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ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS PSICOMÉTRICAS

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Academic year: 2021

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Natália Martins Dias

E

STUDO DAS CARACTERÍSTICAS PSICOMÉTRICAS

DO

A

DULT

D

YSLEXIA

C

HECKLIST

Itatiba 2007

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Natália Martins Dias RA. 002200300031

E

STUDO DAS CARACTERÍSTICAS PSICOMÉTRICAS

DO

A

DULT

D

YSLEXIA

C

HECKLIST

Itatiba 2007

Relatório apresentado à disciplina ‘Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso’, Psicologia __ UAACHS __ da Universidade São Francisco, como requisito para obtenção de média semestral na disciplina, sob a orientação do Prof. Ms. José Maurício Haas Bueno.

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“Se ao escalar uma montanha na direção de uma estrela, o viajante se deixa absorver demasiado pelos problemas da escalada,

arrisca-se a esquecer qual é a estrela que o guia.”

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AGRADECIMENTOS

Nunca imaginei que esta seria a parte mais difícil deste TCC...

Em primeiro lugar, agradeço imensamente ao meu supervisor de Trabalho de Conclusão de Curso, Professor Maurício, pelas dicas, sugestões e orientações, além de sua atenção e disponibilidade que garantiram o bom andamento de nosso trabalho.

Agradecimento especial também é destinado à Professora Anália, coordenadora de curso, sempre disposta e atenciosa a todas as minhas muitas e muitas solicitações para a coleta de dados deste estudo.

Aos estudantes do 1º semestre de psicologia/2007, que tão prontamente colaboraram em participar desta pesquisa: Muito obrigada e bom trabalho nesta jornada! Que façam da psicologia o seu instrumento para construir um mundo melhor!

Meus mais sinceros agradecimentos vão também para uma pessoa muito especial! À minha orientadora de IC e, também, minha amiga, Professora Alessandra Capovilla, com quem aprendi muito nestes poucos anos de convívio e por quem nutro uma imensa admiração.

Não poderia esquecer de citar meus companheiros de muitas e muitas coletas e tabulações de dados. Ao grupo Neuropsi, pessoal da IC e da Pós, não é preciso dizer muito... vocês sabem o quanto são especiais pra mim! Bruna, Carmem, Zé, Arthur e Gabriel, obrigada pelo companheirismo, pelo aprendizado e pelos momentos que estivemos juntos!

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Considerando que este trabalho encerra minha passagem pela graduação da Universidade São Francisco (ao menos enquanto discente), gostaria também de externar meu agradecimento e minha admiração pelos meus mestres, meus professores, peças extremamente importantes na minha formação técnica, ética e pessoal. Sempre terei grande carinho por vocês!

“O Professor se liga à eternidade, ele nunca sabe onde cessa a sua influência.” (Henry Adams)

Por fim, gostaria de deixar registrado aqui, não só os meus agradecimentos, mas os meus mais sinceros sentimentos às importantes pessoas que conheci durante esta jornada de conhecimento, algumas das quais eu chamo de AMIGOS! Obrigada por estarem comigo quando eu precisava, obrigada por serem sempre presentes, obrigada por tornarem estes 5 anos ainda mais maravilhosos, obrigada por serem meus amigos... Raquel, Gláucia, Paty, Célia, César, não há o que dizer... simplesmente, valeu a pena... tudo valeu a pena!!!

Aos meus pais, Vicente e Mari, como agradecer? Simplesmente, as palavras se fazem tão pequenas que torna-se difícil expressar o que sinto através delas... esta é uma singela tentativa: Obrigada pelo apoio incondicional! Obrigada pelo exemplo de honestidade, de ética e de determinação que, hoje, me move mais que tudo! Sem mais, obrigada!!!

“Nossa recompensa se encontra no esforço e não no resultado. Um esforço total é uma vitória completa.” (Gandhi)

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RESUMO

A dislexia é um distúrbio de linguagem e caracteriza-se pela dificuldade em decodificar palavras isoladas. De modo geral, os estudos sobre a dislexia, assim como o diagnóstico do distúrbio, concentram-se sobre crianças, principalmente, em idade escolar, quando as dificuldades tornam-se mais evidentes. No entanto, a dislexia é uma condição crônica, permanecendo na idade adulta e podendo acarretar, neste período, dificuldades diversas. Diante da carência de estudos e, sobretudo, de instrumentos de avaliação da dislexia em adultos, este estudo tem por objetivo a análise de características psicométricas do Adult Dyslexia Checklist (ADC), disponibilizado pela

British Dyslexia Association. Participaram 77 estudantes do curso de psicologia de uma universidade particular do interior de SP, com idades entre 17 e 55 anos. Foram utilizados os instrumentos: ADC, é um questionário composto por 20 itens dicotômicos, sendo que a resposta afirmativa a cada item denota a presença daquela dificuldade; e um questionário auxiliar (QA), para levantamento de informações relativas ao histórico de vida do respondente. A avaliação foi coletiva, na própria sala de aula. Análises estatísticas descritivas do ADC revelaram que 94,8% dos participantes responderam até 8 e somente 5,2% responderam 9 ou mais itens afirmativamente. Análise de consistência interna do ADC revelou coeficiente de precisão alfa de Cronbach de 0,67, considerado satisfatório. Análises de correlação de Pearson evidenciaram correlações, em termos de escore total e em cada item, entre o ADC e QA. A análise fatorial, aplicada ao ADC e ao QA, extraiu, respectivamente, 8 e 3 fatores. Análises de correlação de Pearson entre os fatores extraídos de ambos os instrumentos revelaram poucas correlações significativas, em geral baixas, o que também foi observado com relação ao ADC e as notas acadêmicas. O estudo forneceu evidências de validade e precisão do ADC por meio da correlação com outras variáveis (itens do QA) e coeficiente Alfa de Cronbach. Resultados oriundos da Análise Fatorial sugerem necessidade de reformulações no instrumento e novos estudos.

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ABSTRACT

The dyslexia is a language disturbance characterized by the difficulty in decode isolated words. In general, the studies about the dyslexia, as well as the diagnosis of the disturbance, concentrate about children mainly in school age, when the difficulties become more evident. However, the dyslexia is a chronic condition, remaining in the adulthood and being able to cause, in this period, diverse difficulties. Faced with the lack of studies and, especially, of assessment instruments of the dyslexia in adults, this study aimed the analysis of psychometric characteristics of the Adult Dyslexia Checklist (ADC), disposed by the British Dyslexia Association. Participated 77 students of the psychology course of a private university of the interior of SP, with ages between 17 and 55 years. They were utilized the instruments: ADC, is a questionnaire composed for 20 dichotomic items, being that the affirmative answer to each item denotates the presence of that difficulty; and a Aid Questionnaire (QA), for obtain information relative to the participant life historical. The evaluation was collective, in the own classroom. Descriptive statistical analyses of the ADC revealed that 94.8% of the participants answered until 8 and only 5.2% answered 9 or more items affirmatively. Analysis of internal consistency of the ADC revealed Alfa of Cronbach precision coefficient of 0.67, considered satisfactory. Analyses of Pearson correlation showed correlation, in terms of total score and in each item, between the ADC and QA. The factorial analysis, applied to the ADC and to the QA, extract, respectively, 8 and 3 factors. Analyses of Pearson correlation between the factors extracted of both the instruments revealed few significant correlation, in general drops, what also was observed regarding the ADC and the academic grades. The study supplied evidences of validity and precision of the ADC by means of the correlation with other variables (items of the QA) and Alfa of Cronbach coefficient. Results arising from the Factorial Analysis suggest the need of the reformulations in the instrument and new studies.

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SUMÁRIO

Lista de Figuras ... X

Lista de Tabelas ... XI

Apresentação ... 01

1. A linguagem escrita ... 05

1.1. A aquisição de leitura e escrita ... 06

1.2. As rotas utilizadas para a leitura e escrita ... 08

2. Problemas com a linguagem escrita ... 11

2.1. As possíveis causas das dificuldades em leitura e escrita ... 11

3. A dislexia ... 14

3.1. A dislexia: breves considerações de seu substrato biológico ...…... 22

3.2. Dislexia: Aspectos cognitivos e ambientais ... 29

3.3. Dislexia do desenvolvimento na população adulta ... 31

3.4. Uma distinção importante: Dislexia versus Alexia ... 36

4. Avaliação Psicológica: breves considerações ... 40

5. Avaliação na Dislexia do desenvolvimento ... 44

6. Objetivos ..…... 49

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7.1. Participantes ... 50

7.2. Instrumentos ...…... 50

7.2.1. Adult Dyslexia Checklist ... 51

7.2.2. Questionário auxiliar ... 53

7.3. Procedimento ...…... 54

8. Resultados e discussão ... 55

8.1. Análises descritivas e inferenciais do Adult Dyslexia Checklist ... 55

8.2. Análises de consistência interna ...…... 58

8.3. Análises de correlação entre o Adult Dyslexia Checklist e questionário auxiliar ...…... 59

8.4. Análise Fatorial ...…... 65

8.4.1. Análise Fatorial aplicada ao Adult Dyslexia Checklist ... 65

8.4.2. Análise Fatorial aplicada ao Questionário auxiliar ... 69

8.4.3. Análises de correlação entre os Fatores do Adult Dyslexia Checklist, Questionário Auxiliar e notas acadêmicas ... 71

9. Considerações finais ... 76

10. Referências ... 81

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Fluxograma do processamento cognitivo de leitura silenciosa e em

voz alta de palavras e pseudopalavras, de nomeação de itens auditivos ou visuais conhecidos (figuras e sons da natureza), e de compreensão e repetição em voz alta de itens lingüísticos (palavras e pseudopalavras ouvidas, identificáveis ou não) ... 10

Figura 2. Vista Súpero-lateral do hemisfério esquerdo do encéfalo ... 24

Figura 3. (A) Padrão de ativação cortical de crianças normoléxicas (acima) e disléxicas pré-intervenção (abaixo). (B) Ganhos promovidos na ativação cortical após a intervenção, evidenciando efeito compensatório no hemisfério direito (à esquerda) e efeito de normalização no hemisfério esquerdo (à direita) ... 28

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Caracterização dos sujeitos: número de sujeitos, idade média e idades máxima e mínima por turma e no geral ... 50

Tabela 2. Itens mais discriminativos de dislexia, em ordem de importância ... 52

Tabela 3. Estatísticas descritivas do escore total e em cada item no ADC ... 56

Tabela 4. Porcentagem de indivíduos com referência ao número de respostas

afirmativas no ADC ... 57

Tabela 5. Matriz de correlações item-item e item total do ADC, com coeficiente de correlação de Pearson (r) e significância (p) ... 60

Tabela 6. Matriz de cargas fatoriais e componentes extraídos __ ADC ... 66

Tabela 7. Matriz de cargas fatoriais e componentes extraídos __ Questionário Auxiliar ... 70

Tabela 8. Matriz de correlações entre os fatores extraídos do ADC e do Questionário Auxiliar, com coeficiente de correlação de Pearson (r) ... 72

Tabela 9. Matriz de correlações entre os fatores extraídos do ADC e as notas acadêmicas, com coeficiente de correlação de Pearson (r) ... 74

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APRESENTAÇÃO

A apropriação do código escrito é, hoje, não somente uma questão de direito, mas também de exercício de cidadania. A leitura e a escrita estão, de fato, inerentes a uma série de práticas sociais e aqueles que falham em sua aquisição podem experimentar grandes dificuldades e prejuízos ao longo da vida.

A escrita transformou a palavra em arte, permitiu e permite os registros históricos e a continuidade das descobertas e invenções tecnológicas e científicas. A leitura, por sua vez, permite viver muitas vidas, o ampliar da experiência, pois com ela o ser humano não somente se informa, como também se forma e se transforma.

Dada a relevância da leitura e da escrita na sociedade atual, é fundamental compreender como se processa a sua aquisição e, além, é pertinente compreender as dificuldades encontradas neste processo. Somente assim poder-se-á traçar diretrizes úteis e eficazes ao trabalho interventivo nos problemas de leitura e escrita. Neste contexto, a avaliação psicológica cumpre um importante papel ao possibilitar a identificação válida e fidedigna de indivíduos, cujo desempenho limítrofe, denota uma dificuldade ou deficiência presente em um dado processo submetido a esta avaliação. Assim, a avaliação psicológica pode ser referida como um importante instrumento ao alcance do profissional no que tange ao levantamento de informações relevantes a um dado caso e, deste modo, assume importância patente dentro do processo diagnóstico.

No entanto, um instrumento de avaliação psicológica deve possuir uma série de características psicométricas que garantam a sua qualidade e confiabilidade. Em geral, tais características referem-se è validade e precisão. É justamente nesta direção que o presente trabalho se orienta e eis a relevância do estudo proposto, cujo intento volta-se à investigação das características psicométricas de um instrumento internacional para avaliação da dislexia em adultos: o Adult Dyslexia Checklist.

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Em uma perspectiva mais ampla, o estudo aqui proposto caracteriza-se como uma continuidade a estudos anteriores, com os quais esta estudante pôde contribuir durante sua participação no Programa de Iniciação Científica da Universidade São Francisco, sob a orientação da Professora Dra. Alessandra G. S. Capovilla, atinentes aos processos de leitura e escrita, sua avaliação e as dificuldades que podem surgir durante sua aquisição (Dias, 2005; Dias, 2006; e Capovilla, Dias, Trevisan, Capovilla, & Rezende, no prelo). Tais estudos anteriores foram conduzidos com estudantes pré-escolares e de 1ª série (Dias, 2005), de 1ª a 4ª série do ensino fundamental (Dias, 2006) e com crianças com o diagnóstico de dislexia (Capovilla, Dias, Trevisan, Capovilla, & Rezende, no prelo). O primeiro estudo contribuiu para a adaptação brasileira preliminar do

International Dislexia Test – IDT –, bem como possibilitou a identificação de perfis cognitivos relacionados a grupos de ‘bons e maus leitores’, verificando em quais habilidades ou processos estes grupos diferiam (Dias, 2005). No segundo estudo, conduzido com 442 estudantes do ensino fundamental, as habilidades gerais de leitura de itens isolados, escrita de itens isolados e compreensão de leitura, assim como o desenvolvimento das estratégias específicas (dentre logográfica, alfabética e ortográfica), foram mapeadas na sucessão da 1ª à 4ª série escolar (Dias, 2006). O último estudo supracitado delineou o padrão de leitura de crianças disléxicas, as quais baseiam sua leitura em uma estratégia visual-global. Tal pesquisa situou as principais dificuldades das crianças disléxicas na leitura de palavras que requeiram processamento fonológico e/ou lexical, ou seja, naqueles em que se exige o uso competente das estratégias alfabética ou ortográfica de leitura (Capovilla, Dias, Trevisan, Capovilla, & Rezende, no prelo). Assim, o trabalho de conclusão de curso aqui proposto integra um

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precisão e validade do Adult Dyslexia Checklist, e como participantes da pesquisa, uma amostra da população adulta.

A justificativa para tal realização baseia-se na quantidade, relativamente pequena, de estudos conduzidos com adultos quando comparado com as publicações realizadas com estudantes em idade pré-escolar e, sobretudo, escolar. Além destes, soma-se a carência de instrumentos de avaliação da dislexia na população adulta. Este estudo é uma tentativa, embora preliminar, de ampliar e contribuir com este conhecimento.

Segundo Shaywitz (2006), não é incomum identificar um disléxico na adolescência ou na idade adulta. A dislexia pode constituir, neste período, uma barreira ao desenvolvimento profissional, acarretar inúmeras dificuldades ocupacionais, sociais e, mesmo, emocionais, refletindo em diminuição da auto-confiança e da auto-estima. A identificação do adulto em risco para dislexia pode caracterizar o primeiro passo para uma avaliação diagnóstica mais pormenorizada, assim como o delineamento e a busca por procedimentos interventivos e estratégias que lhe possibilitem compreender e amenizar suas dificuldades. Portanto, estas parecem ser justificativas plausíveis à relevância desta proposta de estudo.

Inicialmente, neste relatório apresentar-se-á tópico referente à linguagem escrita, sua aquisição e as rotas utilizadas para leitura e escrita, o que é de substancial importância à compreensão posterior das dificuldades encontradas neste processo. Subsequentemente, é esboçado um tópico sobre os problemas com a linguagem escrita, apresentando as possíveis causas das dificuldades de leitura e escrita. O tópico seguinte ilustra, como exemplo de distúrbio específico de leitura, a dislexia, considerando-a em seus diferentes aspectos (genético, neurológico, cognitivo e ambiental), trazendo, também, breve arrazoado sobre a dislexia do desenvolvimento na população adulta e distinguindo-a da alexia ou dislexia adquirida. Breves considerações acerca da avaliação

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psicológica são esboçadas no tópico 4 e, no tópico 5, encerrando a introdução teórica, se sobre a avaliação na dislexia do desenvolvimento. Posteriormente, discorre-se sobre os objetivos do prediscorre-sente estudo, aprediscorre-senta-discorre-se o método, resultados e discussão, encerrando com as considerações finais. Por fim, encontram-se as referências utilizadas à redação do arcabouço teórico subseqüente e anexos.

Finalizando esta apresentação, espera-se que o presente trabalho seja útil à ampliação do conhecimento disponível sobre a dislexia, sobretudo em adultos, e que estenda sua relevância e possa estimular estudos posteriores, inclusive, tomando por objetivo futuro a validação e disponibilização de instrumentos de avaliação, tais como o

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1. A linguagem escrita

A linguagem escrita é um dos instrumentos fundamentais para a comunicação, sendo também essencial para o desenvolvimento intelectual e social pleno (Curvelo, Souza, Meireles & Correa, 1998). No ensino formal, por exemplo, em todos os estágios da vida escolar o indivíduo precisará da leitura e da escrita como instrumentos de aquisição e transmissão de novos conhecimentos. Do ponto de vista social, na maioria das culturas, dominar a linguagem escrita é grandemente determinante do seu futuro profissional e do nível de vida que se poderá construir.

Por sua vez, a compreensão e o processamento de unidades lingüísticas amplas, tais como uma frase ou um texto, é uma habilidade complexa que envolve dois componentes fundamentais. Destes componentes, um pode ser considerado específico à leitura e envolve o reconhecimento visual e a decodificação de palavras isoladas. O outro, considerado como inespecífico à leitura ou geral, refere-se à capacidade lingüística de compreensão e está relacionado não apenas à compreensão e interpretação de textos, mas também à fala. (Capovilla, Macedo, Capovilla & Charin, 1998).

Para compreender como ocorrem tais processos de decodificação e de compreensão, é fundamental conhecer a estrutura do sistema de escrita. Os primeiros sistemas de símbolos escritos usavam pictogramas e logogramas para representar palavras inteiras ou morfemas, i.e., indicavam a forma visual do referente. Posteriormente, a linguagem escrita progrediu para sistemas que representavam os sons das palavras, ou seja, utilizavam sinais fonéticos, indicando a forma fonológica do nome falado do referente. Assim, os sistemas de escrita passaram a usar unidades que transcreviam os fonemas da língua falada.

Em vista da natureza da língua escrita nas ortografias alfabéticas, em que um código secundário (os grafemas) mapeia um código primário (os fonemas), na leitura o

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indivíduo inicialmente precisa reconhecer as palavras escritas, decodificando-as e transformando-as em unidades de discurso para, posteriormente, compreender as palavras e obter o seu significado. Deste modo, e de acordo com essa visão, a leitura é composta por duas habilidades principais, o reconhecimento de palavras e a compreensão da linguagem (Braibant, 1997; Gough & Tunmer, 1986). Portanto, é possível separar os componentes específicos, relacionados ao reconhecimento das palavras, dos componentes gerais, relacionados à compreensão tanto da leitura quanto da fala (Braibant, 1997).

Segundo Gough e Tunmer (1986), a competência de leitura (L) é produto direto de duas outras habilidades, a capacidade específica de decodificação ou reconhecimento de palavras (D), e a capacidade lingüística geral de compreensão (C). Ou seja, L = D x C. Logo, a competência em leitura somente ocorre quando as duas habilidades estiverem preservadas, i.e., o leitor competente deve ser capaz de fazer boa decodificação e ter boa capacidade lingüística de compreensão. Logo, ao avaliar leitura é necessário verificar a integridade de ambas as habilidades, ou seja, o reconhecimento de palavras (decodificação) e a sua compreensão (Capovilla, Joly & Tonelotto, no prelo).

Inicialmente, de modo a compreender por que a aquisição da linguagem escrita é um processo tão complexo e não ocorre de forma natural, é necessário analisar como cada indivíduo chega a esta aquisição e as várias etapas pelas quais ele passa neste processo ontogenético. No tópico seguinte será abordada esta aquisição.

1.1. A aquisição de leitura e escrita

De acordo com Frith (1985), existem três estratégias no desenvolvimento da leitura e escrita: a logográfica, a alfabética e a ortográfica. A primeira delas, a

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logográfica, é marcada pelo uso de pistas contextuais para a leitura. Sem estas pistas, o reconhecimento não é possível. As cores, o fundo e a forma das palavras são algumas das pistas utilizadas para a leitura logográfica. Nesta estratégia, o leitor relaciona a palavra com seu contexto específico. A palavra é tratada como um desenho. Um exemplo dessa estratégia é a leitura dos rótulos mais comuns no dia-a-dia do leitor.

A segunda estratégia, a alfabética, implica no conhecimento das correspondências entre letras e fonemas durante a codificação e a decodificação. Aqui a palavra não é mais tratada como um desenho e sim como um encadeamento de unidades menores (letras ou sons) que, unidas, resultam em uma unidade maior e com significado (a palavra). Assim, nesta estratégia o leitor é capaz de converter o som em escrita (e vice-versa), conseguindo ler e escrever palavras novas e pseudopalavras.

Num primeiro momento, a leitura alfabética pode ser sem compreensão porque, apesar da conversão letra-som, o significado não é alcançado, visto que os recursos centrais de atenção e memória estão totalmente voltados à tarefa de decodificação. Num segundo momento, com a automatização da decodificação, o leitor consegue ter acesso ao significado.

Finalmente, na estratégia ortográfica os níveis lexical e morfêmico são reconhecidos diretamente, sem a necessidade de conversão fonológica. Nesta etapa, a partir da representação ortográfica, a criança tem acesso direto ao sistema semântico. Ou seja, o leitor já possui um léxico mental ortográfico, podendo relacionar a palavra escrita diretamente ao seu significado, fazendo uma leitura competente. Torna-se possível a leitura de palavras irregulares.

Tais estratégias não são mutuamente excludentes e podem coexistir simultaneamente no leitor e no escritor competentes. A estratégia a ser utilizada em qualquer dado momento depende do tipo de item a ser lido ou escrito, sendo

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influenciada pelas características psicolingüísticas dos itens, tais como lexicalidade, freqüência, regularidade grafo-fonêmica e comprimento (Capovilla & Capovilla 2000b; Morais, 1994).

1.2. As rotas utilizadas para a leitura e escrita

A partir das três estratégias descritas por Frith, Morton (1968, 1969, 1989) propôs que a leitura competente dar-se-ia por dois processamentos distintos, um direto, conhecido como processo visual-lexical e que não utiliza as correspondências grafo-fonêmicas, e um indireto, denominado processo fonológico, que usa a mediação fonológica para que o reconhecimento aconteça. A partir do modelo de Morton (1969), Ellis e Young (1988) conceituaram a existência de duas rotas para a leitura: rota lexical (ou leitura por localização) e a rota fonológica (ou leitura por associação).

A leitura por localização (rota lexical ou léxico-semântica) é utilizada para a leitura de palavras familiares, as quais encontram-se pré-armazenadas na memória (no léxico ortográfico) em decorrência de repetidas experiências de leitura. Após o reconhecimento da palavra, o acesso ao sistema semântico permite a compreensão do seu significado. Em seguida, é possível produzir a pronúncia (pelo sistema de produção fonológica de palavras), finalizando assim a leitura em voz alta do item escrito. Tal rota é fundamental, por exemplo, à leitura de palavras irregulares.

A leitura por associação (rota fonológica), por sua vez, é utilizada para a leitura de palavras pouco freqüentes ou desconhecidas. Para a efetuação da leitura dessas palavras, a seqüência grafêmica (i.e., a palavra escrita) é segmentada em unidades menores (grafemas e morfemas) e associada aos seus respectivos sons. Em seguida, faz-se a junção dos faz-segmentos fonológicos e produz-faz-se, assim, a pronúncia da palavra. O acesso semântico é obtido depois, pelo feedback acústico da pronúncia produzida em

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voz alta ou encobertamente. Nos leitores competentes as duas rotas estão disponíveis, sendo utilizadas em diferentes situações de leitura, dependendo do tipo de item a ser lido.

A Figura 1 ilustra o fluxograma de processamento cognitivo de leitura (Capovilla & Capovilla, 2004). Neste modelo, são ilustradas as duas rotas de leitura: a lexical e a fonológica. A rota lexical faz o processamento ideovisual direto, sendo utilizada quando a palavra a ser lida é reconhecida pelo sistema de reconhecimento visual de palavras. Neste caso, a entrada ao léxico ocorre por intermédio do léxico ortográfico. A rota fonológica ou perilexical utiliza-se da mediação fonológica para a leitura, ou seja, o item a ser lido passa pelo processo de conversão grafo-fonêmica, sendo decodificado e, se reconhecido pelo sistema de reconhecimento de sons lingüísticos, o acesso ao léxico se dá por intermédio do léxico auditivo lingüístico. Em ambos os casos, seja pela rota fonológica ou pela rota lexical, após a entrada no léxico, a palavra pode ser compreendida e/ou pronunciada em voz alta.

Diversos autores, como sumariado por Share (1995), sustentam que a rota fonológica é essencial para o desenvolvimento da leitura, uma vez que, no estágio inicial da leitura, o processo de decodificação fonológica é fundamental para a aquisição das representações ortográficas das palavras, o que posteriormente permitirá a leitura via rota lexical. Nos estágios posteriores, a leitura via rota lexical passa a ser mais prevalente, porém a decodificação ainda continua sendo de extrema importância, visto que o leitor está sempre se deparando com palavras desconhecidas. Um aluno de quinta série, por exemplo, encontra cerca de 10.000 palavras novas em um ano (Nagy & Herman, 1987 apud Capovilla & Capovilla, 2000b). Deste modo, a decodificação fonológica permite que o léxico ortográfico dos leitores seja gradualmente expandido,

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além de possibilitar a leitura de palavras novas, com as quais, mesmo os leitores competentes, se deparam todos os dias.

Início Estímulo Qual estímulo? Sistema de análise visual Item escrito? Sistema de reconhecimento visual de palavras É reconhecido? Sistema de reconhecimento visual não lingüístico Sistema de segmentação de seqüências ortográficas Sistema de conversão de segmentos ortográficos em fonológicos Sistema de síntese fonológica Sistema de reconhecimento de sons lingüísticos É reconhecido? É reconhecido? Léxico auditivo lingüístico Léxico ortográfico Léxico semântico Sistema de produção fonológica Léxico visual não-lingüístico Pode emitir? Fala Buffer fonológico (armazenador fonológico passivo) Está para decair? Som da fala? Sistema de análise auditiva Sistema de reconhecimento de sons não- lingüísticos É reconhecido? Léxico auditivo não-lingüístico Fim N (2.2.2) S (2.2.1) N (1.1.2) S (2.2.2.1) S (2.1.1) S N N S Visual (2) Auditivo (1) S (2.2) N (2.1) S (1.1) N (1.2) S (1.2.1) N (2.1.2) Relações intra-lexicais

Rotas fonológica e lexical Processamento geral

Processamento auditivo não-lingüístico

Completou conversão?

N S

Processamento não-lingüístico final N (1.2.2) S (1.1.1) N (2.2.2.2)

Figura 1. Fluxograma do processamento cognitivo de leitura silenciosa e em voz alta de palavras e pseudopalavras, de nomeação de itens auditivos ou visuais conhecidos (figuras e sons da natureza), e de compreensão e repetição em voz alta de itens lingüísticos (palavras e pseudopalavras ouvidas, identificáveis ou não). (Retirado de Capovilla & Capovilla, 2004, pp. 80).

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2. Problemas com a linguagem escrita

2.1. As possíveis causas das dificuldades em leitura e escrita

Conforme descrito por Capovilla e Capovilla (2000b), por muito tempo acreditou-se que as causas das dificuldades em leitura e escrita estavam relacionadas ao processamento visual. Essa suposição perdurou entre os anos de 1920 e 1970 (Ajuriaguerra, 1953; Belmont & Birch, 1965; De Hirsh & Jansky, 1968; Orton, 1937; Zazzo, Galifret-Granjon, Hurting, Mathon, Pecheux, Santucci & Stanbak, 1958). Esses pesquisadores enfatizavam a percepção, a discriminação e a organização visual como fatores causais aos problemas de leitura e escrita. Porém, os procedimentos de intervenção sobre o processamento visual apresentavam ganhos em habilidades visoespaciais, mas não em leitura e escrita. Ainda em 1937, em ‘Reading, writing and

speech problems in children’, Orton inicia a abordagem do envolvimento de fatores da

linguagem na determinação da strefossimbolia, como era denominada a dislexia naquela época (Snowling, 2004). Bonnato e Piérart (1990), nos estudos realizados com disléxicos, demonstraram a correlação entre deficiências de processamento visual e dificuldades de leitura e escrita, mas não havia uma relação causal entre elas.

A partir dos anos de 1970, o enfoque anteriormente dado ao processamento visual passou para o processamento verbal, com a Hipótese do Déficit Fonológico, surgida em meados dos anos de 1970 e 1980, segundo a qual os problemas de leitura e escrita seriam principalmente devidos a dificuldades com o processamento da informação fonológica (Liberman, Mann, Shankweiler & Werfelman, 1982; Torgesen, 1988; Vellutino, 1979). A partir desta hipótese, intervenções focais sobre o desenvolvimento de habilidades fonológicas obtiveram bons resultados, confirmando que o processamento fonológico é um dos fatores essenciais à leitura. Desde então, estudos buscando as causas das dificuldades em leitura e escrita têm mostrado como o

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processamento fonológico e, em especial, a consciência fonológica, são importantes para a alfabetização e, se não desenvolvidos de forma apropriada, tornam-se um dos principais fatores causais de dificuldades com leitura e escrita.

Por volta dos anos de 1980 e 1990, os estudos de Brady, Mann e Schimdt (1987) e Share (1995) propuseram um outro debate, buscando compreender se distúrbios no processamento temporal relativos a material não-verbal também poderiam estar presentes nas dificuldades de leitura e escrita. Neste enfoque, supõe-se a existência de algum tipo de distúrbio temporal mais geral subjacente ao fonológico, que poderia acarretar também distúrbios não-verbais. Dessa forma, os distúrbios em leitura e escrita estariam relacionados ao seqüenciamento de estímulos apresentados em curto período (curtos intervalos entre um estímulo apresentado e outro), dificultando os processos de discriminação, coordenação e integração, característicos desta habilidade (Share, 1995). A relação entre problemas de processamento temporal verbal e leitura já foi demonstrada por Capovilla e Capovilla (2001). Naquele estudo, maus leitores de 1a. série apresentaram maior dificuldade em discriminar entre sílabas sutilmente diferentes (revelando pobre discriminação fonológica), sendo a dificuldade maior com intervalos entre sílabas muito curtos (revelando dificuldades de processamento temporal) ou muito longos (revelando memória fonológica pobre). Contudo, ainda não foram desenvolvidos estudos experimentais e sistemáticos para verificar a relação de causalidade entre distúrbios de processamento temporal não–verbal e os problemas de leitura e escrita.

Morais (no prelo) também realizou estudos interessantes enfocando a existência de possíveis problemas de percepção da fala que interferem na de/codificação grafo-fonêmica durante o uso da rota fonológica. Para o autor, a dificuldade em discriminar os fonemas da fala seria a causa primária dos problemas na conversão letra-som, essencial para ao uso da rota fonológica.

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Elbro (1998) levantou a hipótese de que as representações fonológicas armazenadas na memória de longo prazo pouco se distinguem das representações vizinhas. Isto se deve à baixa precisão e acuidade, o que levariam aos problemas de processamento fonológico e de leitura e escrita.

Dado todo o arrazoado teórico até aqui esboçado, o próximo item discorre sobre a dislexia, como exemplo de distúrbio específico de leitura.

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3. A dislexia

Nas últimas décadas, dentre as pesquisas sobre distúrbios na aquisição da linguagem escrita que focalizam as habilidades cognitivas, um dos principais temas tem sido a dislexia do desenvolvimento. A dislexia de desenvolvimento é um distúrbio de aprendizagem de origem congênita que atinge 10 a 15% da população brasileira, sendo que o índice de disléxicos do sexo masculino é três vezes maior que o de disléxicos do sexo feminino (Lanhes & Nico, 2002). Há, ainda, fortes evidências que a dislexia seja hereditária (DeFries, Alarcon & Olson, 1997), porém, cabe relevar, o que é herdado não é a dificuldade de leitura em si, mas sim aspectos específicos do processamento da linguagem (Snowling, 2004).

Segundo Tallal e cols. (1997, apud Capovilla, 2002), a dislexia caracteriza-se por um distúrbio na linguagem expressiva/receptiva que não pode ser atribuído a atraso geral do desenvolvimento, distúrbios auditivos, lesões neurológicas importantes (como paralisia cerebral e epilepsia) ou distúrbios emocionais. De acordo com a definição do

National Institute of Health americano, a dislexia pode ser definida como:

“um dos vários tipos de distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico de linguagem de origem constitucional e caracterizado por dificuldades em decodificar palavras isoladas, geralmente refletindo habilidades de processamento fonológico deficientes. Essas dificuldades em decodificar palavras isoladas são frequentemente inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas e acadêmicas, elas não são resultantes de um distúrbio geral do desenvolvimento ou

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de problemas sensoriais” (Orton Dyslexia Society, 1995, pp.2, apud Capovilla, 2002, pp. 38 e 39).

Para Frith (1997), a dislexia pode ser compreendida como sendo resultante de uma interação entre aspectos biológicos, cognitivos e ambientais que não podem ser separados uns dos outros. Assim, condições biológicas combinadas com condições ambientais podem alterar o desenvolvimento cerebral normal, predispondo o indivíduo a distúrbios do desenvolvimento, podendo causar sutis alterações no desenvolvimento cognitivo que, por sua vez, podem fomentar o desenvolvimento de padrões específicos de desempenho comportamental. Tais padrões poderão resultar em problemas de leitura e escrita se fatores ambientais estiverem presentes, tais como o tipo de instrução ao qual a criança está exposta e certas condições emocionais, de motivação ou condição social. Deste modo, entende-se que a dislexia é o resultado da combinação entre vários aspectos, biológicos (genéticos e neurológicos), cognitivos e ambientais, sendo que nenhum deles isoladamente consiste em um fator causal direto da dislexia (Capovilla, 2002). Cada um destes fatores será tomado em pauta nos itens subseqüentes.

De acordo com Capovilla (2002), os tipos de dislexia foram delimitados com base nas etapas do processamento da informação escrita ao longo das rotas de leitura. Estas são sucintamente abordadas abaixo. Antes, porém, cabe esclarecer que, de acordo com alguns autores, (e.g., Morais, 1994) os principais padrões de disfunção na leitura podem ser divididos em dislexia periférica e central. No primeiro caso, os distúrbios ocorrem na análise visual (dislexia de negligência, por exemplo), ou no reconhecimento das palavras (leitura letra-a-letra e dislexia atencional). Já no segundo caso, as dislexias centrais, os distúrbios ocorrem em componentes das rotas fonológicas e/ou lexical.

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Dislexias Periféricas:

- Dislexia por negligência: O distúrbio encontra-se no sistema de análise visual (Capovilla, 2002), assim, o sujeito fracassa em atentar, geralmente, ao lado esquerdo das palavras. Algumas teorias (e.g., Ridoch, Hunphreys, Cleton & Fery, 1991 apud Ellis, 1995) apontam a hipótese de problema atencional. Ellis (1995) ilustra o estudo de Ridoch e cols. (1991, apud Ellis, 1995), no qual os autores relatam o caso do paciente J.B, o qual constantemente falhava em atentar ao lado esquerdo das palavras, cometendo erros como ler “cross” para “gross”. Os pesquisadores tentaram, então, testar a hipótese de problema atencional, colocando o sinal “#” à esquerda das palavras e instruindo o paciente a localizar o sinal, antes de proceder à leitura em voz alta. Os resultados encontrados corroboram a hipótese supracitada, pois o desempenho de J.B em leitura em voz alta com o sinal “#” melhorou em relação à leitura das mesmas palavras sem a inserção do mesmo sinal (Ellis, 1995).

Ellis (1995) relata o caso de outra paciente, V.B, a qual sofrera um acidente vascular cerebral (AVC) que afetara o lado direito de seu cérebro. O caso V.B foi estudado por Ellis, Flude e Young (1987 apud Ellis, 1995), os quais relatam dificuldades similares às de J.B, i.e., na leitura, a paciente não atentava, negligenciava o lado esquerdo das palavras, em geral, a primeira ou as duas primeiras letras de cada palavra (Ellis, 1995).

- Dislexia da Atenção (ou dislexia atencional): ocorrem freqüentes “migrações” de letras de uma palavra a outra (Ellis, 1995), com dificuldade na codificação das posições das letras nas palavras (Capovilla, 2002). Em um estudo conduzido por Shallice e Warrington (1977 apud Ellis, 1995), dois pacientes com dislexia

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adquirida eram capazes de ler palavras isoladas e nomear letras adequadamente, porém, as dificuldades surgiam quando lhes eram apresentadas várias letras em uma cadeia ou diversas palavras em uma página. Tais erros persistem mesmo quando os sujeitos recebiam tempo ilimitado para a leitura das palavras. Disto conclui-se que a atenção necessária para a manutenção do foco sobre uma letra ou palavra, a qual está sendo identificada, seja deficiente na dislexia da atenção (Ellis, 1995).

- Leitura letra-a-letra: Há um distúrbio no reconhecimento global das palavras, i.e., no reconhecimento paralelo das letras (Capovilla, 2002), de modo que a leitura somente é realizada após o soletrar letra por letra, que pode ser realizado em voz alta ou não. Segundo Ellis (1995), enquanto os leitores hábeis processam paralelamente um conjunto de caracteres em seu léxico de input visual, os leitores ‘letra a letra’ realizam um processo de identificação serial, i.e., de uma letra por vez. Deste modo, quanto mais longa é a palavra, tanto maior o tempo despendido na leitura (Ellis, 1995).

Dislexias Centrais:

- Leitura não-semântica: Ellis (1995) ilustra este tipo de dislexia adquirida citando o caso de W.L.P. descrito por Schwartz, Martin e Saffran (1979 apud Ellis, 1995) e Schwartz , Saffran e Marin (1980 apud Ellis, 1995). W.L.P foi acometida por uma demência progressiva. A paciente mantinha praticamente intacta sua capacidade de leitura em voz alta, seja de palavras regulares e/ou irregulares, ou de pseudopalavras, o que denota certa integridade dos processamentos fonológico ou lexical. No entanto W.L.P. mostrava uma fraca compreensão de palavras escritas.

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Em suma, seu padrão de leitura demonstra prejuízo no sistema semântico (Ellis, 1995).

- Dislexia fonológica: Segundo Capovilla (2002), na dislexia fonológica há dificuldades na leitura pela rota fonológica, estando a leitura visual-direta pela rota lexical preservada, o que leva a dificuldades específicas na leitura de palavras novas e pseudopalavras. Endossando esta conceituação, Ellis (1995, pp. 52) argumenta que a dislexia fonológica é, de muitos modos, “uma imagem espelhada da dislexia de superfície”. De fato, enquanto na dislexia de superfície a dificuldade principal centra-se no processamento lexical, sendo a leitura realizada basicamente via rota fonológica ou perilexical, a dislexia fonológica apresenta um padrão inverso, em que a leitura fonológica apresenta-se prejudicada. Segundo Ellis (1995), a dislexia fonológica apresenta interesse teórico à neuropsicologia por 2 principais razões: 1) a ‘dupla dissociação’ que forma com a dislexia de superfície, o que pode ser interpretado como um indicativo de que a leitura é mediada por módulos cognitivos (e, também, regiões cerebrais) distintos; 2) considerando que esta classificação dos tipos de dislexia advém de modelos e estudos com dislexia adquirida, a razão pela qual a dislexia fonológica adquirida apresenta interesse é a similaridade de seus sintomas com aqueles apresentados por crianças com dislexia do desenvolvimento. A dislexia fonológica representa cerca de 67% dos quadros disléxicos (Boder, 1973 apud Capovilla, 2002).

- Dislexia Morfêmica ou Semântica: Apresenta um padrão oposto ao descrito na dislexia fonológica. Na dislexia morfêmica, há dificuldades na leitura via rota lexical, sendo que a leitura é realizada basicamente pela rota fonológica (Capovilla, 2002).

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Este padrão de leitura leva a erros e dificuldades específicas, como na leitura de palavras irregulares e longas, com regularizações. A dislexia morfêmica representa, aproximadamente, 10% dos quadros disléxicos (Boder, 1973 apud Capovilla, 2002). Como poderá ser observado subsequentemente, alguns autores (e.g., Ellis, 1995) argumentam que não há uma dislexia morfêmica pura, considerando que há, em algum grau, comprometimento da rota fonológica, e descrevendo este quadro como ‘dislexia de superfície’.

- Dislexia de superfície: O distúrbio ou comprometimento em apenas uma das rotas de leitura, como nas dislexias fonológica e morfêmica, apresentadas anteriormente, acarreta distúrbios denominados de síndromes de um único componente. A dislexia em ambas as rotas é denominada de síndrome de componentes múltiplos, como nas dislexias profunda e superficial (Capovilla, 2002).

Na dislexia de superfície, há distúrbios graves na rota lexical e algum distúrbio na rota fonológica (Capovilla, 2002). Atualmente há uma dificuldade em se diferenciar esse tipo de dislexia da dislexia morfêmica (Ellis, 1995).

- Dislexia profunda: Os distúrbios são encontrados na conversão grafema-fonema (i.e., na rota fonológica) e ainda, alguns distúrbios na rota lexical. A ocorrência de erros semânticos é muito freqüente e a leitura de pseudopalavras é muito pobre (Capovilla & Capovilla, 2000b). Ellis (1995) aponta que palavras com referenciais concretos e imagináveis são mais fáceis aos disléxicos profundos do que palavras abstratas. Estes sujeitos tendem a cometer diversos erros semânticos (e.g., ler ‘floresta’ como árvores) e erros visuais (Ellis, 1995). Uma hipótese considerada à abordagem da dislexia profunda, e citada por Ellis (1995), é a de Coltheart, na

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qual este pesquisador argumenta que nos disléxicos profundos, grande parte dos processos de leitura do hemisfério cerebral esquerdo foi completamente destruída e, assim, as capacidades residuais de leitura seriam mediadas pelo hemisfério direito que, em algumas pessoas, pode abrigar algumas habilidades limitadas de linguagem. Outras hipóteses postulam que a dislexia profunda pode refletir capacidades residuais do próprio hemisfério esquerdo lesado (Ellis, 1995).

Assim, sumariando, a dislexia fonológica pode ser compreendida como um distúrbio da rota fonológica, enquanto a dislexia morfêmica caracterizaria um distúrbio da rota lexical. A dislexia mista (ou síndrome de componentes múltiplos) caracteriza-se por dificuldade em ambas as rotas.

Cabe relevar que esta divisão dos tipos de dislexias foi feita com base nos quadros de dislexia adquirida e tem sido aplicado também às dislexias do desenvolvimento, especialmente a distinção entre dislexia fonológica e morfêmica, incluindo-se aqui também as dislexias mistas (dislexia profunda e de superfície).

No entanto, segundo Capovilla (2002), pesquisas recentes têm sugerido que as dislexias do desenvolvimento caracterizam-se, basicamente, pelos distúrbios na leitura fonológica, e não pelos distúrbios na leitura lexical. Ou seja, a dislexia morfêmica seria mais consistente com um atraso geral da leitura do que com um perfil desviante, e as dificuldades lexicais observadas seriam mais decorrentes da falta de exposição ao texto por meio da decodificação e, portanto, da ausência de representações ortográficas de palavras no léxico ortográfico, do que decorrentes de dificuldades intrínsecas no uso da rota lexical.

De fato, o estudo de Stanovich, Siegel e Gottardo (1997) traz evidências de que a dislexia fonológica é, realmente, um padrão desviante de leitura, enquanto a dislexia

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morfêmica assemelha-se mais a um atraso de leitura, apresentando um padrão consistente com um nível de leitura menos desenvolvido. No estudo referido, Stanovich, Siegel e Gottardo (1997) avaliaram 68 crianças disléxicas em tarefas de leitura de palavras irregulares (que requerem integridade da rota lexical) e de pseudopalavras (que somente podem ser lidas através da decodificação grafo-fonêmica, ou seja, via rota fonológica). Com base nos resultados, as crianças foram, então, divididas em três grupos, a saber: disléxicas fonológicas, disléxicas morfêmicas e disléxicas mistas. O estudo contou ainda com um grupo controle de crianças não disléxicas. Vale relevar que os grupos tinham o mesmo nível de leitura, ou seja, foi controlado o efeito de exposição à leitura, de modo que, enquanto as crianças disléxicas frequentavam a 3ª série, as crianças participantes do grupo controle não-disléxico frequentavam da 1ª à 2ª série.

A comparação dos resultados das crianças disléxicas com os resultados das crianças não-disléxicas com o mesmo nível de leitura, mas idade cronológica inferior, evidenciou que: (1) os disléxicos morfêmicos apresentaram um padrão de leitura bastante similar ao padrão das crianças controle (mais novas em idade cronológica, mas com mesmo nível de leitura), este padrão de desempenho caracteriza mais um atraso na leitura do que um desvio; (2) os disléxicos fonológicos apresentaram leitura lexical superior ao grupo controle, mas leitura fonológica significativamente inferior, desempenho este condizente com um padrão desviante.

Esses dados sugerem que a dislexia fonológica consiste em um padrão desviante de leitura, enquanto a dislexia morfêmica caracterizaria um atraso de leitura. Ao lado disso, o estudo também proveu evidências de desempenho rebaixado dos disléxicos fonológicos em relação ao grupo controle em medidas de processamento sintático, memória de trabalho e habilidades de consciência fonológica.

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leitura e escrita se devem, em grande parte, a problemas de processamento fonológico, podendo estes ser atenuados e/ou solucionados com a incorporação de atividades fônicas e metafonológicas em diferentes níveis escolares (Capovilla, 2003). Isto tem sido demonstrado em diversos estudos internacionais (e.g., Bradley & Bryant, 1983; Elbro, Rasmussen & Spelling, 1996; Torgesen & Davis, 1996; Schneider & cols., 1997) e nacionais (Capovilla & Capovilla, 2000a; Capovilla & Capovilla, 2000b; Capovilla & Capovilla, 2004).

3.1. Dislexia: breves considerações de seu substrato biológico

No que tange ao substrato biológico relacionado à dislexia, será aqui esboçada breve explanação sobre seus aspectos genéticos e seu substrato neurológico. Pesquisas com gêmeos, principalmente os monozigóticos, sugerem que a genética é um fator importante na dislexia. Porém, quando se fala em hereditariedade é preciso ter cautela. O que é herdado não é a deficiência de leitura em si, mas sim determinados aspectos do processamento linguístico (Snowling, 2004), mais especificamente um problema fonológico (Ellis, 1995).

Quanto aos aspectos neurológicos, a dislexia está relacionada a alterações na região de Wernicke, localizada no plano temporal esquerdo, responsável pelo processamento fonológico e, mais especificamente, pela compreensão da fala e da escrita. Normalmente há uma assimetria do plano temporal, ou seja, na maioria das pessoas, cuja lateralidade dominante é a direita, o plano temporal esquerdo é maior do que o direito. Porém, nos disléxicos é encontrada com maior freqüência uma simetria entre os planos temporais direito e esquerdo ou, até mesmo, uma assimetria reversa, com o plano temporal direito maior que o esquerdo. É interessante observar que esta alteração neurológica está relacionada a padrões cognitivos observados na dislexia.

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Assim, os problemas de leitura e escrita observadas na dislexia podem estar relacionados a anormalidades no hemisfério esquerdo do cérebro, mais especificamente na região perissilviana, que poderão levar a dificuldades no processamento de informações baseada na estrutura fonológica da linguagem oral, o que corrobora a teoria do déficit fonológico (Capovilla, 2002; Capovilla & Capovilla, 2000b).

Além do padrão de simetria do plano temporal ou mesmo de uma assimetria reversa, outras alterações anatômicas encontradas em cérebros de indivíduos disléxicos são as polimicrogirias, displasias corticais (caracterizando um desenvolvimento cerebral anormal), anormalidades citoarquitetônicas, que caracterizam problemas no arranjo das células no córtex e alterações na distribuição das fissuras e giros corticais, especialmente na região perissilviana esquerda (região em torno do sulco lateral, também denominado sulco de Silvius ou silviano) (Capovilla, 2002). As principais estruturas aqui mencionadas encontram-se identificadas na Figura 2, apresentada a seguir.

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Figura 2. Vista Súpero-lateral do hemisfério esquerdo do encéfalo. (Retirado de Machado, 2003, pp. 62).

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Estudos empregando imageamento cerebral funcional também têm provido evidências de alterações no funcionamento do cérebro disléxico. De acordo com Breier, Simos, Fletcher, Castillo, Zhang, e Papanicolaou (2003), recentes evidências em estudos de imagens funcionais do cérebro indicam que crianças e adultos com dislexia constantemente exibem diminuição de atividade em áreas temporoparietais da linguagem durante reconhecimento e decodificação fonológica de palavras. Shaywitz (2006) destaca que os estudos realizados com tecnologia de imageamento não deixam dúvidas de que os leitores disléxicos usam caminhos cerebrais diferentes, com padrões de ativação cerebral marcadamente diferentes nos leitores disléxicos se comparados aos mesmos padrões em leitores normais (normoléxicos).

Também o estudo de Temple, Deutsch, Poldrack, Miller, Tallal, Merzenich e Gabrieli (2003) evidenciou um padrão disfuncional de ativação cerebral de crianças disléxicas, em comparação com crianças normoléxicas, durante a execução de determinadas atividades que envolviam processamento lingüístico. Mais além, neste mesmo estudo, os autores confirmaram a eficácia de procedimentos interventivos na promoção de alterações neurofuncionais, aumentando a atividade de regiões cerebrais envolvidas no processamento fonológico e que não são adequadamente ativadas em crianças disléxicas.

O estudo acima citado foi conduzido com 20 crianças disléxicas (GE) e 12 crianças normoléxicas (GC), entre 8 e 12 anos de idade. O estudo constou de 3 fases: o pré-teste, a intervenção e o pós-teste. Antes e após o treino (intervenção), todas as crianças foram submetidas a escaneamento cerebral por Ressonância Magnética Funcional (fRMI) envolvendo tarefas idênticas para ambos os grupos. As tarefas eram: julgamento de rima, combinação de letras (match letters) e uma tarefa de linha de base

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com julgamento de linhas (match lines). As crianças também foram submetidas, no pré e pós-teste, a uma ampla avaliação de habilidades lingüísticas.

O treino supracitado constou de um programa de intervenção computadorizado, sendo que as crianças foram expostas aos exercícios por 100 min por dia, 5 dias por semana, compondo em média 27,9 dias de treino. O objetivo do treino foi melhorar o processamento linguístico e auditivo. Era constituído por 7 atividades que requeriam diferentes níveis de processamento e consciência fonológica. (Fast ForWord Language – Scientific Learning Corporation, CA; apud Temple & cols., 2003).

As imagens cerebrais pré-intervenção evidenciaram uma resposta neural disfuncional no grupo de crianças disléxicas, em comparação às crianças normoléxicas. Porém o ponto mais interessante deste estudo caracteriza-se pelos efeitos observados após a intervenção. Resumidamente, o teste t de student revelou que as crianças com dislexia tiveram ganhos significativos em habilidades de leitura, decodificação de pseudopalavras e compreensão de leitura, sendo importante destacar que o aumento no desempenho das crianças disléxicas nestas 3 medidas, coloca seus escores dentro da faixa “normal”. As crianças disléxicas também tiveram ganhos em habilidades de linguagem oral e nomeação rápida.

Análises das imagens cerebrais após a intervenção revelaram:

- Crianças com dislexia apresentaram aumento de atividade em várias regiões cerebrais,

- Aumento de atividade após a intervenção foi observado no córtex parieto-temporal e giro frontal inferior no hemisfério esquerdo, ambas as regiões que apresentaram atividade nas crianças normais durante a performance nas mesmas tarefas,

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- Aumento de atividade em áreas cerebrais não ativas nas crianças normoléxicas durante as mesmas tarefas, giro frontal inferior, médio e superior e giro temporal médio, no hemisfério direito.

Deste modo, no que se refere ao padrão de ativação cerebral, os autores identificaram 2 diferentes efeitos promovidos pela intervenção:

- Efeito de normalização: Aumento de atividade em áreas do hemisfério esquerdo, reconhecidamente relacionadas às habilidades de processamento fonológico e leitura. Ativações nestas regiões foram observadas no GC. Assim, a intervenção é eficaz em melhorar a resposta disfuncional de crianças disléxicas sob demanda fonológica;

- Efeito Compensatório: Aumento da atividade em áreas homólogas do hemisfério direito. Este fato pode refletir um processamento compensatório (e.g., processamento visual de letras apresentadas). Os autores hipotetisam que a ativação nestas áreas virá a diminuir conforme as crianças aprendam a ler melhor, para tanto, ressaltam a importância de estudos que examinem os efeitos a longo prazo deste tipo de treino.

O padrão de ativação cortical das crianças normoléxicas (GC) e das crianças disléxicas (GE) pré e pós a intervenção, bem como os efeitos de normalização e compensatório, podem ser visualizado na Figura 3.

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Figura 3. (A) Padrão de ativação cortical de crianças normoléxicas (acima) e disléxicas pré-intervenção (abaixo). (B) Ganhos promovidos na ativação cortical após a intervenção, evidenciando efeito compensatório no hemisfério direito (à esquerda) e efeito de normalização no hemisfério esquerdo (à direita) (Retirado de Temple & cols., 2003, pp. 2863).

Os resultados obtidos atestam a eficácia de procedimentos interventivos, que visam aprimorar o processamento fonológico, sob o desempenho de crianças com dislexia, aumentando seus escores em habilidades de consciência fonológica e leitura. O procedimento de intervenção também proveu alterações neurofuncionais, aumentando a

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atividade de regiões cerebrais envolvidas no processamento fonológico e que não são adequadamente ativadas em indivíduos disléxicos.

3.2. Dislexia: Aspectos cognitivos e ambientais

Além das alterações genéticas e neurológicas, outros fatores são importantes para a ocorrência dos problemas de leitura e escrita. Desta forma, o tipo de ortografia, por exemplo, dentre as alfabéticas (que mapeiam a fala no nível fonêmico) e as ideo-morfêmicas (que mapeiam a fala no nível morfêmico), e o método de alfabetização ao qual a criança está exposta, combinados com as alterações neurológicas, podem levar o individuo a apresentar problemas de leitura e escrita. As ortografias ideo-morfêmicas tendem a ser mais facilmente aprendidas pelos disléxicos visto que, em tais ortografias, o processamento visual é mais importante em detrimento do fonológico, que é o processamento mais prejudicado no disléxico (Capovilla, 2002).

Ainda segundo a mesma autora, uma compreensão teórica mais abrangente da dislexia só foi possível por meio do desenvolvimento da neurociência cognitiva, que é a perspectiva utilizada nesta relatório para a descrição e caracterização da dislexia. A abordagem desta temática sob o enfoque da neurociência cognitiva possibilitou compreender os aspectos neurológicos e cognitivos que subjazem aos padrões comportamentais encontrados na dislexia. O estabelecimento da relação entre cérebro, cognição e comportamento permite, além de uma compreensão teórica de maior espectro, uma atuação prática mais eficaz (Capovilla, 2002).

Como já foi elucidado no tópico 2.1 deste relatório (‘As possíveis causas das dificuldades em leitura e escrita’), diversas habilidades cognitivas tem sido apontadas como causas da dislexia, como o processamento visual, o processamento fonológico, a memória de trabalho, a velocidade de processamento, entre outros, sendo porém, a

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Hipótese do Déficit Fonológico a teoria mais aceita atualmente. Segundo esta hipótese, e complementado o que já foi dito anteriormente sobre esta, anormalidades cerebrais na região perissilviana do hemisfério esquerdo levariam a dificuldades cognitivas no processamento fonológico e estas, em interação com fatores ambientais (tais como o tipo de ortografia ou método de alfabetização), consequentemente, levariam aos problemas de leitura e escrita observados na dislexia (Frith, 1997; Capovilla, 2002).

Frith (1997) apresenta 3 características dos distúrbios fonológicos, as quais, pela sua pertinência aos objetivos deste trabalho, serão brevemente abordadas. São elas: a persistência dos distúrbios fonológicos, sua universalidade e sua especificidade.

No que tange à persistência de tais distúrbios, Frith (1997) argumenta que é possível observar os distúrbios fonológicos nos disléxicos desde muito cedo e que estes permanecem mesmo quando o indivíduo alcança níveis de leitura e escrita adequados. Assim, as dificuldades fonológicas subjacentes à dislexia permanecem na vida adulta e, mesmo quando as habilidades de leitura e escrita encontram-se dentro dos escores normais, testes de manipulação fonêmica e de fluência verbal são eficazes em distinguir entre não-disléxicos e disléxicos compensados (indivíduos disléxicos que atingiram desempenho dentro do escore normal de leitura) (Capovilla, 2002).

No que se refere à universalidade do distúrbio fonológico, é esperado que tal distúrbio ocorra em indivíduos expostos a todas as línguas, dadas as alterações causais genéticas e neurológicas envolvidas (Frith, 1997). No entanto, a conseqüência deste distúrbio sobre a aquisição da linguagem escrita difere em função do tipo de ortografia à qual a criança está exposta, i.e., uma criança com a predisposição genética e alterações neurológicas que lhe imponham uma disfunção fonológica, porém exposta a uma ortografia morfêmica (como o chinês), possivelmente não venha a apresentar problemas na aquisição da leitura e da escrita, pois, apesar do distúrbio fonológico, a ortografia

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morfêmica exige maior demanda do processamento visual. No entanto, uma criança com o mesmo distúrbio e exposta a uma ortografia alfabética (tal como o português), muito provavelmente desenvolverá dificuldades na aquisição da leitura e escrita, uma vez que as ortografias alfabéticas impõem forte demanda justamente sobre o processamento fonológico, neste caso, prejudicado (Capovilla, 2002).

Por fim, um último aspecto do distúrbio fonológico é a especificidade, i.e., as dificuldades encontradas são restritas às habilidades que implicam no processamento fonológico (Frith, 1997). Por este motivo, muitas vezes observa-se que as dificuldades com leitura e escrita apresentadas por uma dada criança são inesperadas frente à outras habilidades ou à sua inteligência geral (Capovilla, 2002).

Finalizando este tópico, pode-se concluir que a dislexia possui uma etiologia multifatorial, numa interação indissociável entre diversos fatores, tais como fatores genéticos que, em interação com fatores ambientais específicos podem levar a alterações neurológicas sutis. Tais alterações neurológicas, por sua vez, podem acarretar alterações ou disfunções cognitivas específicas as quais, em nova interação com o ambiente (considerando principalmente a ortografia e o método de alfabetização) poderão levar a dificuldades específicas na aquisição da leitura e da escrita, caracterizando a dislexia.

3.3. Dislexia do desenvolvimento na população adulta

O quadro mais abrangente da dislexia está focalizado na criança em idade escolar, quando, em geral, a dificuldade é identificada. Sendo assim, a maior parte das pesquisas conduzidas tem seu foco sobre estas crianças (Snowling, 2004). No entanto, as dificuldades destas crianças persistem na vida adulta e embora determinados déficits possam ser compensados com o passar do tempo, muitos adultos disléxicos

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transformam-se em leitores fluentes, porém com ortografia deficiente, alguns têm dificuldade particular em decodificar palavras novas, que não haviam encontrado antes e, em geral, estes adultos disléxicos apresentam dificuldades persistentes com consciência fonológica, nomeação rápida e tarefas verbais de memória de curto prazo (Bruck, 1990; Pennington & cols., 1990, apud Snowling, 2004).

Esta colocação corrobora a argumentação de Frith (1997), segundo a qual os distúrbios fonológicos, que subjazem as dificuldades encontradas pelos disléxicos, são persistentes, i.e., as dificuldades fonológicas subjacentes à dislexia, as quais podem ser identificadas desde muito cedo, permanecem na vida adulta, mesmo quando as habilidades de leitura e escrita encontram-se dentro dos escores considerados normais. Deste modo, ainda que tenha alcançado um nível de leitura adequado (disléxicos compensados), as dificuldades subjacentes ainda permanecem e podem ser observadas em tarefas que envolvam manipulação de fonemas (como nos trocadilhos) e fluência verbal (dizer o máximo possível de palavras iniciadas com uma determinada letra em um período também determinado de tempo) (Capovilla, 2002).

Ainda atinente à noção de persistência do déficit fonológico, estudos de neuroimagem, conforme artigo de revisão de López-Escribano (2007), tem provido resultados consistentes acerca do perfil de ativação neurofisiológica de adultos com dislexia do desenvolvimento, os quais corroboram esta noção de persistência do déficit fonológico. De modo bastante sucinto, em comparação com sujeitos controle, adultos disléxicos apresentam uma ausência ou redução significativa de ativação em regiões perissilvianas do hemisfério esquerdo durante a execução de tarefas que exijam processamento fonológico, tal como a leitura de palavras novas ou pseudopalavras, por exemplo. Além desta disfunção, estudos apontam para um efeito ou ativação compensatória em áreas homólogas do hemisfério direito e em áreas do córtex

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pré-frontal nos sujeitos disléxicos. Uma comparação deste perfil de ativação com o observado em crianças disléxicas evidencia que a mesma disfunção em regiões perissilvianas do hemisfério esquerdo está presente (o que endossa a discussão acerca da persistência do déficit fonológico). Crianças disléxicas também apresentam ativação de áreas homólogas do hemisfério direito, no entanto, a ativação de regiões pré-frontais somente é observada no disléxico adulto e, hipotetisa-se, possa refletir o desenvolvimento de um mecanismo compensatório de leitura (López-Escribano, 2007). O supracitado permite compreender como, apesar da persistência do déficit fonológico subjacente, o adulto disléxico pode, muitas vezes, superar em parte suas dificuldades através do uso destes mecanismos compensatórios.

Também Shaywitz (2006) argumenta que, além das dificuldades relacionadas a uma leitura lenta e sem fluência, o que pode tornar a leitura uma atividade bastante desgastante, há evidências de que crianças e adultos disléxicos utilizam sistemas de leitura compensatórios. Para ilustrar como estas dificuldades podem se manifestar no disléxico adulto, é pertinente citar alguns estudos de caso. Campbell e Butterworth (1985, apud Ellis, 1995) apresentam o caso de uma jovem mulher, estudante da

University of London. Embora tenha chegado até a universidade, a estudante era incapaz de ler palavras novas, com as quais se deparava no seu curso. Uma avaliação revelou um padrão de dislexia fonológica, com boa leitura de palavras e fraca leitura de pseudopalavras, além de baixo desempenho em testes fonológicos. A estudante, que formou-se em psicologia, utilizava-se de estratégias tal como associações da aparência de novas palavras com seus significados e pronúncia.

Shaywitz (2006) também endossa esta argumentação a favor da persistência da dislexia. Segundo a autora, a dislexia é uma condição crônica e que, portanto, não representa um atraso temporário no desenvolvimento da leitura. A autora ainda releva a

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