• Nenhum resultado encontrado

Os dispositivos que condimentam o prato

É característica de uma pesquisa com abordagem qualitativa, assegura Alves-Mazzoti (2002), o uso de uma grande variedade de procedimentos e instrumentos, aqui denominados dispositivos, para a aquisição dos dados.

Chizzotti (1995) ratifica que uma pesquisa, como a que se apresenta, deve mobilizar a acuidade inventiva dos pesquisados, sua habilidade artesanal e

sua perspicácia na elaboração metodológica, sempre coerente com o objeto de

estudo e o aporte teórico escolhidos (p.85).

Atendendo a esta premissa e à demanda subjetiva do objeto de pesquisa, foram escolhidos os seguintes dispositivos:

 Complementação de Frases:

Realizada com todos os professores envolvidos, teve como objetivos: conhecer os sujeitos, no que se refere à sua formação, tempo de serviço, faixa etária, idade, tempo de experiência com inclusão; compreender quais as primeiras percepções conceituais e opiniões acerca do tema estudado (Apêndice I).

 Memória Educativa:

Considerado também como um dispositivo de escuta, os relatos escritos das trajetórias de vida escolar dos sujeitos de pesquisa – professores e coordenadora - tiveram as seguintes intenções: reconhecer as implicações pessoais, marcas constitutivas, escolhas profissionais bem como das possíveis influências de acontecimentos constitutivos na atuação docente no ambiente inclusivista; fomentar nos sujeitos uma possível re-leitura das suas historicidades, oportunizada pela escrita; obter informações que foram, no momento da entrevista, retomadas, na tentativa de viabilizar possíveis re- elaborações das suas trajetórias, por parte dos sujeitos de pesquisa. No caso deste último objetivo, somente foi possível com os professores, uma vez que a

coordenadora não foi entrevistada, apenas respondeu o questionário (Apêndice II).

 Entrevista Semi-Estruturada:

Para este dispositivo utilizamos a concepção de entrevista semi- estruturada, por não ter um roteiro fechado. Elaboramos algumas questões orientadoras, mas que nos possibilitam um movimento reflexivo junto com o entrevistado, garantindo-lhe a oportunidade de discordar, modificar, reconstruir sua fala,, sempre que sentir necessidade.

Aplicada a todos os professores participantes, teve os objetivos de: esclarecer aspectos obscuros ou duvidosos, remanescentes após a leitura da Complementação de Frases e da Memória Educativa; compreender, de forma mais específica, por meio de perguntas abertas, de que maneira os sujeitos de pesquisa lidam com a proposta inclusiva; observar, por meio da fala, possíveis atos falhos, esquecimentos, lapsos de memória, especialmente relacionados à questão do mal-estar e do fazer educativo. Cada entrevista durou cerca de três horas e foi documentada com gravador de voz (Apêndice III).

 Grupos de Escuta:

A abertura de espaços de escuta, nos quais os professores tivessem a oportunidade de se escutarem, não pretendeu nenhuma mudança de posição do professor, mas exerceu uma função catalisadora desta alteração de lugar, diante da inclusão.

A transposição de um dispositivo com características semelhantes ao do exercido na clínica psicanalítica para a escola, não significou, em absoluto, a intenção de fazer terapia de grupo ou colocar a pesquisadora no lugar de analista; até porque, isso seria impossível.

A necessidade de ser ouvido, percebido pelo grupo, pela escola, pela sociedade, revelada na escuta na sala de professores, foi um dos nossos motivadores do nosso desejo de ouvir o que os professores tinham a dizer sobre a inclusão. Desejo corroborado depois da experiência com os alunos surdos, relatada na justificativa desta dissertação.

Outra inspiração para este dispositivo foi a experiência vivenciada no Lugar de Vida na Universidade de São Paulo, relatada brevemente na justificativa deste trabalho. À época, mais precisamente em janeiro de 2006, esta pesquisadora compartilhou da concepção de escuta do Grupo Ponte – que faz o acompanhamento das crianças, atendidas no Lugar de Vida, em especial psicóticos e autistas, na sua inclusão no sistema regular de ensino. Como parte desse processo, eles realizam, mensalmente, reuniões entre a equipe de especialistas (psicanalistas, pedagogos, psicopedagogos, pediatra, dentre outros) e os educadores, das unidades escolares envolvidas com o processo de inclusão.

Nestas reuniões o educador é convidado, incentivado, a falar sobre as dificuldades que está encontrando com o seu aluno, e, com a ajuda de todos os participantes, consegue elaborar um sentido, uma solução possível para sua dificuldade (Colli apud Colli e Kupfer org., 2005, p.32).

Ainda sobre esse trabalho, vale ressaltar o que assegura Bastos (2003a):

A importância desse trabalho com os professores se dá, não só no sentido da acolhida de suas experiências (...), como na direção oposta, de produzir ‘furos’ no imaginário, trabalhando as idealizações, que imperam no campo educativo, para dar lugar ao simbólico, a um fazer que seja da ordem de um possível (p.146).

Vale esclarecer, ainda, que esta expectativa está apoiada na dinâmica destas reuniões, que possibilita aos participantes, em especial os professores, fazerem um giro em suas produções discursivas, produzindo algo

diferente daquilo que é uníssono. Os professores se vêem lançados a criar o seu próprio fazer educativo (Bastos, idem, op.cit.).

A possibilidade de escuta dos outros professores promove o que Bastos (ibidem) denomina confrontação com seu próprio dizer, o que contribui para que se instalem, no lugar das certezas, perguntas e questões referentes

às interpretações que os professores dão às atitudes ‘estranhas de seus alunos (op.cit).

Os espaços de escuta, utilizados aqui como dispositivo, têm, em sua essência de concepção os referenciais do trabalho desenvolvido pelo Grupo Ponte, embora não possamos, por questões de formação, desenvolver o mesmo trabalho.

Os grupos que criamos tiveram a intenção de promover o encontro dos professores, em ambiente e situação diferentes da sala de aula, com os seguintes objetivos: troca de experiências de inclusão entre os pares, com a finalidade de conhecer como cada um reagiu diante do aluno com deficiência e

a opinião dos colegas, com a intenção de provocar a re-significação das angústias e incertezas; por meio da escuta do colega, que vivencia situações semelhantes em relação à inclusão, oportunizar o diálogo, a partilha de histórias de vida e formação entre os pares, em um movimento de fala -

escutar o outro - escutar a si mesmo. Foram realizados cinco encontros com os

quatro professores participantes que, ao final do 5° encontro foram convidados a refletir sobre a experiência de escuta, a partir de três questões elaboradas pela pesquisadora. Todos os encontros foram documentados através de gravação de voz (Apêndice IV).

 Questionário:

Aplicado, especificamente, à coordenadora pedagógica da escola; teve as seguintes finalidades: conhecer um pouco da pessoa que é referência de escuta para os professores na escola; elaborar um perfil dos professores, alunos, rotinas e atividades desenvolvidas na escola; entender como vem acontecendo o processo de inclusão na escola, do ponto de vista pedagógico; investigar quais as queixas dos professores em relação à inclusão e ao seu trabalho na escola, que chegam à coordenação pedagógica e conhecer quais as iniciativas, cursos, acompanhamentos realizados pela secretaria estadual de educação junto à unidade escolar, mais especificamente, aquelas relacionadas aos professores (Modelo Apêndice V).

Foram, também, utilizados, alguns dispositivos técnicos complementares:

 Análise de Documentos – tivemos acesso ao Projeto Político Pedagógico da Escola e a documentos oficiais consultados via meio eletrônico, no site da Secretaria de Educação do Estado da Bahia (www.sec.ba.gov.br). Este dispositivo teve como objetivos: conhecer a história da escola e traçar um perfil físico e de pessoal; conhecer detalhes da proposta pedagógica que orienta o trabalho dos sujeitos de pesquisa; conhecer a realidade específica da inclusão no estado da Bahia, mais especificamente na capital, Salvador, o que corroborou no entendimento de algumas das queixas docentes.

 Documentação Fotográfica – realizamos o registro fotográfico de toda a estrutura física do local em que a pesquisa foi realizada; inclusive de um dos encontros de escuta; com a finalidade de documentação dos ambientes em que os sujeitos de pesquisa desenvolvem sua prática, bem como dos espaços onde os alunos com deficiência são recebidos.

 Gravações de Voz – todas as entrevistas e grupos de escuta foram gravados, degravados e transcritos. Esse procedimento foi de extrema importância, especialmente se considerarmos a quantidade de informações precisas e detalhadas, fornecidas pelos professores entrevistados.

 Notas de Campo – anotações feitas em diário após todos os contatos com a escola, a coordenadora e os professores, com a finalidade de não esquecer de detalhes que as gravações não são capazes de registrar, tais como: expressões do entrevistado – pensativo, irritado, impaciente,

chorando, em dúvida, dentre outros etc; contextualização do ambiente em que foram realizados os grupos de escuta e entrevistas; dificuldades encontradas durante o trabalho de campo; dentre outras informações, que foram de extrema valia, especialmente durante a elaboração das análises dos dados.