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Dislexia do desenvolvimento na população adulta

No documento ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS PSICOMÉTRICAS (páginas 42-47)

3. A dislexia

3.3. Dislexia do desenvolvimento na população adulta

O quadro mais abrangente da dislexia está focalizado na criança em idade escolar, quando, em geral, a dificuldade é identificada. Sendo assim, a maior parte das pesquisas conduzidas tem seu foco sobre estas crianças (Snowling, 2004). No entanto, as dificuldades destas crianças persistem na vida adulta e embora determinados déficits possam ser compensados com o passar do tempo, muitos adultos disléxicos

transformam-se em leitores fluentes, porém com ortografia deficiente, alguns têm dificuldade particular em decodificar palavras novas, que não haviam encontrado antes e, em geral, estes adultos disléxicos apresentam dificuldades persistentes com consciência fonológica, nomeação rápida e tarefas verbais de memória de curto prazo (Bruck, 1990; Pennington & cols., 1990, apud Snowling, 2004).

Esta colocação corrobora a argumentação de Frith (1997), segundo a qual os distúrbios fonológicos, que subjazem as dificuldades encontradas pelos disléxicos, são persistentes, i.e., as dificuldades fonológicas subjacentes à dislexia, as quais podem ser identificadas desde muito cedo, permanecem na vida adulta, mesmo quando as habilidades de leitura e escrita encontram-se dentro dos escores considerados normais. Deste modo, ainda que tenha alcançado um nível de leitura adequado (disléxicos compensados), as dificuldades subjacentes ainda permanecem e podem ser observadas em tarefas que envolvam manipulação de fonemas (como nos trocadilhos) e fluência verbal (dizer o máximo possível de palavras iniciadas com uma determinada letra em um período também determinado de tempo) (Capovilla, 2002).

Ainda atinente à noção de persistência do déficit fonológico, estudos de neuroimagem, conforme artigo de revisão de López-Escribano (2007), tem provido resultados consistentes acerca do perfil de ativação neurofisiológica de adultos com dislexia do desenvolvimento, os quais corroboram esta noção de persistência do déficit fonológico. De modo bastante sucinto, em comparação com sujeitos controle, adultos disléxicos apresentam uma ausência ou redução significativa de ativação em regiões perissilvianas do hemisfério esquerdo durante a execução de tarefas que exijam processamento fonológico, tal como a leitura de palavras novas ou pseudopalavras, por exemplo. Além desta disfunção, estudos apontam para um efeito ou ativação compensatória em áreas homólogas do hemisfério direito e em áreas do córtex pré-

frontal nos sujeitos disléxicos. Uma comparação deste perfil de ativação com o observado em crianças disléxicas evidencia que a mesma disfunção em regiões perissilvianas do hemisfério esquerdo está presente (o que endossa a discussão acerca da persistência do déficit fonológico). Crianças disléxicas também apresentam ativação de áreas homólogas do hemisfério direito, no entanto, a ativação de regiões pré-frontais somente é observada no disléxico adulto e, hipotetisa-se, possa refletir o desenvolvimento de um mecanismo compensatório de leitura (López-Escribano, 2007). O supracitado permite compreender como, apesar da persistência do déficit fonológico subjacente, o adulto disléxico pode, muitas vezes, superar em parte suas dificuldades através do uso destes mecanismos compensatórios.

Também Shaywitz (2006) argumenta que, além das dificuldades relacionadas a uma leitura lenta e sem fluência, o que pode tornar a leitura uma atividade bastante desgastante, há evidências de que crianças e adultos disléxicos utilizam sistemas de leitura compensatórios. Para ilustrar como estas dificuldades podem se manifestar no disléxico adulto, é pertinente citar alguns estudos de caso. Campbell e Butterworth (1985, apud Ellis, 1995) apresentam o caso de uma jovem mulher, estudante da

University of London. Embora tenha chegado até a universidade, a estudante era incapaz de ler palavras novas, com as quais se deparava no seu curso. Uma avaliação revelou um padrão de dislexia fonológica, com boa leitura de palavras e fraca leitura de pseudopalavras, além de baixo desempenho em testes fonológicos. A estudante, que formou-se em psicologia, utilizava-se de estratégias tal como associações da aparência de novas palavras com seus significados e pronúncia.

Shaywitz (2006) também endossa esta argumentação a favor da persistência da dislexia. Segundo a autora, a dislexia é uma condição crônica e que, portanto, não representa um atraso temporário no desenvolvimento da leitura. A autora ainda releva a

importância de procedimentos interventivos de base científica testada para a ‘remediação’ dos problemas de leitura apresentados por indivíduos disléxicos.

Em outro estudo, Shaywitz (2006) apresenta o caso de Gregory. A autora relata que o paciente a procurou após experimentar uma série de dificuldades em seu primeiro ano do curso de medicina. Grerory havia recebido o diagnóstico de dislexia na escola e, na ocasião em que procurou Shaywitz se apresentava bastante desanimado. Havia trabalhado muito para compensar suas dificuldades, recebendo várias ofertas de faculdades respeitadas no campo da medicina e, agora, começava a duvidar de suas próprias capacidades. As principais dificuldades de Gregory referiam-se a pronúncia de palavras longas ou de termos novos, o que condiz perfeitamente com um padrão de dislexia fonológica. Shaywitz (2006) releva a importância do histórico do indivíduo em casos como o de Gregory. Quando criança, o estudante de medicina apresentou uma dificuldade inesperada em aprender a ler, apesar da inteligência, da motivação e da escolaridade.

Leitores disléxicos adultos podem aprender a ler mais palavras com precisão e com boa compreensão, mas a persistência do déficit fonológico impede que haja fluência em sua leitura. Assim, as dificuldades da infância assumem a forma de uma leitura lenta e trabalhosa na idade adulta (Shaywitz, 2006).

Ainda segundo Shaywitz (2006), na maior parte dos casos, o ponto principal do diagnóstico da dislexia em jovens adultos reside em seu histórico. A autora releva que um histórico de dificuldades de desenvolvimento da linguagem, especialmente nos componentes fonológicos, é o que oferece, com maior freqüência, indícios confiáveis de que há um distúrbio na leitura. A leitura lenta é o sintoma principal da dislexia em um adulto bem formado e os procedimentos de avaliação utilizados para as crianças são inadequados nestes casos. Frente a esta realidade, argumenta Shaywitz (2006) que o

histórico__ de leitura e escrita trabalhosa, de ortografia deficiente, da necessidade de tempo adicional para a leitura etc __ representa o mais preciso indicador de um problema de leitura em jovens adultos. Baseando-se nesta constatação, no presente estudo será empregado um questionário auxiliar, cujo objetivo é levantar e identificar pontos relevantes sobre o histórico de aquisição da linguagem falada e escrita dos participantes. Maiores informações sobre o referido questionário serão esboçadas a posteriori, no item ‘Método’ do presente relatório.

Portanto, os fatos essenciais sobre a dislexia em adultos, conforme Shaywitz (2006):

- A deficiência fonológica persiste ao longo da vida,

- Nas crianças, a deficiência fonológica afeta primeiramente a precisão, enquanto que os adultos podem aprender a ler um considerável número de palavras com precisão,

- Para adultos disléxicos, a deficiência fonológica afeta a velocidade de leitura, - Muitos leitores adultos lêem com precisão e rapidamente, os leitores disléxicos lêem lentamente e de modo trabalhoso, sem fluência,

- Estudos com imagens cerebrais indicam que adultos disléxicos não utilizam os mesmos caminhos neurais que leitores normais (devido à alteração neurofuncional e emprego de sistemas compensatórios, em geral envolvendo o hemisfério direito),

- A dependência de caminhos neurais secundários (compensatórios) resulta em leitura precisa, porém lenta.

A dislexia no adulto pode contribuir na imposição de fortes barreiras ao seu desenvolvimento acadêmico e profissional. Em conseqüência direta deste podem surgir problemas de auto-estima e de auto-confiança, limitando as possibilidades destes indivíduos e, por desconhecimento, estigmatizando-os.

Dada a persistência do distúrbio na vida adulta e a carência de estudos e, sobretudo, de instrumentos de avaliação da dislexia na população adulta, a proposta de trabalho de conclusão de curso aqui apresentada se reveste de fundamental importância, podendo trazer grandes contribuições à área.

No documento ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS PSICOMÉTRICAS (páginas 42-47)