectral e de média de declínio espectral, considerados indicadores robustos para a descrição das condições laríngeas durante emissões (SUNDBERG, 1987; SUNDBERG, 1992; IWARSSON et al, 1998; CAMARGO, 2002; PESSOA, 2012; QUEIROZ, 2012).

Detalhando os dados acústicos, destacamos a análise discriminante responsável por identificar a consistência das estratégias respiratórias a partir das medidas acústicas (Tabela 2). Os achados indicam maior capacidade discriminante das medidas acústicas para a estratégia de respiração baixa (55,41%), tendo como variáveis de maior influência as medidas acústicas de desvio-padrão do declínio espectral (72,1%) e de assimetria de intensidade (67,1%). Esse dado sugeriu maior

eficiência, por parte das cantoras, em realizar as tarefas do experimento a partir da estratégia respiratória costodiafragmática abdominal. Além disso, a análise permitiu a averiguação da diferença existente entre os componentes acústicos produzidos nas amostras de estratégias respiratórias diversas. No gráfico de centroides obtido para esse item (Figura 16), foi observada diferença entre os conjuntos gerados a partir das amostras de estratégias respiratórias clavicular (alta) e costodiafragmática abdominal (baixa). Esses conjuntos apresentaram reduzida área de intersecção com o outro, sendo o vetor da diferenciação a estratégia respiratória diversa. Ressaltamos ainda que uma das variáveis de maior influência neste resultado, a medida de desvio-padrão do declínio espectral, constitui importante medida do nível de tensão laríngea do estímulo aferido, sendo uma expressão acústica de elemento constituinte da qualidade vocal (SUNDBERG, 1987; SUNDBERG, 1992; IWARSSON et al, 1998; HAMMARBERG, GAUFFIN,1995).

Quando exploramos os dados de análise discriminante das estratégias respiratórias por conjunto de amostras das tarefas, realizadas separadamente enquanto trechos de canção (inicial e final) e vocalizações (oitava e sustentação de grave), as relações entre estratégias de respiração e medidas acústicas referentes à qualidade vocal mostraram-se mais consistentes.

Na análise discriminante realizada com as amostras das tarefas de trecho de canção inicial (sem sustentação de agudo) foi possível observar maior capacidade discriminante das medidas acústicas para a estratégia de respiração baixa (79,17%) em relação à alta (50,00%), tendo sido a medida de assimetria de declínio espectral (43,70%) a variável de maior influência para obtenção deste resultado, seguida pela semiamplitude entre quartis de f0 (21,60%) e quantil 99,5% de f0 (21,10%). Tais dados, apresentados na Tabela 3 e na Figura 17, reforçam a diferenciação entre os resultados sonoros obtidos, com a segregação das estratégias respiratórias solicitadas durante o experimento. Foi possível notar que esse conjunto de tarefas foi delineado no gráfico de centroides com maior distanciamento entre os conjuntos discriminados a partir das estratégias respiratórias, sugerindo que, durante a realização destas, os sujeitos de pesquisa alcançaram maior consistência na diferenciação das estratégias, fato que pode ser também associado à estrutura musical da tarefa trecho de canção inicial (sem sustentação de agudo): emissão cantada de melodia com letra, sons diversos (vogais e consoantes), sem situação de

sustentação de grave ou agudo ou saltos melódicos grandes (APPELMAN, 1986; BJORKNER, 2006; PINHO, KORN, PONTES, 2014).

Na análise discriminante realizada com as amostras de trechos de canção final (sustentação de agudo), os dados indicaram, mais uma vez, a capacidade discriminante maior para estratégia respiratória baixa, conforme informações expostas na Tabela 4 e na Figura 18. Medidas acústicas de assimetria de derivada de f0 (44,20%) e de assimetria de declínio espectral (39,50%) revelaram maior influência. Com esses dados, podemos reiterar a observância da influência que as medidas relacionadas às condições laríngeas representam na diferenciação qualitativa das amostras e a relação entre respiração e afinação, habilidade técnica especificamente exigida em situações de sustentação de nota em vogal, no caso sustentação de agudo em vogal [a] (SUNDBERG, 1987; DINVILLE, 1993; PINHO, KORN, PONTES, 2014).

Na análise discriminante realizada com as amostras de trechos de vocalização (oitava), podemos observar que as variáveis de maior influência foram assimetria de intensidade (56,9%), mediana de f0 (55,8%) e, novamente, a medida de assimetria de declínio espectral (54,4%). Esses resultados reforçam, mais uma vez, a relevância das medidas associadas ao nível de tensão laríngea (pelos valores de declínio espectral) e revelam, por meio das variáveis de intensidade e mediana de f0, as características peculiares da demanda técnica da tarefa de vocalização: onde há variação mais rápida de alturas e desafio de cantar, apenas com a vogal [a], um intervalo maior que supostamente perpassa várias regiões associadas a mudanças de registro vocal (SUNDBERG, 1987; SALOMÃO, 2008; GUSMÃO et al, 2010). A Tabela 5 apresentou que a capacidade discriminante das medidas acústicas para a estratégia de respiração baixa atingiu 64,15% contra 41,30% na alta. A Figura 19 reforça a composição acústica diversa produzida por essas duas estratégias respiratórias, o que possibilita a separação completa em dois grupos.

Finalmente, a análise discriminante realizada com as amostras de trechos vocalização (sustentação de grave) revelou maior capacidade discriminante das medidas acústicas para a estratégia de respiração baixa (58,33%) em relação à alta (35,14%), representadas na Tabela 6. As variáveis de maior influência foram as medidas de desvio-padrão de ELT (49,40%) e semiamplitude entre quartis

de f0 (32,20%). As estratégias respiratórias novamente puderam ser significativamente discriminadas. Observando a representação do gráfico de centroides da Figura 20, notamos dois conjuntos menos distanciados que os produzidos pelas análises discriminantes das tarefas trechos de canção (inicial) e vocalização (oitava). Fato que também pode ser observado no gráfico de centroides resultante da tarefa trecho de canção (final, sustentação de agudo). Essas diferenciações maiores ou menores, em termos de concentração das características acústicas, podem ser relacionadas à dificuldade específica apresentada por determinada tarefa do experimento como, por exemplo, a demanda de sustentação de determinado som, apenas com a vogal [a], tanto no grave quanto no agudo (SUNDBERG, 1987; PINHO, 1998; PINHO, KORN, PONTES, 2014).

Ainda com relação à análise discriminante a partir de medidas acústicas, alguns comentários adicionais mostraram-se importantes.

Para diferenciação dos sujeitos de pesquisa (cantoras – Tabela 7 e Figura 21), as medidas acústicas que apresentaram maior capacidade discriminante foram as da cantora 2 (78,87%), seguidas das cantoras 3 (69,86%), 4 (64,79%) e 1 (39,71%). As cantoras, portanto, foram capazes de produzir amostras de canto com características acústicas diferenciadas, sendo as variáveis de maior influência na separação o desvio-padrão do declínio espectral (75,3%) e a média do declínio espectral (73,2%). Podemos hipotetizar que a diferença de tensão laríngea entre as cantoras foi importante fator de diferenciação de qualidade vocal.

Para diferenciação dos níveis de intensidade, as variáveis de maior expressão foram o desvio-padrão de declínio espectral (84,80%) e a média de declínio espectral (84,10%), sugerindo conexão entre a intensidade produzida e a tensão laríngea (SUNDBERG, 1987; SALOMÃO, 2008; STARK, 2008; PINHO, KORN, PONTES, 2014). Nesse caso específico da intensidade, recurso da dinâmica vocal, é importante relembrar sua relação com as condições da pressão subglótica. A intensidade, assim como o aspecto da afinação, é produzida com o gerenciamento dessa pressão que afeta massa, espessura e comprimento das pregas vocais (SUNDBERG, 1992; PINHO, KORN, PONTES, 2014) Foi possível, sob este prisma, observar ainda que os dados da Tabela 8 revelaram maior capacidade discriminante das medidas acústicas para a intensidade forte (81,63%), sinalizando novamente a

questão do controle do suprimento aéreo e da pressão necessária nas tarefas do experimento. Assim, podemos refletir que a tarefa de variação de intensidade durante o canto, realizada por cantoras sem um treinamento profissional (provavelmente com menor controle da estabilidade laríngea durante as diferenciações de dinâmica), afetou a instância glótica. Tal dado foi revelado a partir dos valores acústicos de desvio-padrão de declínio espectral (84,80%) e de média de declínio espectral (84,10%). Esses dados estão demonstrados no gráfico de centroides da Figura 22.

Finalizando esta parte da discussão, temos o dendograma representativo da análise aglomerativa hierárquica de cluster (Figura 24), o qual apresenta distribuição similar de agrupamentos, relacionado ao fato de que as medidas que sofrem alteração, em função da estratégia respiratória, são as mesmas.

No que diz respeito à análise perceptiva, as correlações entre os efeitos das estratégias respiratórias e a qualidade vocal também foram observadas, além de outras interações na produção dos dados obtidos.

Nas análises discriminantes para as respostas de 1 a 5, por exemplo, o tipo de estratégia respiratória foi a variável mais influente para que os juízes avaliassem a agradabilidade (questão 3) e a afinação (questão 4) dos arquivos. Esta influência da estratégia respiratória, tanto em um aspecto da dinâmica vocal, passível de mensuração, como é a afinação, quanto para um conceito impressionístico associado à qualidade da voz ouvida, sugere a amplitude dos efeitos respiratórios nas avaliações perceptivas. Tal resultado corrobora os dados obtidos na análise acústica, que também apresentou aferições e dados que correlacionaram a estratégia respiratória como vetor de variação do produto vocal, nos âmbitos da dinâmica e da qualidade.

Ainda em relação às 5 questões da avaliação perceptiva, os julgamentos das intensidades forte ou fraca foram as variáveis de maior importância para que os avaliadores considerassem o parâmetro de intensidade (questão 2), indicando a alta capacidade dos juízes em reconhecer perceptivamente as diferenças entre os arquivos comparados.

E, em relação à qualidade de relaxamento (questão 5) entre os arquivos comparados e a diferença ou similaridade de emissão (questão 1), o maior fator de

diferenciação referiu-se ao sujeito de pesquisa (cantora). Novamente, podemos relacionar esse dado com os achados acústicos que permitiram a separação completa do conjunto de amostras cantadas, a partir das cantoras e da capacidade perceptiva dos juízes em detectar a diferença de relaxamento e de emissão (fatores associados à qualidade vocal), pela variável cantora.

As respostas da análise perceptiva também foram estudadas em relação às medidas acústicas, por meio da correlação canônica. Nesta análise, destacaram-se as correspondências entre as respostas às questões 1 a 5 com medidas acústicas de média e de desvio-padrão de declínio espectral (Tabela 10). Tal achado reforça, novamente, a correlação entre as esferas acústica e perceptiva na qualidade vocal cantada, visto que as medidas de desvio-padrão de declínio espectral e de média de desvio-padrão de declínio espectral são associadas às condições de tensão laríngea, elemento do trato vocal fundamental na produção da qualidade e da dinâmica vocal (SALOMÃO, 2008; STARK, 2008).

Ainda em relação à análise perceptiva, vale destacar que a quase totalidade das respostas confirmou a percepção de diferença entre as emissões dos arquivos colocados para escuta comparativa (questão 1). E a cantora 2, que obteve 78,87% como resultado na análise discriminante por sujeito de pesquisa, também teve seus arquivos mais facilmente diferenciados em relação aos julgamentos de intensidade, afinação e grau de relaxamento vocal na avaliação perceptiva por parte dos juízes avaliadores.

Reiteramos que, embora não seja possível estabelecer uma relação de determinação entre as estratégias respiratórias e a qualidade vocal na voz cantada, há indícios, nos dados obtidos, de que as estratégias respiratórias utilizadas durante o canto podem promover interações no aparelho fonador. Tais interações possivelmente acarretam mudanças, não só nos mecanismos de controle da dinâmica vocal, mas também nas configurações e nos ajustes pneumofonoarticulatórios, e podem ser percebidas pelas qualidades vocais produzidas.

A diferenciação da qualidade e dos recursos da dinâmica vocal interfere na produção de significado e expressão (LAVER, 1980; SHERER, 1991). Assim, entendemos que a escolha da estratégia respiratória pode afetar, além da proficiência técnica, as significações no discurso expressivo do canto, uma vez que

foi observada sua potencialidade em influenciar e promover diferentes efeitos no parâmetro qualidade e nos aspectos da dinâmica vocal.

A partir desses indícios, buscando maior consciência acerca do funcionamento do corpo para produzir e controlar os recursos expressivos, pensamos no canto como uma refinada coreografia7 interna do aparato vocal. Para

realizá-la, a compreensão dos ajustes corporais subjacentes às descrições metafóricas da voz pode oferecer uma possível ferramenta pedagógica e artística capaz de elucidar dúvidas ou incrementar informações advindas da explanação dos processos vocais, por meio do recurso impressionístico e metafórico.

Para alcançar tal compreensão, a integração das esferas perceptiva e acústica acerca da questão respiratória na qualidade vocal do canto foi a via que permitiu, para esta pesquisa, refletir sobre possíveis correlatos acústicos dos ajustes promovidos entre os sistemas atuantes na produção vocal. Os dados perceptivos e acústicos são, sob esta perspectiva, provedores de informações sobre os ajustes realizados pelas estruturas do aparelho fonador para a produção da voz cantada.

Com estes subsídios, a qualidade vocal e a variação da gradiência nos aspectos da dinâmica vocal tornam-se pistas sonoras de variados e refinados ajustes acionados durante o canto. Tal perspectiva redimensiona o recurso perceptivo, que passa a não só fornecer sensações metafóricas sobre o som, mas oferece pistas sobre os ajustes relacionados em sua produção.

Dessa forma, podemos sugerir que estratégias respiratórias diferentes são capazes de promover interações e coreografias pneumofonoarticulatórias

7 O termo “coreografia” vem do grego e expressa, de maneira geral, “grafia da dança”, roteiro

de movimentos que compõem uma dança. Expressão corporal em que os desenhos coreográficos são formados a partir de movimentações e onde há relação entre movimentações coordenadas e

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