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As disposições que pela sua razão de ser não devam considerar-se extensivas ao contrato-

CAPÍTULO II – REGIME LEGAL

4. As disposições que pela sua razão de ser não devam considerar-se extensivas ao contrato-

A segunda exceção (art. 410.°, n° 1, in fine, do CC) demanda uma tarefa interpretativa do regime do contrato prometido, requerendo a análise de suas disposições e a determinação do âmbito respetivo. Uma vez munidos de tal conhecimento sobre o contrato prometido, compreenderemos se estamos em condições de afastar, ou não, a sua aplicação ao contrato- promessa.

A celebração de um contrato-promessa de compra e venda faz surgir um feixe de obrigações para o promitente e promissário. Todavia, esta celebração não transmite a propriedade do objeto sobre que incide. A transferência só ocorrerá - quando e por força da outorga do negócio prometido, a prometida compra e venda - ou pela execução específica da promessa de venda, onde a sentença substitui a declaração de venda107. Assim, são inaplicáveis à promessa de venda, enquanto não translativa de propriedade, as normas da compra e venda relativas à eficácia real translativa (art. 879.°,al. a), do CC).

O mesmo valerá para a distribuição do risco (art. 796.°, do CC)108 ou para o afastamento do direito de resolução do contrato por falta de pagamento do preço (art. 886.°, do CC).

Por igual bitola, o facto de o contrato-promessa não produzir efeitos translativos não lhe torna aplicáveis as proibições da alienação de coisa alheia (arts. 892.° e 939.°, do CC) ou parcialmente alheia (arts. 902.° e 939.°do CC) e da venda de coisa comum (indivisa) por um só dos comproprietários (arts. 1405.° e 1408.°do CC)109.

Outrossim, e por análogo alicerce, não se estende à promessa de venda de bens imóveis, feita por um dos cônjuges sem o consentimento do outro, o disposto no art. 1682. °- A, do CC, que determina: carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles

O que não é compaginável com a situação de o Promitente-comprador tendo sugerido ao promitente-vendedor a dispensa de formalidades, invocar, mais tarde a sua omissão para arguir a nulidade do contrato. Atuação abusiva, nos termos do art.334.ºdo CC., exercício ilegítimo de um direito por manifestamente o seu titular exceder os limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou fim social ou económico desse direito.

107 Ac. do STJ 26-06-2014, processo. 2889/08.6TBCSC-B.L1.S1, Relator Granja Fonseca: “Ainda que o contrato promessa seja com

tradição, a aquisição do direito de propriedade pelos mandatários não importa ipso facto a aquisição da posse pelo mandante, já que este apenas não adquire um direito real, mas apenas de crédito”, in www.dgsi.pt , consultado em 24-10-2014.

108 A regra consagrada no artigo 796º CC faz coincidir o risco com a transmissão de propriedade e não, portanto, com a entrega da coisa

devida. Januário Costa Gomes considera, no entanto, que o artigo 796 é afastado pelo art. 3º, 1, do DL nº 67/2003 que dispõe: “O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue”. Âmbito da Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela relativas. Ver “Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo, in CDP, n.º21, 2008, p.15

109 AC do STJ de 26-05-2009, proc. n.º 97/09.8YFLSB: “I- A Promessa de venda de coisa alheia é válida, visto o promitente não alienar e

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vigorar o regime de separação de bens: a)a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns, b) a alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum110.

Como analisa Antunes Varela111, o contrato-promessa celebrado apenas por um dos

cônjuges só vincula este cônjuge a realizar o contrato prometido. E justamente porque o outro cônjuge não se obrigou a nada, nunca estará em falta quanto à declaração de venda, assim, não deve ser obrigado a ressarcir qualquer espécie de dano que resulte, para o promitente-comprador, da não realização do contrato prometido.

Logo, impossível se revela o recurso à execução específica em que o tribunal se substitua ao cônjuge que não assinou, pois a nada se vinculara. Neste sentido, não pode ser considerado um contraente faltoso, para todos os legais efeitos.

De modo par, a proibição de venda a filhos e netos, feita sem o consentimento dos outros filhos ou netos, nos termos do art.877º, do CC, não colhe junto da promessa de venda.

Afinal, em todos os casos existe tão-somente a obrigação de celebrar o contrato definitivo - prestação de facto jurídico - cujo cumprimento pode vir, ainda, a ser possível no tempo devido. Referimo-nos aos casos em que o promitente obtém a coisa ou o necessário consentimento - ou o seu suprimento judicial - indispensável à realização do negócio translativo (definitivo).

A maior celeridade que a promessa imprime é, em certa medida, acompanhada pelo menor leque de efeitos imediatos que produz, dado estarmos perante negócio não translativo de direitos, mesmo quando formalizado (mais) solenemente (art.413.º, do CC)112.

110 Ac. do S.T.J. de 18.1.1996, publicado na Coletânea de Jurisprudência (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça), 1996, tomo I, p. 46-

52: “Tem sido geralmente aceite que o simples contrato-promessa de alienação - que não transmite o direito real sobre o bem - não carece do consentimento de ambos os cônjuges; diz-se que esta regra que impõe a intervenção de ambos para a alienação propriamente dita é uma daquelas que "por sua razão de ser" não devem ser aplicadas ao contrato-promessa (art. 410 °)”.

AC da R.E de 2.11.1995, publicado na Coletânea de Jurisprudência, 1995, tomo V, p. 279-282:”Como é sabido, nos regimes matrimoniais da comunhão geral e da comunhão de adquiridos, a lei faz depender do consentimento de ambos os cônjuges a venda de determinados bens - designadamente imóveis - quer sejam comuns, quer sejam próprios do marido ou da mulher (art. 1682º-A). Mas nada impede que um dos cônjuges assuma validamente em contrato - promessa, sem o consentimento do outro, a obrigação de vender bens do casal de que não tem a livre disponibilidade. Uma coisa, com efeito, é a venda, que opera, de modo direto e imediato, a transferência do direito de propriedade; outra, assaz distinta, é a obrigação de vender, que apenas vincula o respetivo devedor a realizar o correspondente contrato de compra e venda. Se aquele que, através de um contrato-promessa, se obrigou a vender determinada coisa carecer de legitimidade para realizar a venda, ou para a realizar só por si, terá de diligenciar, por força da obrigação que validamente assumiu, no sentido de obter a cooperação da pessoa ou das pessoas sem cujo consentimento a alienação não pode efetuar-se. Sempre que, portanto, um dos cônjuges, quando o regime de bens seja a comunhão geral ou a comunhão de adquiridos, se obrigue a vender algum dos bens mencionados no referido artigo 1682º-A, a obrigação é válida, mas só poderá ser cumprida com a cooperação do outro cônjuge. Caso este recuse o seu consentimento, à situação daquele que se obrigou a vender aplicar-se-á o regime do não cumprimento, com todas as consequências dai decorrentes”. AC da RC de 30-01-2001, R. 3133/00, CJ., 2001,I, 24: “ é válido o contrato promessa de venda de imóveis comuns, celebrado apenas pelo R. marido, não casado em separação de bens, sem consentimento da mulher, já que não se trata ainda, de uma venda, mas de mero compromisso de celebração de escritura respetiva. Não obstante não é admissível a execução específica do contrato, caso o cônjuge não empresário nem promitente vendedor, se recuse a assinar a escritura de compra e venda de prédio comum prometido”.

111 Das Obrigações em Geral, ob. cit, 9ª Edição, p. 336. 112 Remetemos para o Capítulo I, Subsecção II, a pp. 20 e ss.

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