• Nenhum resultado encontrado

O Código Florestal passou por diversas alterações em seu conteúdo, desde a sua primeira versão em 1934 que possuía um caráter de regular a exploração dos recursos naturais, sobretudo os florestais madeireiros, até a versão de 1965 que inaugurou um caráter mais conservacionista, contemplando a importância da conservação dos recursos naturais para a sua manutenção e para a qualidade de vida.

Entretanto, foi na década de 1990 onde se realizou a maior quantidade de alterações no conteúdo da lei, sendo produzidas 67 alterações por meio de Medidas Provisórias somente para a Reserva Legal entre os anos de 1996 a 2001. Grande parte das alterações realizadas buscava reduzir e controlar o desmatamento na Amazônia e foi nesse período onde importantes definições foram delineadas para a Reserva Legal, como o seu conceito e percentual a ser mantido como RL.

Em resposta às diversas alterações produzidas na legislação e no significativo aumento da fiscalização do desmatamento, que resultaram em penalizações e embargos de propriedades rurais, no ano de 2009 institui-se uma Comissão Especial para discutir um Projeto de Lei75 que propunha a alteração do Código Florestal. Em 2012, após um longo período de discussão no Congresso Nacional e ampla mobilização nacional, aprova-se a Lei n° 12.651 que institui o novo Código Florestal (NCF).

As alterações produzidas no NCF buscam conciliar o anseio tanto do setor produtivo quanto do setor ambientalista, porém, inevitavelmente não é capaz de corresponder plenamente às demandas de cada segmento. O setor produtivo se demonstra insatisfeito com o percentual exigido para a Reserva Legal em áreas de floresta na Amazônia Legal, por exemplo. Ao passo que o segmento conservacionista se posiciona contrário à anistia das infrações cometidas até o marco temporal de 22 de junho de 2008.

Por outro lado, o NCF trouxe mecanismos inovadores tanto para o monitoramento e controle, a exemplo do CAR, como mecanismos de incentivo à adequação ambiental, como o esquema de compensação ambiental. Entretanto, passados seis anos desde a promulgação da nova lei, o prazo para inscrição dos imóveis rurais no CAR foi prorrogado pela segunda vez, com a justificativa de que nem todos os proprietários rurais conseguiram realizar o cadastro, pelo fato de que alguns estados ainda estarem desenvolvendo seus ambientes de cadastro. Como consequência disso, a situação ambiental das propriedades rurais não está oficialmente esclarecida, dificultando a aplicação da lei, desenvolvimento e implantação de mecanismos que contribuam para o cumprimento da mesma.

Essa é a situação do Estado de Mato Grosso, o maior exportador de grãos do país e também um dos estados na vanguarda da elaboração de sistemas de monitoramento

ambiental das propriedades rurais, até o momento não finalizou o processo de migração e retificação da base de dados do SICAR para seu sistema próprio, o SIMCAR. Até meados de junho de 2018, aproximadamente 40% dos imóveis rurais do Estado foram migrados e retificados para o sistema estadual e apenas oito PRAs foram firmados.

A decisão do governo do Estado em desenvolver seu sistema próprio após ter aderido ao sistema federal se justificou para melhorar a qualidade da informação produzida pelo sistema. Por outro lado, o tempo de espera para o desenvolvimento do ambiente estadual e a operacionalização do mesmo tem resultado em expectativas quanto à eficácia da decisão.

Na realidade, essa situação se soma ao histórico dos sistemas de monitoramento ambiental desenvolvidos em Mato Grosso que, apesar de inovadores, foram sendo aprimorados ao longo do tempo resultando na morosidade do seu funcionamento satisfatório e regularização da situação dos produtores que cumpriram com os protocolos requeridos. Esse cenário acaba corroborando para a insatisfação do setor produtivo que, por um lado é exigido de que cumpra com as burocracias e respectivos custos para a regularização, mas em contrapartida, não recebem a segurança jurídica e os benefícios do sistema funcionar com agilidade e precisão.

Por outro lado, é importante pontuar que operacionalizar esses sistemas de monitoramento e controle remoto não é uma tarefa trivial, pois exige investimentos pelo Estado na contratação de serviços de desenvolvimento das ferramentas, que também foram evoluindo ao longo dos anos em qualidade, equipamentos tecnológicos, investimentos em mão-de-obra técnica capacitada e suficiente para a execução das tarefas e na melhoria da gestão interna. Além disso, as mudanças de gestão pública ao longo dos anos é um fator que deve ser considerado, pois frequentemente influencia na tomada de decisão acerca das prioridades políticas dos órgãos públicos.

Considerando o mecanismo de compensação de Reserva Legal, objeto desse estudo, como apresentado anteriormente, o mecanismo vem sendo considerado como promissor para estimular a adequação ambiental das propriedades rurais, uma vez que o custo de adequação deve ser menor do que o da restauração. Por outro lado, até junho de 2018 o mecanismo não foi regulamentado e alguns aspectos do seu funcionamento não estão claros. A ausência de regulamentação pelo governo federal contribui para que

a maior parte dos estados, inclusive Mato Grosso, não tenha desenhado a forma de funcionamento do mecanismo.

O NCF permite que a compensação seja realizada entre imóveis rurais dentro do mesmo Bioma. Considerando essa possibilidade, se uma propriedade localizada em um Estado decidir por compensar sua RL em outro, não está definido de quem será a responsabilidade pela gestão dessa área, se será de um dos entes federativos ou do próprio governo federal através do SICAR, por exemplo. Além disso, caso a compensação entre Estados seja possível, será necessário um bom sistema de informação e mecanismos de gestão bem definidos para garantir que o mecanismo funcione com segurança jurídica para todos os atores envolvidos, sobretudo, aos proprietários rurais.

Outros aspectos que precisam ser mais bem definidos são o tempo de duração dos contratos, custos de transação, áreas prioritárias, preços e forma de pagamento. Em relação ao mercado de compensação por meio de compra e venda de CRA em mercado futuros, a questão do tempo de duração dos contratos é complexa e sem definição prévia. Qual seria o tempo adequado de contrato para considerar que o produtor com passivo regularizou a situação ambiental do seu imóvel? Por exemplo, considerando que um proprietário rural compre CRA em uma plataforma oficial, por quanto tempo ele deverá pagar para que o seu passivo seja considerado regularizado? Esse esquema parece promover a regularização ambiental baseada puramente em critérios financeiros e não se sabe qual o benefício ambiental que poderá ser gerado enquanto não houver diretrizes e critérios definidos.

A definição de áreas prioritárias para a compensação é uma tarefa importante e que deve ser desempenhada pelos estados. São os entes federativos que tem as melhores condições para definir as localidades prioritárias para a conservação devido à importância ecológica e também devido à pressão por desmatamento. Em Mato Grosso, por exemplo, o Estado está considerando as áreas dentro de Unidades de Conservação que carecem de regularização fundiária como prioritárias para a compensação. Apesar de essa priorização resolver a questão da indenização do proprietário do imóvel rural situado no interior da UC, pois o Estado não tem condições financeiras de arcar, essa medida não promove adicionalidade ambiental.

Mesmo que a prioridade da SEMA seja resolver as pendencias fundiárias dentro das UCs, a ausência de um banco de dados que indiquem as áreas prioritárias para a

regularização, com critérios que selecionem áreas com elevado valor ecológico ou que estão sendo pressionadas pelo desmatamento, seriam medidas importantes para direcionar o processo de compensação. Outra questão que chama atenção é o fato de que a SEMA mesmo como vanguarda no processo de monitoramento ambiental, uma vez que o realiza aproximadamente desde os anos 2000, ainda não possui um mapeamento das áreas prioritárias para conservação com base em valor ecológico e pressão por desmatamento que poderiam ser utilizadas para orientar a compensação de RL. Ainda, a ausência desse banco de dados que oriente os proprietários rurais na melhor tomada de decisão pode reforçar a insatisfação desses indivíduos em relação ao órgão, uma vez que têm de buscar áreas com pendência fundiária dentro de UC por meios próprios, podendo elevar o custo da compensação com a contratação de serviço específico para isso e, até mesmo, resultar em uma transação com falta de segurança jurídica.

Por outro lado, entende-se que a prioridade da SEMA no presente momento é realizar a retificação para regularizar a situação dos cadastros dos imóveis rurais e avançar no processo de validação dos mesmos no SIMCAR. Compreende-se que essa é uma tarefa anterior à compensação e essencial para garantir que o Estado cadastre 100% das propriedades rurais até 31 de dezembro de 2018. Dito isso, espera-se que a SEMA avance na definição de áreas prioritárias que possam resultar em adicionalidade ambiental e conservação de áreas de elevado interesse ecológico, para além de resolver as pendências fundiárias de páreas dentro das UCs.

Outro fator apontado como relevante para o funcionado do esquema de compensação é a percepção do proprietário rural com passivo e ativo. Conforme apresentado anteriormente, em Mato Grosso existem três tipos de potenciais vendedores e três tipos de compradores de CRA e compreender suas necessidades é importante para viabilizar o esquema de compensação no Estado. Para eles, a duração dos contratos e o preço das cotas foram os principais pontos de divergência. Basicamente, os potenciais vendedores tem interesse em contratos de menor duração e preço de oferta próximo ao do hectare produtivo, já os potenciais compradores têm interesse em contratos mais longos e um valor de compra bem inferior ao do hectare produtivo.

Considerando que a prioridade do Estado de Mato Grosso, até o presente momento, é realizar a compensação em áreas de UCs, o potencial comprador de CRA

provavelmente será atraído a adquirir áreas dentro de UC, pois é uma forma de resolver sua situação de forma permanente. Além disso, é importante que o Estado elabore estratégias para incentivar aqueles proprietários com ativo de vegetação nativa passível de desmatamento legal a entrarem no esquema de compensação. Proprietários com ativo em áreas onde o custo de oportunidade é elevado, possivelmente destinarão suas áreas para o uso produtivo, pois dificilmente receberão por elas o equivalente para serem preservadas.

A presente pesquisa objetivou realizar entrevistas com produtores rurais no município de Querência para verificar, de forma correlata ao trabalho realizado por Giannichi et. al (2017), elementos importantes para o funcionamento do esquema de compensação na percepção de potenciais compradores e vendedores de CRA no município. Por outro lado, o setor produtivo da região não se demonstrou aberto para dialogar sobre o tema, o que indica um desgaste sobre o assunto que perdura desde a época em que o município foi autuado pelo IBAMA e inserido na lista dos municípios prioritários para o controle do desmatamento. O Sindicato Rural cedeu um espaço no café dos produtores para apresentar os objetivos da pesquisa e contribuiu com diversas indicações de produtores a serem contatados. Mesmo com apoio de uma instituição local, os produtores foram resistentes em colaborar com a pesquisa.

Apesar disso, os entrevistados demonstraram compartilhar pontos de vista semelhante em pontos que serão discutidos a seguir. Os resultados das entrevistas realizadas indicam que existe uma expectativa de que o NCF seja alterado novamente, principalmente devido ao percentual estabelecido para preservação da RL em áreas de floresta no Bioma Amazônia. Para os entrevistados a proibição de utilizar 80% de uma propriedade rural restringe o direito particular sobre a propriedade, limitando a possibilidade de geração de renda. Para eles, se a justificativa de preservar 80% da propriedade rural com vegetação nativa se deve pelo bem comum da sociedade, os proprietários rurais deveriam ser remunerados por essa restrição.

Todos foram unanimes quanto à importância das APPs para a qualidade e disponibilidade hídrica e como áreas importantes para conformar corredores ecológicos e acreditam que os critérios para as APPs deveriam ser mais rigorosos do que os definidos no NCF. Por outro lado, demonstraram que não enxergam a importância da RL do ponto de vista ecológico.

Os produtores rurais se demonstram ressentidos quanto à falta de valorização pela sociedade do produtor rural quanto produtor de alimentos para o Brasil e o mundo. Além da falta de valorização, acreditam que são mal vistos pela sociedade em geral devido às questões ambientais, como se não preservassem o meio ambiente. Nesse aspecto, pontuam que organizações não governamentais ambientalistas tem um papel importante em propagar essa imagem negativa sobre os produtores rurais. Por outro lado, essa narrativa do setor produtivo não é algo recente, pois vem sendo utilizado desde a época de alteração do Código Florestal como argumentação para as alterações estão bem apresentadas no relatório76 do então deputado federal Aldo Rebelo.

Além disso, apontam que o próprio Estado incentivou a supressão da vegetação nativa durante o processo de colonização do território e, anos mais tarde, passou a fiscalizar e penalizar aqueles que não estavam cumprindo com a legislação ambiental. Porém, essa questão é complexa uma vez que se trata de diferentes épocas e entes públicos como o governo federal e estadual, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a antiga Fundação Estadual do Meio Ambiente (atual SEMA) e agentes privados, como as empresas colonizadoras, no caso de Querência a Copercana, e os bancos que concediam crédito para subsídio da atividade agrícola. Nesse sentido, nota-se uma dificuldade de articulação entre os diversos órgãos públicos e privados na condução das políticas de colonização e de proteção ambiental de forma coordenada e coerente, resultando em impactos indesejados ao público beneficiário, no caso o desmatamento desorientado e sua consequente penalização.

Sobre o esquema de compensação, os produtores demonstraram compreender o funcionamento da compensação em áreas passíveis de regularização no interior de UCs, mas afirmaram não ter conhecimento suficiente sobre a possibilidade de compensar entre propriedades rurais. Apenas um dos produtores com passivo optou pela servidão ambiental como forma de compensação, os demais demonstraram interesse na aquisição de áreas no interior de UC.

Além disso, o único produtor entrevistado que possui excedente de vegetação nativa em RL afirmou que pretende destinar a área para uso produtivo quando obtiver a licença para desmatamento da área. Pontuou que estaria disposto a participar de um esquema de compensação, caso recebesse pela área o equivalente ao uso produtivo para

grãos. Essa situação demonstra a importância de o Estado desenvolver medidas que promovam a valorização dos ativos ambientais em áreas de alto custo de oportunidade.

Frente ao exposto, o município de Querência se consolidou como uma dos principais produtores de soja de Mato Grosso, com vastas áreas destinadas para abastecer o mercado externo. Como consequência disso, o custo de oportunidade da terra produtiva é elevado, sendo estimado em torno de R$ 480,00/hectare/ano, valor dez vezes superior ao da pecuária no município, por exemplo.

Os produtores entrevistados demonstraram uma visão orientada pela racionalidade econômica e indicaram que não pretendem reduzir área produtiva para introduzir a restauração e buscam o menor custo para a adequação. Para a compra de áreas dentro de UCs foi indicado o valor de R$ 1.000 por hectare e para a compra de área com floresta nativa no noroeste de Mato Grosso foi indicado o valor de R$ 800 por hectare. Esses valores são significativamente inferiores ao da restauração pela técnica de muvuca, técnica muito utilizada na região, com valor de R$ 6.600 por hectare.

Apesar do déficit de vegetação nativa em RL do município ser significativamente maior que o excedente de RL, 220.731 hectares e 35.128 hectares, respectivamente, a área de ativo poderia ser utilizada para a compensação de RL entre propriedades rurais. Por outro lado, os resultados desse estudo indicam que possivelmente as áreas de ativo serão convertidas em áreas produtivas, visto que o custo de oportunidade da produção agrícola é elevado.

Além disso, os resultados desse estudo corroboram com a pesquisa realizada por Giannichi et al. (2017) de que as diferenças acerca dos proprietários rurais devem ser consideradas no desenho de instrumentos de conservação, como é o caso do mecanismo de compensação de RL. Especialmente, em relação ao preço e duração dos contratos, pois potenciais compradores e vendedores possuem expectativas diferentes e é fundamental harmonizá-las para que o mercado de compensação seja funcione.

Documentos relacionados