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Discussões sobre tecnologia social

2 Inovação Social

2.2 Evolução das discussões sobre inovação social

2.2.1 Discussões sobre tecnologia social

Na realidade brasileira, tem se falado muito de tecnologia social por dois fatores: 1) devido aos movimentos como as Redes de Economia Solidária (RES’s), o das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP’s), o de empresas recuperadas, e os de empreendimentos autogestionários, que utilizam a Rede de Tecnologia Social (RTS) como uma oportunidade de integração social; 2) em decorrência do cenário político focado em uma globalização que favorece um crescimento puramente econômico, provocando um desenvolvimento desigual e predatório (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

A partir de então, a Rede de Tecnologia Social (RTS) tem se mostrado interessada em apresentar um marco analítico-conceitual do que é Tecnologia Social (TS), buscando contextualizar aspectos históricos e conceituais da expressão TS, sem necessariamente, apresentar uma preocupação com o fechamento de um conceito, mas de apresentar elementos constitutivos para o entendimento da TS (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

Igualmente ao conceito de inovação social, o conceito de tecnologia social surge através da crítica ao modelo de desenvolvimento tecnológico e apresenta como proposta a lógica da sustentabilidade e solidariedade (JESUS; COSTA, 2013). O desenvolvimento tecnológico encontra-se “truncado” por uma matriz global e pelos efeitos das ideologias dominantes na cultura da comunidade científica derivados da institucionalidade dos discursos históricos e das transformações contemporâneas através da produção e aplicação de tecnologias (DAGNINO, 2006). Assim, o conceito de tecnologia social critica os modelos lineares e dogmáticos, buscando avançar em uma concepção vinculada a um novo paradigma da tecnologia.

A tecnologia social desdobra-se do conceito e das práticas da tecnologia apropriada (TA), sendo que incorpora elementos ausentes, a exemplo da perspectiva de que acumula a neutralidade da ciência e tecnologia e refuta o determinismo tecnológico (evolução linear e inexorável em busca da eficiência) (FEENBERG, 2010).

O movimento das tecnologias apropriadas incorporou não apenas os aspectos tecnocráticos do paradigma determinístico da tecnologia, mas também absorveu, em seu conceito, os aspectos culturais, sociais e políticos e propôs um novo modelo de desenvolvimento (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004). Assim, durante as décadas de 70 e 80, as tecnologias apropriadas avançaram, significativamente, na produção de artefatos tecnológicos baseados nessa nova perspectiva (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

As críticas sofridas pelas tecnologias apropriadas eram embasadas pelo não cumprimento de apresentar soluções tecnológicas para situações emergenciais dos países do Terceiro Mundo, e na ameaça de que gerir tecnologias em países periféricos poderia alterar a natureza capitalista presente na adoção de tecnologias convencionais (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

Assim, a adoção de tecnologias apropriadas foi fragilizada por não ter envolvido grupos da sociedade civil capazes de conceber os processos de geração e difusão dos conhecimentos, partilhar os valores e objetivos da equidade, e fazer com que a tecnologia apropriada fosse, de fato, adotada dentro dos contextos específicos, e capaz de gerar um movimento auto-sustentável (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

O marco teórico da tecnologia social supre as fragilidades da tecnologia apropriada, constituindo-se em um processo do qual o conhecimento criado tenha o objetivo de atender aos problemas sociais, sendo a participação dos atores fundamental para a implementação e difusão dessas tecnologias.

O conceito de tecnologia social foca em iniciativas bem-sucedidas, localmente, que representam soluções para a inclusão social e melhoria das condições de vida, garantindo bens, resultados materiais e, de processo (ITS, 1998). Assim, os resultados são fundamentados na participação democrática, produção e distribuição de conhecimentos e aprendizagem entre todos os envolvidos, possibilitando a transformação da sociedade para um caminho mais sustentável (ITS, 1998).

Três características podem ser apresentadas para o entendimento de tecnologia social: a) provoca fortalecimento da democracia pela construção e resultados de baixo custo; b) alta capacidade de adequação e difusão dos projetos; sua abordagem evidencia a mobilização da sociedade no enfrentamento de problemas sociais; c) a atuação das instituições de forma integrativa motiva a participação dos diversos sujeitos e estabelece uma rede de relações solidárias nas suas atividades em prol de políticas públicas dirigidas ao desenvolvimento sustentável (SOUZA, 2012).

Bava (2004) apresenta um conceito que vai além da capacidade de implementar soluções para problemas sociais, o autor a apresenta como métodos e técnicas que estimulem os processos de empoderamento da sociedade civil para capacitá-los a disputar espaços públicos e alternativos de desenvolvimento econômico e social.

A perspectiva teórica da tecnologia social dá atenção ao processo, ao caminho de uma configuração sociotécnica que vai se desenhando ao longo de um percurso, mas que não tem uma definição exata. A tecnologia social incorpora a ideia de que existe um processo de

inovação interativo em que o ator social está diretamente envolvido com a função inovativa ao mesmo tempo, tanto para a oferta quanto para a demanda da tecnologia (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).

Assim, a definição de tecnologia social é “um conjunto de técnicas e procedimentos, associados a formas de organização coletiva, que representam soluções para a inclusão social e melhoria da condição de vida” (LASSANCE JUNIOR; PEDREIRA, 2004, p. 66). As características dessas tecnologias se orientam pela simplicidade, baixo custo, fácil aplicabilidade e impacto social, mas não estão, necessariamente, associadas a organizações coletivas (LASSANCE JUNIOR; PEDREIRA, 2004). Tecnologia Social significa contribuir para a melhoria das práticas de intervenção social de diversos atores que se propõem a desenvolvê-las.

A tecnologia social pode ser definida a partir da relação de dependência com as redes de atores, como resultado da ação de um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico e de um acordo social, os quais ensejam um controle (autogestionário) e uma cooperação (voluntária e participativa), permite uma transformação do ambiente ou produto a partir da decisão de um coletivo (DAGNINO, 2009).

O conceito de tecnologias sociais tem como objetivo articular uma visão não- determinística da tecnologia, reconhecendo o papel dos atores envolvidos, bem como promover a dinâmica de produção coletiva do conhecimento. Assim, a partir das contribuições teóricas elencadas, a tecnologia social é definida dentro de uma perspectiva construtivista pela interação de seus agentes, desenvolvimento do conhecimento, e do desenvolvimento econômico e social, representando uma resistência ou uma insatisfação à tecnologia convencional (DIAS; NOVAES, 2009), dentro de uma ideia distante do lucro e alicerçado na solidariedade e participação dos atores sociais.

Surge assim a necessidade da difusão de tecnologias que permitam a recuperação de uma cidadania dos segmentos mais penalizados, a reintegração social da população marginalizada e a construção de um desenvolvimento mais sustentável. Por isso, a tecnologia social tem como elemento central a emancipação dos atores envolvidos, o que torna o seu processo de produção e utilização parte da construção da cidadania deliberativa, a que a pessoa toma consciência da sua função como sujeito social, e não adjunto, e como tal passa a ter uma presença ativa e solidária nos destinos da sua comunidade (TENÓRIO, 1998).

A participação da população é sugerida como forma de garantir a efetividade da solução tecnológica, pois a vivência cotidiana da população com a situação do problema alia

os conhecimentos e suas diferentes formas de saberes, conferindo-lhes capacidade de participar do processo de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia.

Dagnino, Brandão e Novaes (2004) enfatizam a importância dos atores ou grupos sociais neste processo de transformação social, de modo que potencializam as ações fruto de uma construção coletiva influenciada pela interação entre os atores e pelas próprias condições do meio no qual é desenvolvida.

Dessa maneira, o conceito de tecnologia social traz uma adequação sociotécnica para seus pressupostos, cuja adequação cunha a ideia de construção social da realidade, em que os indivíduos interpretam sua realidade cotidiana e transformam sua capacidade intersubjetiva de ressignificá-la, possibilitando gerar novos modos de organização face as suas perspectivas. A construção do conceito da adequação sociotécnica parte das ideias construtivistas da tecnologia, na busca de minimizar uma tensão entre o determinismo tecnológico e o determinismo e a incapacidade de gerenciar a complexidade da mudança tecnológica (VALADÃO; ANDRADE, 2012).

Nesse contexto, a adequação sociotécnica pode ser entendida como um processo que busca promover uma adequação de um conhecimento científico e tecnológico e integrar um conjunto de aspectos sociais, econômicos e ambientais que constituem a relação à Ciência, Tecnologia e Sociedade (DAGININO, 2009).

A melhoria efetiva das condições de vida constitui-se em um dos principais objetivos do desenvolvimento de tecnologias sociais. Por essa razão, pode-se afirmar que as práticas que envolvem tecnologia social encontram-se em sintonia com a definição de inovação social. Os conceitos de tecnologia social, inovação social estão relacionados e possuem uma proposta comum centrada na ideia de transformação social, de desenvolvimento comunitário sustentável, os quais são as necessidades mais urgentes (OLIVEIRA; SILVA, 2012).

Alguns autores equivalem o conceito de inovação social ao de tecnologia social porque faz referência ao conhecimento intangível e incorporado a pessoas ou equipamentos, táticos ou codificados, que tem por objetivo o aumento da efetividade dos processos, serviços e produtos relacionados à satisfação das necessidades sociais (DAGNINO, 2009; DIAS; NOVAES, 2009).

Para aprofundar a discussão, realiza-se um exercício de reflexão com base nos conceitos de inovação social e tecnologia social apresentados pelos autores que são referência na área (Figura 2). Alguns constructos se assemelham, a saber: transformação social; formação de redes de relacionamento; construção da cidadania deliberativa; e construção social da realidade.

Figura 2 – Similaridades entre os constructos de TS e IS

Fonte: Elaborado pela autora (2015)

Os constructos apresentados como similares encontram-se na dimensão social, com foco na coordenação, integração da pluralidade de atores envolvidos (GÓMEZ et al., 2014), e inclusão social, permitindo um ambiente de cooperação e participação da sociedade civil no planejamento, monitoramento e avaliação de políticas sociais, resultando assim, melhoria na condição de vida das pessoas (OTTERLOO, 2010).

Um trabalho desenvolvido por Gómez et al. (2014), com o objetivo de analisar as diferenças entre os conceitos acima citados na percepção dos especialistas brasileiros que desenvolvem trabalhos na área, mostra que no processo, nos resultados e nas implicações e desdobramentos dos dois campos de estudo, apresentam divergências, conforme apresentado na Figura 3.

Figura 3 – Divergências entre os constructos de TS e IS

Fonte: Adaptado de Gómez et al. (2014)

Mesmo considerando os dois conceitos, suas relações, modelos e implicações complexas, tornando-os dentro de campos de conhecimento em construção (GÓMEZ et al., 2014), esse trabalho assume que as inovações sociais e tecnologias sociais possuem o mesmo objetivo da transformação social, porém, com propósitos diferentes. Assim, as inovações sociais têm o propósito de desenvolver tecnologias sociais (métodos, metodologias ou produtos) que incorporem a partir do processo de construção até sua aplicação o propósito da inclusão social e desenvolvimento econômico, social e ambiental.