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O papel do ator organizacional na “dimensão necessidades sociais”

2 Inovação Social

2.4 Dimensões e papéis do ator organizacional

2.4.2 O papel do ator organizacional na “dimensão necessidades sociais”

Alguns autores apresentam a inovação social focada no desenvolvimento e implementação de novas ideias (produtos, serviços e modelos) para atender às necessidades sociais e gerar impactos positivos e criar valor social (LÉVESQUE, 2002; CLOUTIER, 2003; MOULAERT et al., 2005; FARFUS; ROCHA, 2007; MULGAN, 2006; ASSOGBA, 2010; SHARRA; NYSSENS, 2010; HULGARD; FERRARINI, 2010; CAULIER-GRICE et al., 2012; DAVIES et al., 2012; GUYON; BESANÇON, 2013). Isso representa uma busca por respostas para as demandas sociais.

A inovação social possui um processo pelo qual respostas às necessidades sociais são desenvolvidas a fim de oferecer melhores resultados sociais, tendo como a primeira etapa a

identificação das necessidades sociais não satisfeitas ou que não foram suficientemente atendidas. Assim a dimensão necessidades sociais está relacionada com a primeira etapa da dimensão processo, bem como gera uma relação direta com a dimensão ganhos e respostas socais, por promover o desenvolvimento de novas soluções. Pelos motivos elencados, esta tese defende que a dimensão necessidades sociais tem importância suficiente para se colocar como uma dimensão isolada das demais.

As necessidades sociais não são consideradas um dado, mas uma co-construção real da sociedade civil, em um processo de baixo para cima, caracterizado como democrático. Assim, o conteúdo da inovação social deve se concentrar em como os seus objetivos são definidos e construídos pela sociedade civil, para colocá-la em prática, e qualificar o propósito da inovação como socialmente inovador (GUYON; BESANÇON, 2013).

A inovação social está “em alta” na agenda política (BEPA, 2010). Ela não é entendida apenas como a busca de satisfação das necessidades sociais provocadas pela ausência do Estado ou do mercado, mas é vista como uma oportunidade de responder às múltiplas crises sociais, econômicas e ambientais que são enfrentadas por sociedades de todo o mundo. Portanto, as organizações da sociedade civil tentam reagir e buscar novas maneiras através de iniciativas de inovação social, por meio de mecanismos de solidariedade e reciprocidade local, e, portanto, perceptíveis ao surgimento de novas estruturas de governança (PISANO, LANGE; BERGER, 2015).

O padrão geral do processo de inovação social é envolver os cidadãos no contexto da inovação social, colocando os atores em uma posição encontrar novas soluções (produtos, serviços, modelos, mercados, processos) que atendam, simultaneamente, a uma necessidade social (mais eficazmente do que as soluções existentes) e levar à novas capacidades ou aperfeiçoamentos, novos relacionamentos e/ou uma melhor utilização dos ativos e recursos (DAVIES et al., 2012). Assim, elenca-se no Quadro 8, os papéis do ator organizacional nesta dimensão.

Quadro 8 – Papéis do ator organizacional da dimensão necessidades sociais

Papel do ator organizacional Objetivo

Identificação do contexto de crise em que as necessidades sociais estão inseridas

Mapear o contexto de crise que atinge os setores tradicionais da sociedade

civil

Mapeamento entre demandas e necessidades Gerir o processo de identificação de necessidades e proposição de soluções Definição critérios de urgência Identificar quais as prioridades

especificas de cada localidade Tipos de modificações estruturais Identificar se as necessidades sociais

vão provocar mudanças radicais, incrementais ou sistêmicas Fonte: Elaborado pela autora a partir da revisão teórica (2015)

As necessidades sociais surgem em um contexto marcado por crises, sejam elas de caráter econômico, ambiental ou social, capazes de provocar situações insatisfatórias que podem gerar mudanças que levam à ruptura ou à descontinuidade de uma estrutura social consolidada (TARDIFF; HARRISSON, 2005). Não é incomum as inovações aparecerem pela primeira vez em um contexto de crise ou necessidade de rever práticas que são mais adequadas a novos contextos ou novas exigências (CLOUTIER, 2003).

A mudança nas estruturas econômicas locais, provocadas pelas crises, descontinuidades e rupturas, acarretam impactos no conjunto de relações econômicas e que levam os atores a realizar adaptações e criar novas trajetórias ou até mesmo novas estruturas de produção, se estas forem em caráter de emergência (MAURER, 2014). Ou seja, as estruturas econômicas podem ser adaptadas em um dado sistema social, podendo surgir em situações de emergência e produzir novas relações de trabalho ou de produção e consumo.

A inovação social busca respostas aos crescentes desafios sociais, ambientais e demográficos, complexos, multifacetados, envolvendo uma série de atores interessados, sendo, por sua natureza, impossíveis de se resolver (CAULIER-GRICE et al., 2012). As necessidades sociais são vistas a partir do fracasso de soluções convencionais e pela fragilidade dos três setores tradicionais da sociedade, a exemplo das dificuldades impostas pelo setor público, falhas de mercado do setor privado e da visão míope e fragmentada da sociedade civil (CAULIER-GRICE et al., 2012).

Dessa forma, as necessidades sociais atingem setores tradicionais da sociedade civil, tais como: saúde, educação, planejamento urbano, atividades culturais, assistência social, economia, gestão de lazer, como também novas formas de serviço, novos projetos de educação, novas formas de divisão de responsabilidade, reconquistas de território, empoderamento, dentre outras, que estão moldadas pelo contexto local (CLOUTIER, 2003).

Portanto, a cada nova necessidade que surge na sociedade se exige repostas, e a compreensão da existência dessa dinâmica de uma necessidade não atendida pode ajudar a identificar estratégias e abordagens para encontrar novas e melhores maneiras de satisfazer essas necessidades. O papel de mapear as necessidades emergentes da sociedade está baseado em um “déficit” (CAULIER-GRICE et al., 2012) entre a realidade em que se encontra, de uma necessidade que não está suficientemente atendida pelas respostas existentes, e no que se almeja solucionar.

A fim de desenvolver soluções, primeiro é importante identificar os desafios e problemas existentes. Em alguns casos, são os próprios cidadãos que desenvolvem suas inovações. Isto porque eles detêm uma melhor compreensão do contexto onde estão inseridos, o que os torna melhor posicionados para articular esses desafios, tendo informações sobre si mesmos, a exemplo das especificidades de tempo, de lugar, de eventos e experiências, das suas necessidades e de suas aspirações (DAVIES et al., 2012). Dessa forma, o conhecimento tácito que os cidadãos realizam é, portanto, fundamental para o processo de inovação social.

O ator organizacional tem um papel a desempenhar na identificação dessas necessidades, no auxilio as reivindicações sociais que não se articulam com as necessidades e na articulação da cooperação entre os atores e os grupos afetados na fase de coleta de informações. Assim, as necessidades e demandas são componentes centrais da inovação social, mas que são difíceis de distinguir ou de se enquadrar com precisão (EVA et al., 2013).

Para mapear as necessidades sociais deve-se buscar o reconhecimento da comunidade para que estejam conscientes que determinado problema deve ser combatido e traçar, junto aos atores envolvidos, uma escala de prioridade, por entender que cada necessidade social tem uma urgência de acordo com a importância específica que cada localidade atribui (EVA et al., 2013). A comunidade é a mais indicada para determinar o que precisa solicitar junto ao ator organizacional, e juntos, buscar caminhos e condições para satisfazer suas necessidades.

Outro papel apontado se refere às modificações estruturais que ocorrem em decorrência da busca por satisfação das necessidades sociais das localidades, podendo ser classificadas em incrementais, radicais ou sistêmicas (MULGAN, 2006), facilitando assim, a identificação e a caracterização das diferentes formas de mudanças sociais.

A inovação social se refere às novas ideias que trabalham em cumprimento de metas sociais (MULGAN et al., 2007), portanto, pode implicar em adaptações ao contexto, gerando melhorias em menor escala, até mudanças mais significativas, envolvendo um número maior de atores e gerando novas formas de organização do trabalho.

As inovações incrementais são mudanças ou introdução às modificações em uma situação já existente, representando melhorias em menor escala e respeitando estruturas dos sistemas existentes (FAGERBERG, 2003). São significativas, menos espetaculares, e provavelmente com um impacto cumulativo, por atingir resultados representativos (HARRISSON et al, 2009). Elas têm uma relação específica com a cultura e características do local, e incluem modificações, refinam e consolidam a melhoria das inovações já existentes.

Já as inovações radicais representam uma ruptura com as práticas econômicas e sociais estruturadas (FAGERBERG, 2003). Apresenta características de desempenho sem precedentes ou características que promovam melhoras significativas, cria novas oportunidades de desenvolvimento de processos inovadores.

Além das modificações do tipo incremental e radical, Mulgan (2010) apresenta a inovação sistêmica da inovação social, na qual se faz necessária a interação de vários elementos, como: movimentos sociais, modelos de negócios, leis e regulamentos, dados, infraestrutura e formas inteiramente novas de pensar e fazer. A mudança sistêmica envolve novas estruturas e arquiteturas, compostas por muitas inovações menores.

Essas mudanças estruturais exigem que os atores repensem suas ações e formulem novas ações, podendo até, entrar em conflito com as situações predeterminadas ou estruturadas anteriormente. Tais mudanças podem caracterizar-se por serem do tipo radical ou apenas com a finalidade de adaptações (ajustes), exploração de novos caminhos ou criação de novas estruturas de produção.

Na esfera econômica, as mudanças promovem novas relações de trabalho, de produção e de consumo enquanto que na esfera social, ocorre através de novas práticas e mudanças nas relações sociais. Deve existir a preocupação em minimizar os riscos de exclusão e marginalização social e econômica, efeitos estes, relacionados às transformações sociais (TARDIFF; HARRISSON, 2005).

Nesse contexto, são tomadas novas formas locais de governança, flexíveis e sensíveis e envolvendo uma relação não mercantil para identificar e satisfazer as necessidades locais (GUYON; BESANÇON, 2013). Desta forma, o desenvolvimento da inovação social acontece quando se é concebido de acordo com esta governança e suas relações marcadas pela diversidade, cultura e valores. Apesar do escopo da subjetividade imersa na noção de necessidade social que muitas vezes não a torna explícita, pode-se constatar que as necessidades sociais de base estão relacionadas aos recursos de moradia, saúde, educação, cultura e democracia a depender do contexto (HILLIER et al., 2004).

Portanto, a questão do acesso aos recursos necessários para a realização dos direitos que promovam a satisfação das necessidades humanas é aguda (HILLIER et al., 2004). Para alcançar um estado do bem-estar ou uma resposta satisfatória a uma necessidade social, a acessibilidade aos recursos é uma condição necessária (GUYON; BESANÇON, 2013).

Destaca-se, assim, a necessidade da ampla participação dos segmentos da comunidade diretamente afetados, quando da concepção, elaboração, implementação e avaliação de programas e projetos específicos de inovação social, relacionados com o desenvolvimento local, como meio de assegurar a sua eficácia e sustentabilidade. Desta forma, pode-se agir coletivamente e criar uma sinergia, bem como aumentar a sua capacidade cívica, na medida em que age em conjunto em torno dos problemas das comunidades, legitimando o processo e aumentando a capacidade produtiva por meio da aprendizagem, adaptação e geração de resultados visíveis.

2.4.3 O papel do ator organizacional na “dimensão processos