• Nenhum resultado encontrado

Uma distinção importante: Dislexia versus Alexia

No documento ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS PSICOMÉTRICAS (páginas 47-51)

3. A dislexia

3.4. Uma distinção importante: Dislexia versus Alexia

A justificativa para a inserção deste item no presente relatório se dá pelo seguinte motivo: Em uma busca, nas principais bases de dados, por pesquisas e estudos sobre dislexia na população adulta, verificou-se que, além do número limitado de estudos encontrados, todos, absolutamente sem exceção, embora trouxessem o termo ‘dislexia’, caracterizavam-se como estudos da ‘alexia’. Muitas vezes, a utilização do termo ‘dislexia’ sem a devida diferenciação pode incorrer em erros conceituais, daí a pertinência da inclusão desta breve discussão objetivando a diferenciação de tais termos. Sucintamente, as dislexias podem ser divididas em dislexias adquiridas e dislexias do desenvolvimento. A divisão dos tipos de dislexia, tomada com base nos quadros de dislexia adquirida, já foi descrita anteriormente e, portanto, neste tópico não atear-se-á a ela, sendo o objetivo aqui somente delimitar os quadros de dislexia adquirida e do desenvolvimento.

Nas dislexias adquiridas, a habilidade de leitura é perdida, em geral, devido a lesão cerebral específica. Ou seja, a perda ocorre após o domínio da leitura pelo indivíduo acometido pela lesão. Nas dislexias do desenvolvimento não há uma lesão cerebral evidente, tampouco a perda de uma habilidade anteriormente estabelecida. Neste quadro, a dificuldade já surge durante a aquisição da leitura pela criança (Capovilla, 2002).

Segundo Ellis (1995) a abordagem às relações entre perda de uma dada função ou habilidade e lesões cerebrais teve seu impulso com Paul Broca, em 1860. De modo sucinto, a experiência de Broca relacionou os problemas de linguagem à lesão no hemisfério cerebral esquerdo e sabe-se que o hemisfério esquerdo é responsável pelas capacidades de linguagem, incluindo as habilidades de leitura e escrita. Nas afasias, transtornos que afetam a compreensão e/ou a produção da linguagem falada em conseqüência de dano cerebral específico, os pacientes frequentemente apresentam dificuldades de leitura. Em outros casos, os problemas de leitura podem constituir o sintoma predominante ou não podem ser explicados unicamente por referência a uma afasia mais ampla. De qualquer modo, trata-se de uma alexia ou dislexia adquirida (Ellis, 1995).

Andreasen (2005) aponta que o giro angular, que caracteriza uma região de associação visual, contém as informações que possibilitam o reconhecimento da linguagem apresentada na forma visual, ou seja, a linguagem escrita. Assim, segundo esta autora, lesões específicas nesta área conduzem à perda na capacidade de ler e escrever, sem, no entanto, afetar as capacidades de compreensão auditiva e o discurso espontâneo (Andreasen, 2005). Analogamente, segundo Kandel, Schwartz e Jessel (1995), pequenas lesões no cérebro do adulto podem destruir seletivamente a capacidade de ler e/ou escrever, sem interferir com a fala ou outras funções cognitivas. Ainda segundo estes autores, foi o neurologista francês Jules Dejerine, em 1890, que primeiramente descreveu um distúrbio da leitura, ao qual os autores citados chamam ‘alexia sem agrafia’, em um paciente e um distúrbio tanto da leitura como da escrita (‘alexia com agrafia’) em outro paciente. Ambos os casos de Dejerine encontram-se descritos mais abaixo.

A maior parte das pesquisas sobre as alexias foi realizada a partir da década de 1970. Ellis (1995) releva que a abordagem da neuropsicologia cognitiva à alexia não objetiva meramente identificar a parte do cérebro que está lesada, mas busca verificar qual parte do processamento normal de leitura foi prejudicado ou perdido. Em termos mais amplos, segundo este autor, o objetivo do estudo neuropsicológico cognitivo da alexia é justamente oferecer uma explicação sobre os aspectos envolvidos na leitura normal que foram prejudicados e também daqueles que encontram-se relativamente preservados.

Os modelos cognitivos incorporam diversos processos. Supõe-se que um dano cerebral poderia afetar cada um desses aspectos da leitura, prejudicando aspectos específicos em um dado paciente e outros em outro paciente, donde dever-se-ia esperar uma variedade de formas qualitativamente diferentes de alexias, o que realmente ocorre (Ellis, 1995).

Exemplificando esta argumentação de Ellis, cabe citar dois casos de alexia, descritos em Kandel, Schwartz e Jessell (1995). Os autores descrevem o caso de um paciente de Dejerine, um homem inteligente que, subitamente, perdera a capacidade de ler, embora pudesse falar e compreender a linguagem falada adequadamente. Era capaz de soletrar e copiar palavras corretamente, além de derivar o significado de palavras pronunciadas em voz alta. O paciente era cego em seu campo visual esquerdo, indicando lesão no córtex visual direito, mas, de outra forma, possuía acuidade visual normal. O exame post mortem deste paciente revelou lesão do córtex occipital esquerdo e esplênio (parte posterior) do corpo caloso, região que conduz a informação visual entre os hemisférios cerebrais. Assim, embora a informação visual do campo visual esquerdo pudesse ser processada pelo hemisfério direito (pois a conexão é contra-

lateral), a lesão no esplênio do corpo caloso impedia a transferência da informação para as áreas da linguagem (giro angular, plano temporal) do hemisfério esquerdo.

O segundo caso de Dejerine trata-se de alexia com agrafia, i.e., concomitante ao comprometimento da leitura, o paciente apresentou grave comprometimento da escrita. Tal paciente, como o anterior, podia falar e compreender a linguagem falada, mas perdera a capacidade de ler e escrever. O exame post mortem deste paciente e de outros com distúrbios análogos revelou lesão na região que engloba o giro angular e o giro supramarginal no córtex associativo temporo-parieto-occipital. Sendo estas áreas associativas e de integração da informação visual, auditiva e tátil, estes pacientes não conseguem ler ou escrever por serem incapazes de conectar os símbolos visuais (grafemas) com seus respectivos fonemas (Kandel, Schwartz & Jessell, 1995).

Encerrando o presente tópico, espera-se ter delineado de forma elucidativa a importante distinção entre a dislexia do desenvolvimento e a dislexia adquirida ou alexia, uma vez que a abordagem deste tema no adulto remete, na maioria das vezes, ao conceito de alexia, o que não é o foco deste trabalho.

No documento ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS PSICOMÉTRICAS (páginas 47-51)